Perdendo de vista

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Fiquei pensativo com o que minha mãe falou. Ela não está errada, fiquei muito tempo acomodado com tudo e deixei meus sonhos de lado. Estava me sentindo cansado, o que me deixou irritado, pois dormi o final de semana inteiro. Preciso me recompor, afinal, preciso seguir a minha vida. Deixei-me levar emocionalmente muito fácil.

Faz uma semana que não vejo o Júlio. Acho que ele seguiu o meu conselho, e isso é bom para ele. Gustavo também não me procurou mais. A tarde no trabalho foi bem tranquila, estava nublado e até choveu um pouco. Tudo estava voltando ao seu normal. Estou pensando em cancelar o contrato com o Gustavo; fico até feliz por ele não ter lido o contrato. Está sendo bem cansativo na loja, mas meu pé já está bem melhor. Fazia tempo que eu não me sentia tranquilo assim. Tenho pensado sobre a conversa com a minha mãe e acho que vou fazer uma viagem internacional pela primeira vez. Talvez eu vá para Roma. Preciso de novos ares e experiências novas. Amo conhecer novas culturas.

O dia passou tão rápido e fiquei tanto tempo ocupado que só dei conta de que era tarde quando comecei a arrumar a loja para fechar. Já estava tão automático.

Estava inspirado para cozinhar, então pensei em fazer um caldo verde, algo prático e bom para essa noite fria. Eram dez da noite e já estava quase tudo pronto. Deixei o caldo no fogo e escutei alguém batendo na porta. Depois, novamente, ouvi uma voz. Aquela voz me fez estremecer. Procurei me acalmar e me concentrar no meu próximo passo, que era ir abrir a porta. Abri a porta e ele sorriu desajeitado. Olhei para ele e estava visivelmente bêbado. Respirei fundo e falei:

— O que você quer aqui? — Só quero, só quero conversar. — Só que eu não quero conversar — falei. — Então podemos fazer isso — me beijou de surpresa e o afastei em seguida. — Você está bêbado, por isso não irei lhe bater. Você tá com bafo de vômito, isso é nojento. Pensei em largar ele ali, mas minha consciência pesou. — Vem, se apoia em mim.

Levei ele até o banheiro, tirei as coisas dos bolsos dele e o joguei no chuveiro. "Ele voltou" eram as palavras que ecoavam na minha mente.

— Eu só vim dizer que você é um metido arrogante. Eu não sinto culpa pelas coisas que eu disse. Eu, eu só senti pena de você.

Continuei ajudando ele com o banho, mas ele me empurrou.

— Tá se aproveitando de mim, né? Sei que quer meu corpo — pegou minha mão e esfregou em suas partes íntimas.

Não consegui me segurar quando ele disse isso e dei um tapa na cara dele. Saí do banheiro, peguei roupa e toalha e disse:

— Se vire sozinho, fique sóbrio e depois vá embora.

Aquilo acabou me deixando furioso. Voltei a minha atenção para o que estava cozinhando. Depois de uns dez minutos, ele saiu do banheiro com a roupa um pouco molhada, provável que esqueceu de se enxugar. Revirei os olhos por um instante, irritado. Desliguei o fogo e servi uma tigela de caldo verde para ele e uma pra mim.

— Pegue, vai ser bom para ficar sóbrio e também para ressaca.

Ele pegou, mas não falou nada desde que saiu do banho. Estava pensativo, pelo visto. Sentou-se no sofá e começou a tomar o caldo. Sentei na mesa e o observei de lado. Resolvi colocar um filme para assistir, escolhi "Um Amor para Recordar", meu filme favorito, mas que todos acham chato e entediante. Coloquei justamente para ele querer ir embora o mais rápido possível.

Quando o filme já estava no meio, vi ele se tremendo de frio. Fui no quarto, peguei uma coberta e entreguei a ele.

— Obrigado — foi o que ele disse. Voltei minha atenção ao filme. Comecei a chorar com a cena do casamento, pois sabia que estava perto da morte da personagem principal. Olhei para o lado e ele estava chorando também. Isso me irritou, mas fiquei feliz ao mesmo tempo. Acho que estou preso na minha própria teia. Me perdi em pensamentos e, quando me dei conta, ele estava deitado no meu colo dormindo. Sai cuidadosamente, levei um travesseiro e coloquei debaixo de sua cabeça e o enrolei. Desliguei a TV e fui para o quarto. Passei a noite pensando se me vingava dele ou não e acabei dormindo.

Estava chovendo muito e meu pai estava indo devagar. Estava com ele no carro. Paramos num sinal e ouço um raio e depois acordo no hospital, estou ensanguentado, assustado e ofegante. Chamo pelo meu pai, mas ele não vem. Depois, sinto meu corpo ser chacoalhado. Acordo com Júlio me balançando, empurro ele assustado.

— Calma, você estava tendo um pesadelo. Estava gritando e chorando, chamando seu pai. Eu ouvi e te acordei.

Levantei, fui até o banheiro e liguei o chuveiro no frio. Levei uns cinco minutos no banho, escovei os dentes e, quando fui sair, esqueci da droga da toalha. Precisei pedir:

— Júlio! — Toalha, né? Fica onde? — Na porta do meio do guarda-roupa, na terceira gaveta. Na mesma porta, na parte de cima, tem umas cuecas na primeira gaveta e na primeira porta ficam camisas e shorts. Pega também, por favor.

Demorou uns minutos. Ele bateu na porta. Abri dando espaço apenas para o meu braço passar e pegar as coisas em sua mão. Depois de alguns minutos, saí. Ele estava sentado na mesa. Nem percebi que ele tinha feito café.

- Está se sentindo melhor ?

- Você já esta sóbrio, melhor ir pra casa.

- Briguei com meus pais ontem, estou de saco cheio disso. - Tento não me envolver, mas acabo ficando curioso

- Por que vocês brigaram? - Falei tentando ser complacente

- Eles vão se divorciar, sem ao menos tentar, estão agindo de forma precipitada. -Como você está se sentindo? - Perguntei , mas logo me arrependendo, pois acabei demonstrando preocupação .

- Eles estão juntos a vinte e oito anos , não é

justo esse amor acabar agora, ter casas divididas e depois estranhos entrando na família, eu surtei , pois eu passei vinte dois anos vendo eles felizes e agora um divórcio. - Júlio , tudo tem um motivo, eles tiveram o deles, cada um sabe a sua necessidade, eu te entendo, mas esse sentimento é egoísta, se forem para ficar juntos , depois vão reatar, mas se não for já sabemos a resposta.

-Nesse momento eu não consigo pensar assim, sabe. Eu quero poder chegar em casa e ver os dois juntos.

- Você só vai tornar o divórcio deles, mas doloroso , escuta vai ser difícil no início, mas melhora com o tempo, ainda vai doer, mas você vai sobreviver. - Ele me abraçou

-Não pense que isso muda o que acontece com a gente ! - Falei o afastando

- Vamos ser amigos, gosto de esta e conversar com você.

- Não pretendo ser seu amigo, você vir aqui em casa, da próxima vez eu chamarei a polícia. - Até parece que você não gostou de passar a mão em mim no banho ontem. - Olhei incrédulo

e dei outro tapa na cara dele.

- Eu nunca na vida me aproveitaria de alguém bêbado ou inconsciente, não sou esse tipo de pessoa, você não merece saber , mas já é a segunda vez que fala isso, eu fui molestado na infância por uns amigos do meu pai, me drogaram e me estupraram, eu, eu- Respirei e deixei as lágrimas caírem- Meu pai foi na casa deles fazer uma visita no final de semana, mas precisou sair até o trabalho e me deixou lá por umas duas horas, fiquei na piscina olhando eles beberem , depois resolvi ir ao banheiro, péssima ideia , eles me seguiram me levaram até o quarto, eu gritei, gritei, mas ninguém me ouvia. Meu pai chegou no final e ficou chocado com a cena, na época ela ainda carregava uma arma com ele , do tempo que serviu na polícia, atirou neles , um tá vivo até hoje , mas o outro morreu, meu pai me colocou no carro e ia me levar para o hospital, começou a chover forte e os relâmpagos estavam estridente, eu chorava, meu pai parou o carro no sinal, olhou para mim e falava, me perdoa, me perdoa meu filho, vai ficar tudo bem. Só que o raio acertou uma árvore fazendo ela cai em cima do nosso carro, meu pai morreu no hospital. Então dá próxima vez antes de se achar a última bolacha do pacote , não julgue. Eu falei para você seguir sua vida e você vem bater na minha porta e ainda me fala essas barbaridades, não pense que vou te perdoa tão fácil a partir de agora.

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