Jéssica
“Não adianta chorar pelo leite derramado” foi o provérbio que meu pai usou na primeira e única vez que fui punida por brigar no quartel, o que me rendeu alguns dias numa cela, porque pulei prontamente numa armadilha preparada para mim. Não importa quanto tempo passe, uma mulher em destaque num lugar predominantemente masculino, ainda será um alvo ambulante. O que isso tem a ver com minha situação atual? Bom, eu fui descuidada e agora estamos indo numa rota não planejada.
Marcel é uma raposa astuta, ele envenenou as duas mulheres e naturalmente esperava barganhar com isso. O resultado é que estou em confinamento e Keller preso numa das contenções. Nunca imaginei que veria o temível guerreiro vinculado a uma fêmea humana. Desconheço relação interespécie no seu povo, sua espécie costuma ser muito reservada, mas uma vez que se vincule, não há nada que não façam por suas companheiras de alma. Não foi à toa que o brutamonte se jogou no espaço apenas com o traje de proteção, isso pode parecer fofo, porém pode se tornar uma ameaça para mim se ele tiver que escolher entre sua lealdade e seus sentimentos. Melhor não pensar muito nisso agora, eu preciso arranjar uma saída. Sempre há uma.
Ainda não tenho como prever o que o “cientista louco” pretende, temos apenas a promessa de que nos deixará em paz se cooperarmos, algo difícil de acreditar. Cheguei a cogitar que ele tinha tudo premeditado, mas então teria que julgar a traição de algum aliado e isso não faz sentido. Ele apenas aproveitou a oportunidade que teve, só me resta saber qual sua finalidade. Para onde ele está indo? Se eu descobrir o motivo que o fez ficar recluso na Terra, talvez tudo se esclareça. Não sou tola, ele poderia ter escolhido eliminar meu braço direito e barganhar apenas com a vida das duas fêmeas, mas não o fez, o que mostra que não está disposto a tomar medidas drásticas para chegar ao seu objetivo. Ele quis me impor limite, uma linha para não ultrapassar.
Quanto mais penso sobre isso, mais minha cabeça lateja. Tenho uma margem segura de tempo, porém é impossível prever o que vai acontecer a seguir.
Zephyrus, apenas espere por mim. — elevei meu pensamento como numa prece.
“Você realmente não me escuta”— ouvi sua voz em minha mente e então senti aquela mesma sensação rastejar sobre meu corpo, a sensação opressora de sua presença.
— Eu nunca fiz, por que faria agora? — sorrio ao vê-lo se materializar diante de mim, diferente da vez passada.
— Minha fêmea é muito atrevida, não acha? — diz fazendo a volta na poltrona e se sentando no apoio de braço, olhando brevemente o espaço infinito à nossa frente pela imensa janela transparente.
— Você ainda lembra que tem uma fêmea? Se pode fazer isso, por que não tenho te visto ultimamente? — provoco, sabendo que não é assim tão fácil para ele estar aqui, do contrário não me deixaria sozinha.
— Então se considera minha fêmea? — encaro-o abruptamente sentindo minhas bochechas esquentarem. Seus lábios fizeram uma leve curva para cima, mostrando uma expressão sombria e sedutora.
— Bem, eu…— Só agora me dei conta das minhas palavras, mas a quem estou querendo enganar? Arriscar minha vida apenas por gratidão seria burrice — Espere por mim, certo? — peço puxando-o pela nuca e encostando minha testa na sua.
Posso sentir a estreita ligação entre nós, nos unindo cada vez mais, como amarras invisíveis ao redor dos nossos corpos. A marca esponsal queima em minha pele fazendo meu corpo se tornar mais quente que o habitual.
— Não se force tanto por minha causa! — seu tom de voz me faz duvidar se é uma ordem ou apenas preocupação.
— Você não faria por mim? — Ergo o olhar um pouco mais para capturar seus olhos de cor citrino e ferozes. Ele sabe que o estou provocando, afinal estamos na situação atual porque ele se entregou ao irmão para me poupar.
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ABDUÇÃO: Contos Alienígenas
Historia Corta+18 Jéssica é uma mulher forte que cresceu nas ruas, após fugir de casa por conta de maus tratos. Sua vida nunca foi fácil, enquanto tentava sobreviver às intempéries e ao assédio dos "colegas de rua". Não existia meio termo para ela; se alguém a ba...