𝟎𝟒.

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NOVA YORK

1987

Mesmo após várias horas depois da saída de Diana, ainda consigo perceber o aroma do seu perfume adocicado se entrelaçando dos cigarros no estúdio. Estou tonto devido à quantidade de cervejas que bebi e minha mente está a mil, bombeando milhares de questões que não dei a devida atenção. Gravamos seis músicas, todas que já haviam sido rejeitadas por George, com um arranjo diferente. Temos sorte por ter Morgan, que é formado em engenharia, porque, assim, não precisamos de mais ninguém para fazer ajustes ou anexagens.

As luzes estão mais baixas que antes e o cheiro de cerveja é quase inebriante, irresistível. Morgan está do outro lado da sala, sentado em frente a mesinha de centro, concentrado demais organizando fileiras finas de cocaína. Isso é comum para ele, para nós. Faz parte do nosso processo criativo, faz com que a gente consiga enfrentar a realidade que nossa banda está num momento de merda. São nossas escolhas. Jace põe seu braço em volta do meu pescoço e andamos até o sofá. O relógio marca meia noite e vinte e quatro e tem algumas vadias desesperadas por atenção chegando para animar.

— O que ela falou, cara? — Morgan enrola uma nota de cem dólares e encaixa na narina. Encaro seus olhos castanhos por um segundo, antes dele fechá-los e cheirar todo o pó de uma vez. O baixista solta um grunhido e se encosta no sofá, com a cabeça apoiada. — Eu vi o jornal que ela trouxe.

Coço minha nuca e pego a nota da sua mão. — Ela veio encher a porra do meu saco querendo saber sobre a Sarah. — Cheiro uma carreira tão rápido quanto Morgan. Sinto as partículas irem direto para minha cabeça, a tontura é imediata. — Deve achar que eu a matei...

Jace larga as baquetas no meu colo e também vai em direção ao seu alívio. — E isso- Puta merda! Isso importa? Sabemos que não foi você.

— A pouco tempo atrás eu tinha certeza que você achava, sim, que tinha sido eu. — Minha voz soa mais embargada. As pontas dos meus dedos estão formigando agora. Jace soltou um suspiro, é claro que ele não acredita nas próprias palavras, não acredita em mim. — Você é um amigo de merda.

Minha relação com Jace é conturbada. Eu não o conhecia antes da banda começar, ele estudava na mesma faculdade que Morgan, um mauricinho que estava tentando ir contra os pais. Fazia faculdade de engenharia civil, mas nunca terminou. Eu o odiei de primeira e não me esforcei para ter seu apreço. Brigamos por todos os motivos, até trocamos alguns socos, mas com um pouco de convivência forçada, nos tornamos amigos. E, às vezes, eu acho que ele me entende melhor que Morgan.

— Não, foda-se o que ela pensa de mim. — Digo simplesmente. Alcanço o maço de cigarros no bolso do meu jeans e acendo um. Odeio cocaína. — Eu só... Só não quero que ela fique por aí escrevendo merdas sem fundamento sobre mim.

— Ela parece ser do tipo enxerida mesmo. — Morgan já estava em outra dimensão. A porta do estúdio se abre num estalo e seis mulheres entram com passos rápidos. — Finalmente!

Alguns rostos já eram conhecidos, afinal, aquelas eram as vadias mais rodadas do meio. Duas se sentam perto de mim, uma morena alta de olhos tão azuis quanto o céu, e uma loira que mais parece um clone de uma atriz que agora não lembro o nome. Estão com o mínimo de roupa possível e suas mãos ágeis percorrem meu dorso. Fecho os olhos e deixo minha cabeça apoiada nos braços do sofá, tonto demais para poder fazer qualquer coisa. Lembro de receber um boquete bem babado, de ter comido a morena em cima da mesa e ter vomitado no chão do banheiro.

Quando acordo já são quase dez da manhã. Estou no meu quarto, completamente despido. A claridade que vem da janela quase me cega; meus olhos não me obedecem e eu quase não consigo levantar da cama. O peso da terra parece estar completamente sob os meus ombros, meus braços estão doloridos e tem sangue seco na fronha. Não me recordo de quantas carreiras de cocaína cheirei depois de beber mais algumas cervejas.

𝑻𝑯𝑬 𝑷𝑬𝑶𝑵𝑰𝑬𝑺 / 𝗝𝗞Onde histórias criam vida. Descubra agora