Por Detrás das Claras
Ana Eulália Borges Faria
— Onde você está? — A voz grave do outro lado da linha me fez sentir um misto de nervosismo e excitação.
— Estou saindo da ONG em Santa Teresa, aqui na Glória. — Respondi, tentando manter a naturalidade.
Houve uma pausa, e eu pude imaginar César avaliando mentalmente a distância.
— Espera aí, não vai pegar táxi. Vou até você. Quero te ver. — Ele disse com aquela certeza tranquila que parecia sempre saber o que fazer.
Por um segundo, hesitei. Estava traindo tudo o que havia falado na ONG, cada palavra sobre força, independência e autocontrole. Mas ao mesmo tempo, a ideia de vê-lo novamente me fazia sorrir, apesar de tudo. Era quase impossível resistir ao que eu sentia, por mais que a razão gritasse para me afastar.
— Tá bom, vou esperar. — Concordei, a voz soando mais suave do que eu gostaria.
Desliguei o telefone e respirei fundo, tentando processar o que estava acontecendo. Eu, Ana Eulália, que havia pregado sobre direitos das mulheres e limites pessoais, estava ali, me entregando novamente nos braços de quem, no fundo, representava tudo o que eu deveria estar combatendo. Mas, ironicamente, eu estava fazendo isso com um sorriso no rosto.
O tempo passou devagar, cada minuto uma eternidade, até que finalmente avistei o carro de César dobrando a esquina. Ele parou o carro ao meu lado, saindo para abrir a porta para mim. Havia algo de tão natural, tão certo na maneira como ele fazia isso, que quase me fez esquecer todas as complicações.
— Pronta para ir? — Ele perguntou com um meio sorriso, como se nada no mundo pudesse incomodá-lo naquele momento.
— Pronta. — Respondi, tentando disfarçar a ansiedade enquanto entrava no carro.
Ele deu a volta e entrou no banco do motorista, ligando o carro e acelerando devagar pelas ruas de Santa Teresa. A noite começava a se estender, e as luzes dos postes refletiam suavemente nas janelas do carro.
— E como foi o evento da ONG? — César perguntou, quebrando o silêncio. O interesse em sua voz era genuíno, como se quisesse realmente saber tudo.
Eu sorri, a tensão diminuindo um pouco.
— Foi ótimo. Tivemos uma boa participação e as palestras foram muito bem recebidas. Falei sobre os projetos nas comunidades, a importância de levarmos saúde e educação para quem mais precisa. É um trabalho que realmente me faz sentir que estou fazendo algo significativo.
Ele ouviu em silêncio, mas o sorriso no rosto mostrava que estava gostando de me ouvir. Era diferente vê-lo assim, sem a armadura de policial, sem a dureza que o cargo impunha. Apenas ele, César, me ouvindo com atenção.
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Por Detrás Das Claras | Chay Suede e Alanis Guillen
ChickLitDra. Ana Eulália é uma médica dedicada e autônoma, que trabalha na linha de frente de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em uma região periférica do Rio de Janeiro. Sua vida é dedicada a salvar vidas e lutar contra as injustiças sociais, o que...