Negócios de familia

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Manu olhou para as caixas empilhadas no canto da sala. Tudo o que restava de seu antigo lar estava ali, em pedaços. Ela suspirou, tentando não deixar a frustração tomar conta.

— Nossa, tá tudo abarrotado — comentou Beca enquanto ajudava Manu a abrir uma das caixas.

— E falta tanta coisa... que merda, não sei nem se vale a pena ir buscar o resto — respondeu Manu, tirando alguns itens, como se procurasse algo específico.

— Se quiser ajuda eu vou contigo, amiga, eu seguro a porta e você entra — Beca propôs, rindo.

Manu tentou rir também, mas a verdade era que a situação estava longe de ser engraçada. Acabara de pegar suas caixas na portaria, graças ao seu vizinho que resgatou e guardou parte de seus pertences.

As férias estavam oficialmente acabando, e ela não sabia exatamente como encararia o último semestre. Não era tão popular e não tinha muitos amigos além de Mari e Fer. Teria de encarar Gabriel e resistir às suas provocações, o que era um peso constante em sua mente. Além disso, odiava com todas as forças aquele maldito curso de administração que sua mãe insistia para que ela completasse. Sua mãe, Clara, pagava a faculdade, o que significava que ela usaria isso como uma alavanca em seus jogos mentais de sempre.

Manu, no entanto, sabia que tinha sua parte da herança, não apenas em dinheiro, mas também em alguns imóveis alugados e um percentual da empresa de seu pai. Apesar de Clara administrar isso por ela, Manu nunca soube exatamente quanto tinha em seu nome ou o que realmente herdara. Sabia que teria de enfrentar essa questão, junto com toda a dor de cabeça que esse processo traria.

Após uma conversa com seu tio Artur, ele se dispôs a ajudar Manu. Nunca questionara sua mãe sobre a gestão do dinheiro, um assunto que parecia sagrado e que Manu sempre evitara tocar. Clara tinha uma credibilidade inquestionável nos antigos negócios do falecido marido, e Manu sabia que precisaria de coragem para confrontá-la. Não queria encarar a mãe de forma alguma e havia até desistido de algumas coisas que Clara não colocara nas caixas, simplesmente para evitar qualquer confronto desnecessário.

— Não sei se estou pronta pra isso, Beca. — Manu sentou-se no chão, mexendo em uma pilha de livros antigos.

— Você precisa pensar no seu futuro, Manu. Não pode deixar sua mãe te controlar pra sempre — disse Beca, sentando-se ao lado dela.

Manu sabia que Beca estava certa. Precisava tomar as rédeas de sua vida, mas era difícil enfrentar alguém tão manipulador como Clara.

— E o Wagner? — perguntou Beca, mudando de assunto. — Você conseguiu resolver as coisas com ele?

Manu balançou a cabeça, sentindo um aperto no coração ao lembrar do encontro com Wagner. Ele estava determinado a terminar tudo, e ela não conseguira convencê-lo do contrário.

— Ele acha que está fazendo a coisa certa, Beca. Mas... dói demais — disse Manu, com a voz embargada.

— Eu sei, amiga. Mas você é forte. Vai superar isso. — Beca a abraçou, tentando consolar a amiga.

Mais tarde, após a saída de Beca, Manu decidiu que era hora de resolver as questões pendentes com sua mãe. Ligou para o advogado da família, o senhor Vasconcelos, que não era acionado desde o falecimento de seu pai. Ele ficou surpreso ao ouvir sobre a situação de Manu e se dispôs a ajudá-la.

Na manhã seguinte, Manu marcou uma reunião com o advogado e seu tio Artur. Precisava entender melhor a situação financeira e os bens que pertenciam a ela. Ao se encontrar com eles, sentiu uma mistura de nervosismo e determinação.

— Manu, você está certa em querer resolver isso. Sua mãe não pode continuar controlando sua vida dessa maneira — disse o advogado, ao se sentarem na sala de reuniões.

— Eu sempre confiei nela para administrar tudo. Nunca pensei em questionar nada... até agora — Manu respondeu, tentando não transparecer a insegurança que sentia.

— Vamos fazer um levantamento completo dos bens e da herança deixada pelo seu pai. Você tem direito a tudo isso, Manu — disse Artur, olhando-a com seriedade.

Manu sabia que essa seria uma jornada difícil, mas estava disposta a enfrentar. Precisava se libertar das garras de sua mãe e tomar controle de sua vida.

Dias depois, Manu decidiu confrontar Clara. Esperou até que sua mãe estivesse em casa e foi ao seu encontro. Sentia o coração bater acelerado, mas estava decidida a resolver tudo.

— Mãe, precisamos conversar — disse Manu, ao entrar na sala de estar.

Clara a olhou com um misto de surpresa e desdém. — Sobre o que, Manuela?

— Sobre a herança do papai. Quero entender melhor o que eu tenho direito — disse Manu, tentando manter a calma.

— Ah, você só pensa em dinheiro, não é? — Clara respondeu, com uma risada sarcástica. — Sempre a mesma coisa...

— Não é isso, mãe. Eu só quero entender a situação. Tenho direito de saber — Manu respondeu, tentando conter a raiva que crescia dentro de si.

— Eu sempre cuidei de tudo pra você, Manu. Você não sabe nem metade do que é necessário para gerenciar essas coisas — disse Clara, levantando-se do sofá.

— Eu quero aprender. Quero ter controle sobre a minha vida e minhas finanças — Manu insistiu.

— Isso é ridículo! Você não sabe do que está falando. Sempre confiou em mim pra cuidar de tudo e agora vem com essas ideias absurdas? — Clara respondeu, visivelmente irritada.

Manu respirou fundo, tentando manter a calma. — Eu já conversei com o advogado da família e com o tio Artur. Vamos fazer um levantamento completo. Eu quero saber exatamente o que me pertence.

Clara parecia prestes a explodir de raiva. — Você não vai encontrar nada que não esteja sendo bem administrado, Manuela. Mas se é isso que você quer, vá em frente.

Manu sentiu uma pontada de medo, mas não deixou transparecer. — É isso mesmo que eu quero, mãe. Eu preciso entender o que está acontecendo.

— Ah, você quer saber, é? — Clara riu, uma risada sem humor. — Muito bem, Manuela, eu vou te contar. Mas saiba que não é o que você está esperando.

— Eu quero ver os documentos, quero saber quanto tenho em dinheiro e quais são os imóveis. — Manu tentou não deixar a mãe perceber sua insegurança.

Clara levantou-se, caminhando até um armário e pegando uma pasta. Ela jogou a pasta sobre a mesa, com um olhar desdenhoso. — Está tudo aí. Veja por si mesma.

Manu abriu a pasta, o coração acelerado. Dentro, encontrou os documentos que detalhavam os bens e o dinheiro deixado por seu pai. Ela folheou rapidamente, tentando absorver a informação. Mas, enquanto lia, algo chamou sua atenção.

— O que é isso? — perguntou Manu, segurando um documento que indicava a venda de um dos imóveis.

— Ah, isso? Eu tive que vender para pagar algumas dívidas suas, Manuela. — Clara disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Dívidas minhas? Eu não tenho dívidas! — Manu sentiu a raiva crescendo dentro dela.

— Você acha que sua faculdade paga a si mesma? Que os custos de vida que você tem não importam? — Clara respondeu com um tom acusador.

— Eu não acredito nisso! Você vendeu parte da minha herança para pagar coisas que você decidiu por mim! — Manu estava incrédula.

— E o que você ia fazer com esse dinheiro, hein? Gastar em festas? — Clara continuou, sem remorso.

Manu fechou a pasta com força, sentindo a frustração e a raiva se acumularem. — Eu vou resolver isso, mãe. E vou garantir que você não tenha mais controle sobre o que é meu.

— Ah, vá em frente, querida. Vamos ver como você vai lidar com tudo sozinha. — Clara respondeu, voltando sua atenção para a televisão, como se a conversa não tivesse importância.

Manu saiu da casa da mãe, sentindo-se traída e determinada. Enquanto se afastava, sabia que essa seria apenas a primeira de muitas batalhas com sua mãe. Não fazia ideia de que a situação era ainda mais complicada do que imaginava. Clara havia gastado uma boa parte da herança que deveria pertencer a ela, e Manu teria que lutar com unhas e dentes para recuperar o que era seu por direito.

Doce demais pra mim | Wagner MouraOnde histórias criam vida. Descubra agora