Príncipe Zephyrus
Manter uma ligação com minha fêmea não é tão simples e demanda muito mais energia do que possuo atualmente. Heimdall tem sido “gentil” à sua maneira para tornar minha estadia em sua masmorra ainda mais “afável”, sequer posso julgá-lo por sua atitude, já que tirei algo dele. Apesar de tudo, ele tem mantido sua palavra de me deixar inteiro, eu gostaria de dizer que é por conta da nossa irmandade, mas em se tratando de traição, laços não se sustentam para nosso povo.
No entanto, ele levou as palavras da Jéssica à sério, por isso não me surpreendi quando me remanejou da masmorra suja e fria para um quarto-prisão sob forte vigilância. O tratamento não é o que estou habituado, com alimentação farta e mais conforto, porém é o bastante para me manter vivo. Meu irmão tem me enviado uma refeição rala, por motivos óbvios, certamente teme que me rebele e tente fugir, o que não está distante de acontecer com aquela fêmea encrenqueira se metendo em tanta confusão.
— Se você veio se certificar de que estou “bem”, já pode ir! — Falo irritado por ele ter interrompido minha “ligação” num momento crucial. Eu precisava avisá-la do perigo que enfrentará se sua identidade como rainha de Alfa-Centauri for descoberta.
— Éramos assim antes de termos uma fêmea entre nós? — Heimdall sempre foi muito sagaz, mas de repente vejo um brilho cansado em seus olhos.
— Você a teria me entregado de bom grado se eu tivesse solicitado? — Questiono esticando os músculos rígidos pela posição de meditação.
— É provável — diz soltando o ar do peito em lufadas contínuas e pesadas — Você a sente? — ele se volta para mim após andar pelo quarto, como se avaliasse as estruturas metálicas nas janelas que me impediam de voar para longe — digo, a “ligação de alma” se completou? — posso sentir que não está me investigando, porém não me sinto confortável para falar disso.
— Isso é realmente importante, irmão? — Ele me encara com olhos em frestas, como se considerasse minha animosidade em relação a seu questionamento.
— Eu gostaria de tê-la sentido, uma única vez que fosse, só sei que ainda está viva porque minha essência não retornou para sua origem — Suas palavras soam pesarosas demais para serem ignoradas por mim.
— Você se arrepende? — questiono sabendo que o que ele fez foi num impulso, guiado pelos próprios instintos. Se estivesse consciente, não teria partilhado sua essência com uma desconhecida.
— Se ela me aceitasse, eu lhe daria todo o meu poder — a resposta não parece algo provinda do distante rei de Alfa-Centauri. Ele mudou.
Durante todos esses anos não o vi tão abatido, Heimdall jamais se comportou assim por causa de uma fêmea. Havia muitas em seu harém com quem pudesse compartilhar sua solidão, no entanto aqui estava ele, cabisbaixo, por causa de uma humana. Quem diria que logo alguém tão inatingível e rígido defensor das tradições, que sempre abominou o cruzamento com outras espécies, estivesse vinculado a uma terráquea.
— Jéssica não é ela, você ainda se lembra disso? — a pergunta é mais para testar sua lucidez do que para aborrecê-lo, afinal machos vinculados, mas sem suas companheiras, costumam caminhar no limiar da sanidade e loucura.
O tempo que passou não é nada para nós, mas se comparado à expectativa de vida humana, é realmente uma perda. O olhar do meu irmão ao vaguear pela quase inexistência de móveis do ambiente, parece tão vazio quanto. Até imagino o que se passa em sua cabeça, Jéssica é a substituta perfeita caso a outra tenha sua própria família, porque por mais insano que ele esteja, ainda duvido que a tire do seu lar nessas circunstâncias. Ao contrário de mim, ele é íntegro demais, porque eu não pensaria duas vezes. Como não pensei em tirar minha fêmea dele.
— Estou ciente disso…— seus passos se direcionam à porta, enquanto o acompanho com o olhar.
Agora que o amortecimento em minhas pernas passou, já consigo me pôr de pé, apoiando parte do peso com os ganchos nas extremidades das minhas asas fincados na parede atrás de mim. Pensando na segurança da minha fêmea, talvez eu possa me aproveitar desse seu estado de fraqueza para ajudá-la.
— Sim, temos uma ligação de alma! — o rosto dele se vira bruscamente para mim, não consigo identificar se a expressão em seu rosto é incredulidade ou esperança — Inclusive, nos falamos — fico observando se há qualquer indício de hostilidade a cada informação acrescentada ou se veio me manipular, ainda não posso descartar essa possibilidade.
— Por que resolveu me dizer isso agora? — questiona voltando-se na minha direção a passos rápidos. É claro que ele percebeu alguma intenção oculta por trás da minha atitude.
— Você sabe, não é? Nunca é de graça — ignoro sua aproximação ameaçadora — Jéssica estava retornando com sua fêmea — ao som dessas palavras, seus olhos se turvaram, com sua íris reluzindo em tons de amarelo e laranja.
— Estava? Não está mais? — estando a um passo de me alcançar, suas perguntas soam mais ameaçadoras do que de fato são.
— Imprevistos! Ela foi obrigada a mudar a rota rumo à Constelação de Antares — Solto essas palavras como se elas não tivessem qualquer peso, embora eu saiba que esse é o exato ponto crítico de que preciso para sair daqui — A nave foi sequestrada, junto com a tripulação.
Heimdall está de mãos atadas por causa de suas ações passadas. O rei daquele povo jamais perderia a oportunidade de fazer uma retaliação contra ele. E uma fêmea com quem tenha uma ligação é um prato cheio para uma vingança. Se ele deseja trazer sua humana sã e salva, vai precisar que eu interceda.
— O que você quer para garantir que ela chegue a Alfa-Centauri em segurança? — ele finalmente parece tomar uma decisão, após andar inquieto pelo pequeno espaço que nos retém, momentaneamente, juntos.
— Jéssica, de certa forma, cumpriu sua parte no acordo ao localizar a fêmea e trazê-la consigo, mas como você sabe, até mesmo as grandes civilizações não têm garantias de voltar ilesas de suas expedições — omito o fato de que a nave foi tomada por motim e não uma abordagem de fora — Garanto resolver esse impasse se me der a sua palavra de que eu e ela sairemos disso sem lhe dever mais nada. Eu o traí e não espere que me arrependa, porque não acontecerá. Além do mais, agora sou o único que pode resgatá-las com vida se chegarem àquele planeta e forem expostas como suas companheiras.
— Está certo, mas a partir do momento que levar a minha rainha, será um exilado de Alfa-Centauri e perderá seu direito à sucessão ao trono. O povo precisa saber que mesmo o príncipe Zephyrus não pode sair impune — sua aparente calma revela a sagacidade por trás dessa fala.
O direito ao trono sempre foi uma pedra no meu caminho e se ele acha que está me punindo por me tirar algo que lhe cedi de bom grado, está muito enganado. Mesmo depois de tanto tempo, ele parece temer que eu requeira esse poder de volta. Talvez não esteja suficientemente claro que abomino as amarras impostas à vida de um monarca. Viver sob a égide da lei e em prol do povo não é para mim.
— Tem a minha palavra de que não requererei direito ao trono, sobre qualquer circunstâncias, de hoje até o fim dos meus dias — faço o juramento trazendo a mão fechada em punho sobre o peito.
— Só me fala o que irá precisar que providenciarei — seu sutil sorriso mostra a satisfação por algo que não poderá ser revogado , ainda que não tenhamos quaisquer testemunhas aqui. O juramento de um guerreiro, de nossa estirpe, é atemporal e indissolúvel, estando acima da própria lei.
Não cometa nenhuma estupidez— Envio a onda de pensamento com a esperança de que Jéssica ainda possa me ouvir, mesmo sob a névoa que agora encobre nossa ligação — Apenas me espere, eu estou indo, minha fêmea!
[...]
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ABDUÇÃO: Contos Alienígenas
Historia Corta+18 Jéssica é uma mulher forte que cresceu nas ruas, após fugir de casa por conta de maus tratos. Sua vida nunca foi fácil, enquanto tentava sobreviver às intempéries e ao assédio dos "colegas de rua". Não existia meio termo para ela; se alguém a ba...