Hiker Spirit (Englot version)

Capítulo 2 - A voz intrometida

Charlotte Austin
Tailândia
Punket

Charlotte estava cansada de ser forte. Não aguentava mais sentir todos os músculos do corpo retesarem até o limite do aceitável repetidas vezes todos os dias para adquirir algo próximo de resistência. Entretanto, não era como se ela tivesse opção. Pelo contrário.

Mantenha-se forte. Mantenha-se forte. Mantenha-se forte era o mantra com o qual precisou se acostumar desde a tenta idade. Ela compreendia a necessidade, claro, mas isso não implicava dizer que estava completamente acostumada com a dor.

Gostasse ou não, a força era uma qualidade muito apreciada dentre seu povo e sua mentora sempre se certificou de que ela soubesse disso desde o momento em que a acolheu para que iniciasse o treinamento, tal como acontecia com todas as garotas da Nação do Gelo quando completavam doze anos. Era um mal necessário que ajudou seu povo a prosperar nos momentos de extrema dificuldade.

— Já te dei todo o tempo extra que consegui, mas você precisa se levantar agora, Char. Caso contrário, Davikah vai me matar quando retornar da viagem. — Charlotte ouviu a familiar voz de um de seus amigos mais próximos mas não fez qualquer movimento para se afastar do conforto das grossas cobertas de pele, soltando apenas alguns resmungos sonolentos em resposta.

Ela ouviu vagamente o amigo bufar e achou que ele tinha se dado por vencido, mas a sensação só durou até sentir a coberta sendo retirada de seu corpo, deixando-o exposto ao frio congelante. Seu corpo se retesou antes que ela compreendesse o que estava acontecendo e o movimento involuntário enviou ondas de dor desconfortáveis por toda a região do abdômen e do dorso, fazendo a soltar um suspiro.

Ela abriu os olhos e fuzilou Mew, de modo que o rapaz engoliu em seco quando ela finalmente se levantou da cama. Ele e Charlotte eram quase da mesma altura, mas o olhar intimidador que apenas ela era capaz de dar, o fazia se sentir como se fosse apenas uma criança assustada.

— Conseguiu me tirar da cama e me fazer levantar: parabéns! Não precisa mais se preocupar com qualquer que seja a punição que Davikah fosse te dar e acabou de salvar a pele de seu traseiro. Agora me dê um bom motivo para não te expulsar da minha tenda aos socos. — Charlotte lhe dirigiu um sorriso falso que não chegou aos olhos.

Mew suspirou e coçou a nuca, indicando seu nervosismo ao pensar na possibilidade de ter sua amiga o atacando.

— Já está amanhecendo — respondeu simplesmente e viu a amiga relaxar.

— Me dê alguns poucos minutos e te encontro lá. — Ele assentiu e a deixou sozinha para se arrumar.

Charlotte não gostava muito de usar os longos mantos de pele tradicionais de seu povo. Os achava longos e pesados demais, o que a impedia de se movimentar como bem quisesse fosse em uma luta ou não, e se tinha algo que ela detestava, era a sensação de estar presa. Não sabia de onde o desconforto vinha, mas beirava quase ao irracional. Por isso, optava pelos trajes que a maioria dos guerreiros usava.

Ela encontrou o amigo no meio da clareira congelada e cercada por altas árvores de troncos grossos e retorcidos sem nenhuma folha, como era típico da região que permanecia sempre congelada em qualquer época do ano. Não era à toa que os guerreiros de lá eram formidáveis já que aprendiam a lutar em condições extremamente adversas.

Força. Força. Mantenha-se forte. Charlotte encarou o céu crepuscular. O sol que nascia no horizonte ainda não era o suficiente para clarear todo o trajeto que precisariam fazer, mas isso era parte da diversão, de certo modo. Mew estava ao seu lado, esperando pacientemente sua decisão, uma presença sólida e acolhedora.