Capítulo Seis

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06

O dia estava cinzento, e as nuvens pesadas pareciam sufocar Maré Azul. Eu e Cristian decidimos passar a tarde na biblioteca, como prometido. Depois de ler vários quadrinhos, um livro antigo na estante nos chamou a atenção. Ele estava na prateleira mais alta da biblioteca.

Cristian estava esticado na estante, tentando alcançar o livro no topo. Seus pulos falhos me faziam rir, enquanto ele se esforçava para pegá-lo.

—Deixe pra lá, você vai acabar se machucando - repreendi, segurando o riso.

Minha voz foi ignorada e, de repente, o livro desapareceu da estante. Cristian, com uma expressão confusa, comentou:

—Onde foi parar esse livro? - procurava entre as prateleiras.

Ouvimos passos se aproximando. Levantei os olhos e meu coração deu um salto ao ver quem estava ali, encostado na estante à nossa frente, com o livro na mão e um uniforme de bibliotecário. O garoto misterioso nos observava com um sorriso de canto.

—Parece que a curiosidade matou o gato - sua voz baixa cortou o silêncio da biblioteca, enviando um arrepio pela minha espinha.

Eu e Cristian trocamos olhares, surpresos por encontrá-lo ali, naquele momento.

—Você tem um jeito de saber mais do que parece. - o encarei com um olhar fulminante.

Ele revirou os olhos, com uma expressão entediada.

—Quanta especulação para alguém que nem sabe o meu nome - bufou.

Me aproximei, observando seu crachá no uniforme, e levantei os olhos antes de falar.

— Vicent, certo?

Um sorriso de canto se formou em seus lábios enquanto entregava o livro para Cristian.

—Certo. E a dupla investigadora são, Cristian e... Elizabeth - ele soltou um riso. — Bom, agora tenho que voltar ao trabalho, não tenho tempo para brincar de scooby doo.

Vicent se aproximou de uma mesa onde organizava diversos livros nas prateleiras.

—Por que eu tenho a impressão de que ele está em todo lugar? - Cristian comentou, ainda segurando o livro.

Folheamos o livro em busca de respostas, em uma das páginas uma folha solta se soltou. Com minhas mãos trêmulas pude sentir a página úmida, Não se tratava de uma folha qualquer e sim de uma página de um jornal, onde anunciava o desaparecimento de um jovem. As letras estavam desgastadas com o tempo, e era impossível ler o nome da criança.

Peguei aquele jornal antigo em minhas mãos enquanto nos aproximávamos de uma das mesas vagas, algo estava errado, a folha estava úmida, como se tivesse sida colocado ali de propósito e molhada intencionalmente. Mas algo chamava a atenção, entre as letras apagadas e a imagem borrada era possível ler apenas um detalhe. "O garoto desaparecido na noite de 83" 

—Por quê diachos todo mundo sumiu nesse ano- Cristian percebia minha frustação, passando a mão por cima de meus ombros me puxando para mais perto. Uma sensação ruim tomou conta de mim, algo como se eu estivesse sendo observada com um olhar nada bom.

Saímos da biblioteca e o clima fora estava ainda mais sombrio. A chuva começava a cair com força, batendo contra as janelas e criando um som constante. As gotas rapidamente se transformaram em um verdadeiro dilúvio.

—Parece que a tempestade chegou - eu disse, observando a chuva pesada.

Cristian, com um sorriso travesso, me puxou para fora da biblioteca.

—Se está na chuva, é para se molhar! - Ele gritou, me puxando para o meio da calçada.

Rimos e corremos sob a chuva, deixando a água fria e as gotas pesadas nos molharem completamente. Correndo e brincando, a tempestade parecia trazer uma sensação de liberdade, e por um momento, todas as preocupações e mistérios foram deixados de lado. Apenas a diversão do momento importava.

Corremos para casa, porém não deixamos de reparar as luzes do farol que se acendia com a noite próxima, a luz era a única coisa que conseguíamos ver, em meio da tempestade e trovão que iluminava o céu.

O sol se ponha através da montanha enquanto nos sentávamos na calçada em uma esquina próxima, deitei minha cabeça nos ombros de Cristian, assim observavamos o sol que ia embora, pude ouvir o coração de Cristian bater e um sorriso se formar em seu rosto. Minhas bochechas queimaram enquanto uma sensação estranha se formava em mim.

—Liz..-Cristian me chamou, olhando em meus olhos, roçando seus dedos em minha bocheha corada.

—Sim?- O olhei com duvida

ele parecia estar raciocinando sobre algo, e ficou lá por algum tempo

—Não é nada, deixa pra lá- ele deu um sorriso largo, aproximando seus lábios e os encostando em minha bochecha 

Assim o céu se pôs e uma sensação surgiu, aquilo era novo, mas eu sabia que poderia ser algo muito a mais.

Cristian se despediu, e em seguida entrei em casa. William estava na sala, me encarando com aquele olhar de dúvida que eu conhecia muito bem. Apenas ignorei, indo em direção à escada para o meu quarto.

—Onde você estava? - Sua voz soou ríspida por entre o corredor estreito da escada.

—Não é da sua conta, William. - Continuei subindo os degraus sem olhar para trás.

William bufava no pé da escada enquanto me seguia com o olhar. Eu sabia que ele estava chateado, mas isso não me impediria, Não dessa vez.

Bati a porta do quarto com força, secando meu cabelo molhado com uma toalha. Foi quando notei uma gaveta entreaberta. Me aproximei, observando o que havia ali.

—Eu tinha me esquecido disso. - murmurei, agachando-me para pegar o jornal que havia encontrado.

Sentei-me na beira da cama, folheando as páginas amareladas. As palavras pareciam pesar mais dessa vez, ecoando dentro de mim. Foi quando ouvi as batidas na porta.

—Elizabeth, abre essa porta, agora! - William continuava a bater com insistência.

Escondi o jornal rapidamente, sentindo meu coração acelerar.- Eu já disse que isso não é da sua conta, agora me deixe em paz! - gritei, esperando que ele desistisse.

—Você acha que pode sair por aí e voltar quando quiser? Isso aqui não é um hotel! - Sua voz frustrada cortava o silêncio do quarto.

Hesitei por um momento, mas logo abri a porta. William entrou no quarto claramente irritado.

—Onde você estava?

Dei de ombros. —Na cidade.

—Acha mesmo que voltar a essa hora é aceitável? - Ele cruzou os braços, esperando uma resposta minimamente convincente.

—Desculpa se não te passei um relatório da minha noite. Quer que eu faça isso da próxima vez?-soltei um sorriso sarcástico, encarando-o com uma expressão que ele nunca tinha visto antes.

Ele estreitou os olhos, confuso, como se tentasse entender o que estava acontecendo.

—Eu realmente não sei o que está acontecendo com você, Elizabeth. Você não é a mesma.-Sua voz mudou; ele não estava mais com raiva. Havia algo diferente... preocupação?

—Talvez eu esteja virando uma bruxa. Quem sabe. - soltei, com minha voz um pouco falha, Ele ignorou o comentário, dando um passo à frente.

—Você está se afastando de tudo que importa, Liz.

Pisquei rapidamente, tentando conter as lágrimas que começaram a se formar, mas foi em vão. A primeira deslizou pelo meu rosto, seguida de outra, até que desisti de lutar contra a dor que apertava meu peito.- Ou talvez eu só esteja cansada das mentiras. -Completei, com a voz falha e enxugando as lágrimas com pressa.

William me observava, seu rosto antes tomado pela raiva agora carregava algo que eu não esperava: compreensão. Então, ele se aproximou, me envolvendo em um abraço que eu nunca tinha sentido antes. Pela primeira vez, parecia que ele entendia.

—Me desculpe. - Suas palavras soaram baixar, mas verdadeiras - Mas não posso deixar que aconteça com você também.

ele se afastou, indo em direção a porta, antes de sair me dando um olhar confuso que parecia esconder algo.


Maré De Amor (Em Criação)Onde histórias criam vida. Descubra agora