Por Detrás das ClarasAna Eulália Borges Faria
— Fez muito certo em denunciar. — começou Leila, entregando-me uma pasta. — A ficha dele está toda aí. Fiquei apavorada, não sei como esse cara ainda não foi exonerado. Mas eu te avisei que isso iria acontecer. — Ela falava e falava, mas minha mente já não conseguia absorver mais nada. — E te prepara, te prepara porque os jornalistas vão vir com tudo atrás de você querendo saber sobre isso, é a tua chance de ferrar ele.
— Tá bom, Leila! Tá bom! Eu não aguento mais ouvir sobre isso, já chega! — exclamei, largando o pincel e as tintas, colocando as mãos sobre a cabeça. Eu havia passado a noite em claro pintando, na esperança de me acalmar. — Eu não vou ferrar ninguém, eu só quero a minha paz, apenas isso.
Despejei um pouco de whiskey num copo com gelo, sentindo o frio do vidro contra meus dedos trêmulos.
— Quer dizer que então ele vem aqui, faz esse estardalhaço todo, te chama de cachorra, quase mata uns e outros e você vai deixar por isso mesmo? — Leila questionou, seu tom carregado de indignação.
— Leila, eu só quero que isso acabe. — suspirei, dando um gole no whiskey. — Não estou interessada em vingança ou em transformar isso num espetáculo midiático. Quero seguir com minha vida. E outra coisa, ele tem uma criança pequena pra criar.
— E não pensou nela quando armou esse circo todo.
Leila me olhou com uma mistura de compreensão e frustração.
— Eu entendo, Eulália, mas você precisa se proteger. Esse cara não vai parar. — Ela sentou ao meu lado, pegando minha mão. — Você merece mais do que isso. Merece paz, respeito, amor.
Fiquei em silêncio, olhando para o copo. As últimas semanas tinham sido um turbilhão de emoções e confusões. Me envolvi com um homem que era um completo oposto de tudo o que eu acreditava, e agora estava pagando o preço.
— Só queria que as coisas fossem diferentes. Custava ter aceitado calado meu afastamento? — admiti, com a voz baixa.
— Eu sei. — Leila respondeu suavemente. — Mas você precisa ser forte. Vai passar por isso, vai superar. E eu estou aqui para te apoiar, sempre.
Agradeci com um sorriso fraco, apertando sua mão em retorno. Mas, por dentro, ainda estava em conflito. Como pude me envolver tanto com alguém que representava tudo o que eu desprezava? E ainda por cima gostar de tudo aquilo? Que decadência.
— Vou fazer um chá. Quer? — Leila perguntou, levantando-se.
— Sim, por favor. — respondi, tentando me concentrar em algo simples, como um chá quente.
Enquanto Leila se ocupava na cozinha, olhei para a pintura inacabada. Era um reflexo do meu estado interno: confuso, caótico, mas com um potencial de beleza que eu ainda não conseguia enxergar claramente.
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Por Detrás Das Claras | Chay Suede e Alanis Guillen
ChickLitDra. Ana Eulália é uma médica dedicada e autônoma, que trabalha na linha de frente de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em uma região periférica do Rio de Janeiro. Sua vida é dedicada a salvar vidas e lutar contra as injustiças sociais, o que...