Melhor não

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— Por que me chamou aqui?

— Tenho uma proposta pra você.

— Qual seria?

— Vou fazer o Júlio se apaixonar por mim e depois deixar ele.

— — Ele riu alto. — Você? — riu — acho difícil.

— Exatamente, você não tem nada a perder ou tem medo? O vencedor leva oito mil.

— Você vai ter oito mil para me dar?

— Abri o aplicativo do banco e mostrei os cento e cinquenta mil que tinha guardado.

— Você é cheio de surpresas. De quem roubou?

— De ninguém, meu pai deixou pra mim quando morreu. Pelo visto, chamar você aqui foi perda de tempo. Parece que tem medo de perder pra mim.

— Dez mil — falou firme.

— Fechado — falei feliz por ele ter caído. — Agora assina esse contrato só por garantia.

— Não confia na minha palavra? — disse ele com sorriso debochado.

— Se eu confiasse em você, não teria feito o contrato, mas se não quer aceitar, é melhor desistirmos.

— Está bem, eu assino. — Falou receoso e entreguei a caneta a ele. — Obrigado!

— Não imaginava que ia ficar tão bravo por descobrir que a aposta entre eu e o Júlio ainda estava valendo.

— Eu já sabia de tudo, mas queria ver até onde vocês seriam capazes de ir.

— Hum, não sei se foi burro ou esperto, mas quando perder, vou querer o meu dinheiro.

— Digo o mesmo!

— Bom, agora tenho que ir.

— Tudo bem, pode ir, até qualquer hora. — Falei e ele seguiu em direção à porta. No mesmo instante, a Bruna voltou.

— Amigo, isso me lembrou até KinnPorsche. Você sabe ser manipulador, mas acha que é o melhor a ser feito?

— Eu não acho, mas agora vou até o fim. Sei que pareço o vilão, mas se eles querem um monstro, eu serei.

— Você não é assim.

— Talvez eu seja, só precisava que alguém apertasse o botão. E ele apertou. De fato, a culpa é minha, mas não totalmente. Eles acharam que iam partir meu coração e eu ia me esconder para chorar pelos cantos por ter sido usado. Já passei por isso uma vez. Vou dar a chance de ele ir embora apenas uma vez. Se ele me procurar de novo, não terá outra oportunidade de ir.

— Tudo bem, já vi que você encasquetou com isso. Melhor nem falar mais nada. Vou indo embora agora. Toma os remédios para não inflamar e tenta não fazer força nos pés, passa uma pomada cicatrizante.

— Vou ficar bem. Vou mandar mensagem pro Henrique ir no meu lugar. Te mandei o dinheiro do Uber.

— Certo, se cuida direitinho. Amanhã não vou conseguir vir te ver, mas fica quietinho.

— Te amo, amiga! Obrigado.

Depois que ela foi embora, fiquei pensando sobre tudo isso. Seria melhor deixar tudo isso para lá, seguir em frente. Só que as palavras dele ecoaram na minha cabeça e senti aquela dor outra vez. Porém, não vou deixar isso me abalar novamente. Acabei pegando no sono e acordei no sofá. Levantei para beber água e senti meu pé esquerdo queimar de dor. Por alguns segundos, tinha esquecido do que tinha ocorrido. Mandei mensagem para Bruna perguntando se ela estava bem. Depois fui tomar um banho e trocar os curativos. Passei o dia todo deitado lendo e estava ficando entediado. Resolvi pedir algo para comer no delivery. Umas sete da noite, depois de uns quarenta minutos, minha yakissoba chegou. Fui em passos lentos abrir a porta, cumprimentei o motoboy, peguei o pedido e quando estava entrando, ouço a voz dele me chamar. O motoqueiro já havia saído.

Virei calmamente, e era ele mesmo.

— O que você quer aqui? Não disse o suficiente? — falei friamente, olhando nos seus olhos.

— Me desculpe. Eu fiquei ofendido e acabei falando aquelas coisas. E você não foi trabalhar hoje, achei que poderia ter acontecido algo.

— Júlio, não cruze esse caminho. Não quero sua pena ou compaixão. Você estava certo, em outras palavras, somos um cálculo errado na equação do destino, um erro na Matrix. A gente se encontrar foi um alerta para não baixar a guarda.

— Eu sei o que eu falei. Me desculpe, cara.

— Pegue sua culpa e suas desculpas e leve embora. Aproveite a oportunidade de partir. Nunca vou ter forças suficientes para perdoar cada palavra que você me disse. Você falou as mesmas coisas que eles falaram quando tiraram... — Congelei, percebi que falei demais. — Por favor, só vai embora. — Saí o mais rápido possível. Cheguei na sala com o pé doendo e sangrando muito. Lavei a ferida e fiz o curativo de novo. Sentei no sofá e pensei: minha parte está feita, deixei ele ir. Espero que ele não retorne. Fui comer a yakissoba que tinha pedido e assistir um filme. Arrumei a casa e fui dormir. Acordei com a minha mãe entrando em casa e batendo na porta do quarto.

— Filho, posso entrar? — Falei ainda sonolento.

— Pode, mãe, está aberta!

— Bom dia! Está bem? — falou, me abraçando.

— Estou bem, mãe. A Bruna me falou que você se machucou lá na loja.

— Ah, sim, mas já estou quase pronto para ir trabalhar amanhã. Queria ir hoje, mas a Bruna falou que era melhor não.

— E ela tá certíssima! Quando você vai contar a verdade para ela?

— Não é a hora, mãe. Também já passou tanto tempo que ela me odiaria por isso.

— Melhor do que ela descobrir sozinha, pois aí ela vai ficar chateada.

— De fato. — Falei pensativo.

— Vamos trocar esse curativo? — Olhou preocupada.

— Sim, por favor. Acho que está até na hora de tomar remédio. Pega pra mim, mãe, se não me engano, está aí no guarda-roupa, na primeira gaveta. — Esperei ela voltar com o remédio e tomei.

— Filho, fica deitado. Eu já trago o seu café.

— Não, quero ir no banheiro — falei, já sentindo a bexiga queimar.

— Eu te ajudo, vem — disse, deixando-me apoiar no seu ombro e me levando até o banheiro.

— Obrigado, mãe! Te amo — dei um beijo na bochecha e entrei no banheiro.

— Filho, não fica enfurnado naquele café. Vai conhecer o mundo, você tem tanta coisa pra viver.

Escutei atento de dentro do banheiro enquanto me encarava no espelho.

— Eu não consigo me ver assim agora, talvez em breve, porém não agora.

— Seu pai te deixou preso a esse lugar, mas você reergueu tudo. Não tem por que se prender aqui mais...

— Eu sei, mãe, mas não é que me sinto preso. Só não é a hora. Eu amava meu pai e sou grato por ele ter deixado tudo pra mim. Ele sabia que eu tinha potencial para corrigir os erros dele.

— Sinto tanta falta dele, filho. Todos os dias — falou com uma voz carregada de dor.

— Eu sei, mãe, talvez não se trate de mim e sim de você aproveitar mais a sua vida. Você tinha tantos sonhos, abandonou tudo quando apareci na sua vida.

— Não me arrependo de nada do que fiz.

— Calma, mãe! Eu sei, porém vá se reencontrar, Dona Marta.

— Vou pensar nisso, meu filho... Vamos arrumar essa casa que tá uma zona, quer dizer, eu vou arrumar e você vai deitar agora. 

Pausa para o caféOnde histórias criam vida. Descubra agora