Capítulo 22 - Cinzas ao vento

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Charlotte Austin
Tailândia
Território desconhecido

Charlotte demorou para perceber que não estava onde deveria estar. Afinal, por que o faria quando o gelo à sua volta trazia a mesma sensação familiar com a qual já estava acostumada desde sempre?

Se remexeu contra a neve fresca, mas a pele de suas costas foi pressionada contra uma superfície áspera e dura, quase cortante, que enviou uma sensação de desconforto forte o suficiente para fazê-la despertar mais rápido. Limpou alguns flocos de neve de seus olhos, finalmente olhando ao redor.

Charlotte engoliu em seco ao perceber que estava deitada no meio de um pátio a céu aberto, o qual era cercado por muros de pedra cinza e um material antigo e semelhante à madeira. Á sua frente, um portão alto feito com estacas e troncos grossos pendia perigosamente de suas dobradiças de ambos os lados, mas ainda mantendo-se aberto.

Uma grossa névoa a impedia de ver qualquer coisa que estivesse mais do que alguns metros à sua frente, dando-a a impressão de estar cercada por um mar de fumaça branca salpicada de alguns pontos escuros que, ela supôs, fossem pinheiros.

Conseguiu se firmar sobre ambas as pernas e só então percebeu o quão escorregadia era a superfície em que se encontrava. Olhou ao redor, observando o local abandonado até realizar um círculo ao redor de seu próprio eixo que a deixou de frente para a construção principal. O ar lhe faltou quando um grito visceral irrompeu de sua garganta, assustando alguns corvos que descansavam entre as folhas das árvores, e seus joelhos perderam as forças, fazendo-a cair curvada sobre o próprio corpo.

Lágrimas volumosas caíram, sendo seguidas por um choro copioso e assustado quando percebeu onde estava. A tintura da construção principal ainda detinha um aspecto avermelhado e sua imponência se devia à altura, sendo dividida em três níveis.

O primeiro era a base da construção, sendo o mais largo. O segundo, um pouco menor, se localizava logo acima deste, e o terceiro era o menor de todos eles, quase um cubículo, que mais parecia uma pequena torre.

Uma escada feita com tijolos de pedra perfeitamente encaixados entre si se erguia à sua frente, em um convite mudo para adentrar e explorar o local que Charlotte não tinha intenção alguma de aceitar.

Não queria e nem deveria estar ali. Não precisava que ninguém lhe dissesse isso em voz alta. Não quando sentia a feroz necessidade de sair correndo na direção oposta, mesmo que seus pés parecessem estar bem grudados no chão.

Vá embora. Saia enquanto é tempo. Mas ela não conseguia se mover, não quando uma força invisível a mantinha presa ali, congelada onde estava e sem nenhum tipo de comando sobre seu próprio corpo.

O vento uivou, bagunçando seus cabelos mas gentilmente acariciando sua pele com a lembrança de que, de certo modo, estava em casa. Porque seu lar era onde o gelo estivesse.
Encarou a construção, e sentiu-se encarada de volta, mesmo sabendo que, aparentemente, estava sozinha ali.

Sua visão tremulou uma, duas, três vezes antes que as lágrimas retornassem juntamente com a confusão. Tinha certeza de que jamais estivera ali antes, mas ainda sim, aquele antigo templo lhe era familiar de algum modo, ainda que a energia que o cercassem se parecesse com a da morte. Era impossível negar que aquele solo, antes sagrado, tinha sido maculado com sangue e ódio.

Muito, muito ódio.

Charlotte conseguiria sentir as vibrações nas pontas dos dedos como se fossem algo físico caso fizesse algum esforço. Respirou profundamente, tentando não se deixar dominar pelo medo e pelo pânico enquanto tentava se lembrar de como chegara até ali.

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