MISSÃO RESGATE

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Jéssica

Após ter transcorrido algumas horas, durante as quais, meu tique nervoso me fez tomar alguns banhos, tentando, inutilmente, me convencer de que não estou sendo escrota por pensar em cair fora desse lugar e deixá-lo para morrer, cheguei à conclusão de que não sou fria o bastante para permitir que ele seja esfolado vivo; porque é isso que o rei fará. 

Arg…Foi só uma transa, caramba! Ambos nos beneficiamos…Não, isso não é totalmente verdade; ele vai morrer e eu não.  

Tolo, tolo, tolo! Por que tinha que ir lá? — O amaldiçoo em pensamento. 

Retorno para a sala ligeiramente irritada e as marcas de arranhões na mesa me fazem lembrar o que aconteceu ali, deixando minha intimidade instantaneamente quente. Direciono meu olhar para a caixa de Liriacthias num canto e tento me concentrar nisso, obrigando minha mente a mudar de foco.

Hum, deve dar 50kg, talvez…

Faço as contas e levanto a caixa, porém empenho tanta força nisso que a maldita coisa voou por cima da minha cabeça me fazendo cair de bunda no chão e espalhando as frutas para todo lado.

— INFERNO!— grito de raiva e no segundo seguinte o Keller está diante de mim, olhando a bagunça que fiz.

— Minha senhora… — ele olha ao meu redor como se eu tivesse destruído um tesouro. Se bem que pelo valor das frutas, é um tesouro mesmo.

— Ah, não fiz de propósito…fui mover essa coisa de lugar e não medi minha força, achei que era mais pesado. — Me defendi.

— É quase duas vezes o seu peso, não deveria ser difícil para uma fêmea humana levantar?! — Ele pondera, então me olha de forma estranha — A menos que meu mestre tenha dividido sua essência com a senhora…

Essência?! Ah, não! É mais idiota do que imaginei. Por que esse imbecil me daria metade da sua vida?!

— Como alguém pode dividir sua vida com alguém que, claramente, irá abandoná-lo na primeira oportunidade?! — acabo desabafando, enquanto tento juntar aquela desordem no chão e pôr de volta na caixa, que foi cair no meio da sala.

— E a senhora vai?! — Essa pergunta me pegou. Encaro o brutamontes catando frutas com a delicadeza que se pega em ovos — E mesmo que o abandonasse, ele não a culparia! — conclui calmamente como se tivesse uma certeza que não tenho. 

Embora eu saiba que tudo isso foi causado por eles e não por mim, não me vejo indo embora sem olhar para trás. Uns poderiam alegar que estou com a Síndrome de Estocolmo, porém por quantas vezes meu “caçador” me protegeu e salvou quando me meti em encrenca por tentar escapar?! Tenho algumas em mente e na maioria delas, ele mesmo poderia ter me matado.

— Keller, há algo que o soberano deseje mais que tirar a pele do seu irmão por traição ou me vender como prostituta?! — Pergunto após um silêncio sepulcral. 

O alien parece brevemente surpreso com minha pergunta, o que me faz desconfiar de que sim, há algo que Heimdall queira mais que vingança.  

— Não é algo que seja possível nesse momento, já que o Supremo Ancião de Amanphire ainda vive. — Como esperado de alguém de confiança de Zephyrus, ele deve saber também todos os “podres” daquela família. — A senhora sabe por que o rei a escolheu dentre todas as outras que lhe foram apresentadas naquele dia?! — Oh, isso sim despertou o meu interesse.

E a coisa fica ainda melhor. Claro que depois de todo esse tempo, ouvi algum rumor de que o soberano conhecera uma humana há quase três décadas que havia despertado seu interesse, inclusive, dividira sua “essência” com ela, mas fora isso, nunca tive nada de concreto em que pudesse me apoiar. Afinal, fofocas não são coisas que se pode levar ao pé da letra e não podia descartar a desconfiança de que isso era para me deixar apreensiva no meu status de rainha recém adquirido.

— Não faço ideia! — foi a minha resposta. 

— A senhora se parece com ela, com aquela que o “despertou”. — Oh, tenho uma sósia por aí. Não, espera um pouco, pelo tempo que passou, eu sou a sósia. — Mas ele não pôde tê-la, porque já tinha um companheiro. — Não foi difícil ligar os pontos a partir dessa informação. 

Oh, merda! Essa mulher era companheira do soberano de Amanphire, o que me causou profunda desesperança. 

— Você tem dados atuais sobre esse soberano  e sua companheira?! — É tentador conhecer alguém que se parece comigo. 

Keller aproxima-se de um botão na lateral da mesa e o aperta com a elegância de um guerreiro de seu porte. Algumas imagens são projetadas à minha frente, mostrando duas pessoas da cintura para cima. A mulher ao lado do ancião nem de longe se parece comigo. 

— Vocês são cegos ou o quê?! Não nos parecemos nem debaixo d'água. — Falo com certa rispidez. 

— Hum…estranho, não tenho informações da outra esposa do ancião… — Ele parece resmungar enquanto seus dedos hábeis digitam por mais informações.

Duas esposas humanas?! Onde diabos isso daria certo?! Ia ser treta na certa. 

Com meu “desconfiômetro” ligado, pedi que Keller investigasse essa história à fundo, para alem das informações que me deu de que    Heimdall conheceu essa mulher aqui na estação. Meu instinto de militar me dizia que algo estava fora de ordem nessa história. Não é que não seja possível duas humanas dividindo o mesmo macho, mas isso geralmente acabava em confusão. Aproveitei sua ausência para estudar um pouco sobre a cultura e história de Amanphire nos Registros Universais e ao que parece, as coisas por lá não eram tão simples anos atrás. Eles encontravam limitações para sobreviver e precisavam compartilhar suas fêmeas, então como o seu soberano seria tão egoísta para manter duas em seu poder?! Sem falar do vínculo que mantém com as fêmeas do seu povo, que se diz ser indissolúvel, então como ele se vinculou a duas humanas?! Eles podem ter feito avanços genéticos para sanar esse problema, mas ainda seria egoísta manter só para si duas fêmeas, enquanto seu povo está buscando o aumento da taxa de natalidade. Para completar, o ancião tem apenas dois filhos, gêmeos, obviamente da mesma mãe. A outra não procriou?! 

Estive a tarde inteira nisso e minha enxaqueca estava me matando. Quando meu mais novo braço direito anunciou sua entrada, tudo que eu desejei era uma resposta, mas ele vinha com uma bandeja com comida. 

— Quem disse que quero comer?! — Indago ao ver a bandeja exposta sobre a mesa.

— Meu senhor pediu que eu cuidasse da mestra, é o que farei! — sentenciou. — Não vai poder fazer nada de estômago vazio! — completa com uma fagulha de esperança que só agora notei.

— Você acredita que posso salvá-lo ?! — Pergunto acalmando o meu ânimo e colocando a tela,  onde fazia minhas pesquisas, em stand by.

— Não estaria ajudando nessa loucura se não acreditasse nisso! — ele é franco enquanto dispõe os pratos diante de mim.

— Quanto tempo temos?! — Respiro pesadamente tentando não demonstrar nenhuma insegurança. Nem mesmo sei o momento exato que isso virou missão de resgate. Eu deveria apenas ficar quietinha aqui ou me mandar para a Terra.

— Entre o julgamento, sentença e execução: oitenta ciclos!

A constatação daquilo que eu já sabia fez meu coração parecer um trem desgovernado. 

ABDUÇÃO: Contos Alienígenas Onde histórias criam vida. Descubra agora