001. as mãos.

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≾. as mãos.

Marina pov;

   A mesma polícia que confundiu Pinho Sol com cocaína e condenou um homem há 11 anos de prisão, invadiu a minha ONG afirmando o meu envolvimento com o tráfico de drogas. Pelo menos tive o direito de permanecer calada na mira de um fuzil 5,56mm.
  Meu único contato com o movimento foi no fim de semana anterior à tudo aquilo, no dia 23 de abril. Como em todos os feriados, realizei uma ação social no projeto; desta vez, as maiores doações que recebemos foram feitas pelo líder da facção que comanda o morro. Quem é de fora facilmente encheria a boca pra dizer que o meu erro foi o de ter concordado; quem é daqui sabe que se negar à aceitar este tipo de favor é pedir para ganhar uma antipatia mortal - daquelas que te fazem parar num microondas.
   Como a minha vida vale mais do que o meu orgulho, concordei em recebê-las e segui.

   O policial que me pressionou não parecia interessado nas minhas razões: queria, na verdade, me fazer contar de onde eu conhecia o 'chefe' do complexo e saber aonde ele estava escondido. Não responde-lo me rendeu um punho deslocado e um corte no supercílio.
Além da surra, ganhei mais prejuízos: os fardados destruíram portas, quebraram móveis e reviraram todas as fichas das crianças cadastradas no projeto. Quando eles foram embora, me senti num cenário pós-apocalíptico.
   A injustiça doía mais do que os hematomas.

  Demorei alguns dias para conseguir reabrir a ONG. Me senti insegura mas nunca duvidosa sobre continuar; quando voltei para o espaço e visualizei o tamanho do estrago, precisei digerir muitas sensações.
  Com a ajuda da minha mãe comprei materiais para uma 'mini' reforma nas salas principais e isso, já me pareceu ser o suficiente para ao menos retomarmos algumas das atividades. Fiz tudo com as minhas próprias mãos afinal, toda a nossa reserva já havia sido utilizada para bancar a reativação do projeto.

  Um dia antes de reabrir as portas, ouvi as batidas no portão. Resmunguei que não estávamos funcionando e retomei à pintura de uma das paredes; outra vez batidas no portão que, desta vez, eram mais fortes. Desta vez senti medo.
  Desci as escadas com cuidado e quis espiar por uma pequena fresta quem insistia em entrar. Antes que eu pudesse enxergar algo, o barulho se repetiu e uma voz rasgou o desconhecido.

Professora, eu vim em missão de paz. - o timbre me pareceu familiar. Me dei conta de quem estava do outro lado da chapa de ferro e meu peito disparou; o que aquele porco queria ali?

   Ele não pareceu disposto à ir embora, mesmo com toda a demora. Foi quando abri o portão lentamente e a minha suposição se tornou real.

Posso entrar? - foi tudo o que ele disse quando encontrou de novo os meus olhos.

   Eu concordei em silêncio e abri espaço para que ele passasse. Fechei as portas e caminhei vacilante pelos degraus, conduzindo-o até o salão. Enquanto eu tentava esconder todo o meu nervosismo, ele tornou a falar:

Nunca me arrependi de uma abordagem antes. Eu soube que você faz um trabalho social importante, com crianças e adolescentes e decidi voltar pra reparar meu erro.

   Eu estava quase acreditando naquele suposto cara arrependido, que parecia até... humano? Logo recompus a minha mágoa, antes de olhá-lo outra vez.

É uma merda que isso tenha acontecido. - ele continuou já dentro do salão.
— Quero te ajudar com tudo o que você precisar, pra tentar compensar o que fizemos aqui. - e inspirou fundo, como se acabasse de desengasgar.

maria  batalhão | CAPITÃO NASCIMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora