Por Detrás das Claras
Ana Eulália Borges Faria
Uns meses atrás, tudo parecia tão diferente. A verdade tinha sido dita, mas como de costume, a verdade nunca é fácil de engolir. Especialmente para alguém como ele. As palavras que saíram da minha boca naquele dia não foram planejadas, mas foram sinceras. Eu tinha que dizer, mesmo sabendo que ele não aceitaria. Lembro-me de estar parada na portaria, observando a traseira da Frontier dele desaparecendo na rua. Ele não olhou para trás, e eu? Eu fiquei lá, me perguntando se as coisas poderiam ter sido diferentes.
Hoje, sentada nessa audiência, eu sentia o peso de cada palavra não dita, de cada olhar evitado. Ele estava ali, à frente, com os ombros tensos, olhando em minha direção, mas nunca diretamente nos meus olhos. Aqueles olhos que um dia foram tão intensos, agora pareciam perdidos, à procura de algo que eu não conseguia mais oferecer. Quando nossos olhares finalmente se cruzaram, houve um instante em que pensei que tudo poderia voltar ao que era antes, mas foi só isso, um instante. O ressentimento rapidamente tomou o lugar da nostalgia.
O advogado ao meu lado falava sem parar, mas as palavras pareciam distantes, abafadas. Eu sabia que ele estava tentando me proteger, mas, de alguma forma, senti que estava perdendo algo muito maior. Minha mente vagava para os momentos que passamos juntos, e como tudo desmoronou tão rápido. Eu estava cansada, esgotada emocionalmente, mas a vida não espera que você descanse. Ela continua, impiedosa.
Quando o juiz anunciou sua decisão, não senti alívio, nem satisfação. Ele não seria exonerado, apenas receberia uma multa. E daí? O que realmente importava naquele momento era o vazio que sentia no peito, a sensação de que algo precioso tinha sido quebrado, algo que talvez nunca pudesse ser reparado.
Saindo da audiência, os repórteres se amontoavam ao nosso redor, as câmeras capturando cada movimento, cada expressão. Meu advogado me empurrava gentilmente para longe deles, mas eu não conseguia desviar os olhos de César. Ele também estava cercado por jornalistas, mas sua atenção estava em mim. Naquele momento, todas as palavras que trocamos antes pareciam insignificantes. Tudo o que eu queria era paz, mas paz nunca pareceu tão inalcançável.
Quando finalmente nos distanciamos, senti uma estranha sensação de perda. Não era sobre a audiência, nem sobre o que disseram. Era sobre ele. Sobre nós. E sobre como tudo terminou de uma forma tão errada.
Enquanto os repórteres continuavam a fazer suas perguntas, só uma frase se repetia em minha mente: "Eu te amo, me desculpe." Mas como pedir desculpas por algo que não tem conserto? Como amar alguém que me fez tanto mal, mas que, de alguma forma, ainda ocupa tanto espaço no meu coração? E o que era amor? O conheci a tão pouco tempo, aquilo poderia mesmo estar acontecendo?
Eu me perguntava se algum dia a vida voltaria ao normal, se algum dia eu deixaria de sentir esse peso. Mas naquele momento, só restava a certeza de que, independentemente do que acontecesse, o que eu sentia por ele não era algo que pudesse simplesmente desaparecer. Mesmo que eu desejasse com todas as minhas forças.
E com isso, eu caminhei para fora do tribunal, tentando manter a cabeça erguida, mas sabendo que por dentro, eu estava quebrada. E ele, mesmo de longe, sempre teria uma parte de mim que eu nunca conseguiria recuperar.
As manchetes rolaram nas semanas e meses que se seguiram, mas isso não me trazia felicidade. Na verdade, nunca trouxe. Aos poucos, a vontade de pintar foi se esvaindo, como se as cores já não tivessem o mesmo brilho de antes. Estar sem trabalho era a pior parte. Sobrava muito tempo para pensar, e pensar demais nunca foi meu forte.
Naquela noite, eu estava na praia, o céu já escuro, as ondas quebrando suavemente na areia. O som do mar, geralmente calmante, não conseguia abafar os pensamentos que insistiam em ressurgir. Sobretudo, o dia em que... Aquele dia. Eu ri sozinha, com ironia. Que puta homem bom de cama. Não havia como esquecer. Talvez um dos melhores, ou pior, dia da minha vida. Era um paradoxo que não conseguia resolver. Os braços grandes dele, sempre quase estourando nas blusas, a maneira como ele me segurava como se o mundo pudesse acabar e ele ainda estaria lá, me protegendo. Droga. Eu queria vê-lo. Precisava vê-lo.
Mas como?
Num impulso, desbloqueei o celular. Meus dedos deslizavam pela tela, passando pelas mensagens antigas, os SMS que ele tinha mandado, que eu ainda não havia apagado. Seria muita loucura enviar uma mensagem agora? Balancei a cabeça em negação, tentando me livrar daquele pensamento. Eu estava sob medida protetiva, aquilo seria totalmente imbecil. Uma traição a tudo que eu vinha fazendo para me manter longe dele, para me proteger. Mas será que tudo isso importava, de verdade? E ele? Será que ele era tão importante assim, a ponto de me fazer considerar uma maluquice dessas?
Minhas mãos tremiam enquanto eu relia as mensagens. O coração parecia pulsar nas pontas dos dedos, pressionando teclas invisíveis, mas ainda sem coragem de ir até o fim. Respirei fundo, fechando os olhos por um instante. Quando os abri novamente, as palavras já estavam digitadas, sem que eu me desse conta de quando as escrevi:
"É tarde demais para dizer que preciso te ver?"
Meu dedo hesitou sobre o botão de enviar. Cada parte de mim gritava para não fazer aquilo, para apagar a mensagem antes que fosse tarde. Mas a outra parte, aquela que ainda sentia o calor daqueles braços ao redor do meu corpo, já havia decidido.
Enviei.
Soltei o celular na areia e me joguei de costas, olhando para o céu. O arrependimento veio rápido, em ondas, me sufocando. O que eu tinha feito? Não tinha volta agora. Fechei os olhos, sentindo a brisa salgada bater no rosto, tentando acalmar a mente. Eu fiquei ali por algumas horas, ou o que pareceu ser horas, sem conseguir pensar em mais nada além do que fiz. O céu estrelado parecia mais distante do que nunca, e meu coração batia forte, como se esperasse a qualquer momento explodir.
Então, o celular vibrou.
Eu me sentei num sobressalto, o coração pulando na garganta. Era uma ligação. Não olhei o nome na tela, só atendi, quase sem respirar, esperando que fosse ele.
— Alô? — Minha voz saiu baixa, hesitante.
Do outro lado, uma voz grave, inconfundível.
— Levanta e olha.
A respiração dele estava pesada, como se ele também estivesse tentando controlar alguma emoção. Meu coração deu um salto. Eu me levantei, o olhar percorrendo a praia até encontrar uma figura ao longe, quase uma sombra contra o céu noturno, mas eu sabia que era ele.
— 300 quilômetros de distância, pra não prejudicar você. — ele disse, e eu quase podia ver o esboço de um sorriso nos lábios dele.
Aquelas palavras fizeram meu coração saltar pela boca, uma mistura de alegria e desespero. Ele estava tão perto, mas ainda assim, tão longe. Eu o observei por um momento, uma sensação estranha de paz e caos me dominando ao mesmo tempo. Eu não sabia o que fazer, mas sabia que naquele momento, tudo o que importava era que ele estava ali, de alguma forma, ainda presente na minha vida. Mesmo com toda a confusão, com todas as barreiras, eu sabia que essa história ainda não tinha acabado.
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Por Detrás Das Claras | Chay Suede e Alanis Guillen
ChickLitDra. Ana Eulália é uma médica dedicada e autônoma, que trabalha na linha de frente de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em uma região periférica do Rio de Janeiro. Sua vida é dedicada a salvar vidas e lutar contra as injustiças sociais, o que...