015. a falta

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Roberto pov;

Foi foda voltar pro Vidigal depois de toda aquela merda. Eu não podia olhar em direção à aquela ONG sem querer largar tudo e contar pra Marina que, o meu afastamento era em prol da segurança dela. Era pelo meu filho também.

Além da confusão no meu peito, havia uma confusão em frente ao projeto dela. Foi quando uma criança se aproximou reclamando e eu só precisei dessa desculpa para intervir.

— Que que tá pegando ali, amigo? - eu perguntei para o menino que provavelmente, estava na casa dos sete ou oito anos.

— Faltou leite, senhor. A tia não sabe contar direito... ela é professora 'só de alfabeto'. - eu achei engraçado. O moleque era foda.

Convenci ele e mais três garotos à irem comprar todo estoque de leite em pó do mercadinho, que ficava à duas ruas dali. Em troca, eles ganhariam brinquedos; toparam na hora e eu, confiei uma nota de R$ 100,00 na mão da criançada. Meu juízo sempre sumia quando se tratava dela.

Valeu a pena quando eu vi eles cruzando a esquina animados e acompanhados de outros dois adultos, que os ajudaram com as sacolas pesadas.

— Deixa aqui, deixa aqui. - eu apontei para a entrada da UPP, onde as sacolas foram cuidadosamente colocadas. Conversei mais um pouco com eles, agradeci pela ajuda e reforcei a minha promessa.
Dois soldados me ajudaram a carregar os pacotes até a ONG.

Entrar novamente naquele lugar me fez sentir um frio na espinha. Eu não deveria estar ali mas, era muito mais forte do que eu.
Coloquei as sacolas nos pés da Marina.

Por que fez isso? - ela sussurrou. Não consegui tirar meus olhos dela.

— Ia virar uma baixaria. Melhor fazer as contas direito da próxima vez. - lembrei do moleque engraçado que havia me contado tudo.

Me afastei e enquanto ela continuava o trabalho, algumas crianças se aproximaram interessadas no que eu fazia na UPP.
Brinquei um pouco com elas, contei algumas histórias rápidas sobre a polícia e... lembrei do meu filho. Um nó se formou na minha garganta.

Meu filho teve acesso a tudo que o meu trabalho poderia proporcionar à ele: escola particular, aulas de inglês, artes marciais, viagem de formatura, celular do ano e a minha ausência.
O Rafael nunca precisou ir parar numa 'fila do leite' pra matar a fome mas, precisou tratar a desnutrição paterna com anos de terapia.

Ficar longe do meu moleque foi uma das coisas que fez o meu casamento acabar. Minha ex-mulher não aceitava a ideia de passar noites em claro com ele, me esperando voltar pra casa; eu nunca a culpei. Quando ela decidiu ir embora eu entendi mas, me tornei alguém pela metade.

Passei meses ouvindo o meu filho chorar, sem ter ninguém além de mim em casa. Sofri pra caralho nas festas de aniversário que eu não pude comparecer; chorei quando o primeiro dente caiu e eu não estava lá para guarda-lo.
O Rafa tem a melhor mãe do mundo mas ele precisava do pai. Todo moleque precisa do pai.

Voltei à tona e apressei a minha saída dali. Senti meu coração acelerar, o suor escorrer pelo rosto e a ansiedade bater na porta: se eu fosse mais presente na vida do meu filho, ele não precisaria de marola nenhuma na cabeça.

maria  batalhão | CAPITÃO NASCIMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora