Único

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Eu estava em uma praia linda, o som das ondas quebrava suavemente. Mais à frente, notei uma figura sentada num banco de areia. Caminhei na direção dela e, ao me aproximar, senti minhas pernas tremerem. Mesmo assim, forcei-me a ir mais rápido. Ele se levantou e veio ao meu encontro.— Pai? É você? — minha voz saiu trêmula.— Sim, HaHa — ele sorriu, me puxando para um abraço. Seus dedos passaram pelos meus cabelos, como fazia quando eu era criança.— Eu... eu morri? — perguntei, sentindo as lágrimas se formarem.— Isso depende de você — respondeu, com uma serenidade que me acalmava. — Sei que você tem sofrido muito. Se quiser descansar, pode ficar aqui comigo. Mas também pode voltar.— Então eu ainda posso voltar? — perguntei, confuso.Ele estalou os dedos e, de repente, estávamos em uma sala de hospital. Lá estava meu corpo, deitado numa cama, mais magro e frágil do que eu me lembrava. Júlio estava sentado ao meu lado, o rosto cansado e o cabelo bagunçado, como se não dormisse há dias. Minha mãe entrou no quarto logo depois.— Júlio, querido, vá para casa. Faz semanas que você não sai daqui. Se ele acordar, eu te ligo — minha mãe falou, sua voz cheia de preocupação.— Não, dona Marta. Eu não posso. Já o deixei sozinho uma vez, quando ele mais precisou. Não vou fazer isso de novo, a menos que ele me mande embora. Vou só pegar algo para comer e volto — Júlio respondeu, a dor evidente em seu olhar.Olhei para meu corpo inerte, pálido e fragilizado.— Eles estão sofrendo por você, e com você — meu pai disse, suavemente. — Esse amor é o que ainda te mantém aqui.— Mas será que faz sentido continuar vivendo? — perguntei, a voz embargada pelo peso de tudo o que havia passado.— Sei que não tem sido fácil. Você pode voltar e esquecer tudo, se preferir.— Não. Eu quero lembrar. Nossas memórias, por mais dolorosas que sejam, nos fazem mais fortes. Eu quero viver com tudo isso.Meu pai sorriu, compreensivo.— Até logo, meu filho.Ele estalou os dedos novamente, e o mundo ao meu redor se desfez em escuridão. Senti um choque atravessar meu corpo, como se estivesse caindo de uma altura imensa.De repente, meus olhos se abriram. Estava de volta à cama do hospital, ofegante. Senti o tubo de entubação na garganta, e os médicos o removeram rapidamente. Eu tossia enquanto tentavam me acalmar. Quando olhei para a porta, vi Júlio, seus olhos marejados de alívio. Isso me trouxe uma paz momentânea, e eu me permiti deitar novamente.— Hanaé, você consegue me ouvir? Sou o doutor Rodrigues, o responsável pelo seu caso — disse o médico, sua voz calma.Eu acenei, incapaz de falar. Ele usou uma lanterna para examinar meus olhos e testou meus reflexos.— Hanaé, você consegue falar? — insistiu o médico, mas eu me mantive em silêncio, as lembranças daquela noite me sufocando.— Tudo bem, vamos fazer alguns exames. Você esteve em coma por três meses.Minhas lágrimas caíam enquanto ele falava. Minha mãe entrou no quarto, chorando. Ela tentou me abraçar, mas eu a empurrei, desesperado. Júlio rapidamente a segurou.— Ele não me reconhece? — perguntou minha mãe, com a voz embargada.— Dona Marta, entendo sua preocupação. Hanaé passou por um trauma imenso. Precisamos respeitar o tempo dele — disse o médico, tentando acalmá-la.---** Marta ON* *O médico me explicou que Hanaé estava fisicamente bem, mas o trauma era profundo. Ele me lembrou dos abusos que meu filho havia sofrido na infância, e agora, mais uma vez, pelo mesmo homem. Cada detalhe me feria mais. Entendi que seria um processo longo e difícil.— Vamos cuidar dele, dona Marta. Com paciência, Hanaé vai encontrar o caminho para a cura — o médico garantiu, enquanto eu tentava manter a esperança viva.---**De volta à Hanaé**As semanas se arrastavam, e eu tentava recuperar minhas forças, tanto físicas quanto emocionais. Júlio me visitava frequentemente, sempre mantendo certa distância. Numa tarde, ele tentou se aproximar, mas eu o afastei, assustado. Me sentia um animal ferido, incapaz de lidar com o toque de outro ser humano.Certa noite, ao olhar pela janela, vi a lua brilhando intensamente. Júlio entrou no quarto, mais uma vez. Ele andou em silêncio até a minha cama.— Desculpa, Hanaé, se eu te assustei. Sua mãe não pôde vir hoje, então vim no lugar dela. Posso ficar um pouco com você? — ele perguntou, a voz suave.Eu assenti.Ele se aproximou lentamente, sentou-se ao meu lado, e seus olhos se encheram de lágrimas ao me ver. Eu sabia o quanto havia mudado. Estava muito mais magro, minha pele parecia mais pálida. Meus olhos encontraram os dele, e senti uma conexão profunda. As lágrimas que eu tanto segurava finalmente caíram.Tentei secar as lágrimas no rosto de Júlio, mas hesitei, me afastando.— Pode me tocar, se quiser — ele disse, com um sorriso triste. Respirei fundo e, com delicadeza, toquei seu rosto. Sua reação me surpreendeu, ele sorriu de novo, dessa vez com mais vida.— Hanaé, eu te amo. Nunca vou te machucar. Respeito seu espaço, mas por favor, lute contra esses medos. Eu preciso de você, aqui, comigo.— Eu também te amo — respondi, sem pensar, e Júlio paralisou. Um sorriso largo tomou conta de seu rosto.— Tente segurar minha mão — ele pediu, estendendo-a para mim. — Se você sentir o gatilho, aperte-a com toda sua força. Eu vou segurar você, não importa o que aconteça.Hesitei por um momento, mas então, lentamente, segurei sua mão. O toque dele era reconfortante, mas, ao mesmo tempo, o medo voltou com força. Comecei a bater nele, sem controle sobre o que estava sentindo.— Lute contra isso, Hanaé. Sou eu, Júlio. Não vou a lugar nenhum. Pode me bater, eu estou aqui.Bati e arranhei, tentando afastar aquele medo. Quando finalmente desmaiei de cansaço, Júlio ainda estava ao meu lado.Na manhã seguinte, acordei em seus braços. Pela primeira vez, não senti o gatilho ao estar perto dele. Olhei para suas costas e vi os arranhões que eu havia causado. As lágrimas voltaram, e ele despertou ao me sentir chorando.— Ei, está tudo bem. Isso aqui não é nada. Só me importa que você está comigo. Eu sabia que você conseguiria vencer isso — ele disse, com um sorriso calmo.— Me desculpa! — sussurrei, apontando para seus machucados.— Você quer fazer o curativo? — ele perguntou, e eu acenei positivamente.

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⏰ Última atualização: Sep 26 ⏰

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