segredo

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Rebeca saiu pelo portão com agilidade, passando pelas pessoas que aguardavam na saída do desembarque, sem que ninguém parecesse reconhecê-la de imediato. Respirou aliviada, mantendo o capuz baixo enquanto avançava pelo saguão. Ao erguer a cabeça, não demorou muito até encontrar quem procurava.

Encostada de lado em um dos pilares do aeroporto, Gabriela vestia um moletom preto levemente folgado, calças jeans de caimento reto e óculos escuros. Assim como Rebeca, parecia ter escolhido um visual discreto para não chamar atenção. Estava séria, de braços cruzados, mas, assim que seus olhos reconheceram a ginasta entre os passageiros, um sorriso largo iluminou seu rosto. Rebeca retribuiu o gesto com um sorriso tímido, mas feliz em reencontrar a amiga.

A mais alta descruzou os braços e se afastou do pilar, caminhando rapidamente na direção da amiga, com passos decididos e a expressão suavizada.

— Sabe que eu esqueci o cartaz lá no carro? – iniciou Gabriela, com um tom divertido na voz.

Rebeca revirou os olhos, rindo do comentário.

— Que pena... – lamentou, falsamente, com um sorriso brincalhão nos lábios.

A mais alta se aproximou com os braços abertos, o gesto claro de quem buscava um abraço. A ginasta não hesitou e se deixou envolver, sentindo o calor do corpo da amiga. O abraço foi apertado e aconchegante, daqueles que acalmam e aquecem por dentro. Gabriela a segurou firme, como se quisesse prolongar o momento.

— Como foi a viagem? – perguntou a jogadora, sem se afastar, a voz levemente rouca e baixa, próxima ao ouvido de Rebeca, quase num sussurro. O som causou um arrepio no pé do ouvido, o que fez a ginasta fechar os olhos por um breve instante.

A menor congelou por um breve momento, o perfume de Gabriela continuava a rodeá-la, e o arrepio no pé do ouvido ainda reverberava. Pelo bem de sua sanidade, Rebeca se afastou do abraço.

— Foi tranquila! – exclamou Rebeca, mas sua expressão rapidamente mudou. — Na verdade, você não vai acreditar no que aconteceu – continuou, apoiando as mãos nos quadris com uma mistura de indignação e embaraço. A mais alta soltou um som nasal divertido, incentivando-a a continuar. — Antes de decolar, o piloto falou que eu tava no avião e todo mundo começou a aplaudir! – a ginasta cobriu o rosto com a mão, como se quisesse esconder o constrangimento, os olhos ainda arregalados enquanto revivia o momento. Gabriela riu alto, divertindo-se com a situação. — Juro, senti vontade de quebrar a janela do avião e pular pra fora.

— É sério?! – perguntou a jogadora, ainda rindo.

— Seríssimo! E tipo-

A mais alta, percebendo que estavam paradas no meio de um fluxo constante de pessoas, puxou Rebeca para o lado com um movimento ágil, evitando que elas atrapalhassem a passagem. O gesto foi natural, mas a menor sentiu o calor da mão de Gabriela enquanto ela a guiava, a ginasta ficou surpresa ficando momentaneamente sem palavras. Seus olhos se cruzaram por um breve segundo, mas logo Rebeca riu, enquanto a jogadora mantinha o sorriso no rosto, parecendo interessada no que a ginasta tinha a dizer.

— Tava todo mundo me olhando e foi péssimo! – completou Rebeca, ainda indignada. A mais alta pressionava os lábios, segurando o riso. — E se não bastasse, ele falou duas vezes! – enfatizou ela, levantando dois dedos com expressão de puro ultraje. — Na decolagem e no pouso!

— Mas tem que ir se acostumando, você é a maior medalhista do Brasil. – disse Gabriela, com um certo orgulho na voz.

— Para! Eu ainda não sei lidar. Parece que é um sonho ainda... – Rebeca começou, mas se interrompeu ao perceber a jogadora pegando a alça de sua mala de rodinhas. — Não precisa, deixa que eu levo – insistiu, estendendo a mão para pegar a bagagem.

— Até parece. Você tá cansada da viagem, eu levo – rebateu a mais alta, já puxando a mala com firmeza.

— Foi uma hora de viagem só, não precisa – a ginasta retrucou, tentando alcançar a mala, mas Gabriela foi rápida, desviando e colocando o corpo na frente, bloqueando o caminho.

— Não quero saber, eu vou levar. Continua contando – disse ela, firme, deixando claro que não ia ceder. Rebeca deu de ombros, aceitando a gentileza com um meio sorriso; no fundo, apreciava esses pequenos gestos de cuidado.

As duas seguiram lado a lado, conversando enquanto se dirigiam ao estacionamento. A menor continuou falando sobre o voo e como tinha sido a semana caótica após os Jogos Olímpicos. De vez em quando, ambas abaixavam a cabeça ou ajeitavam o capuz, tentando evitar olhares curiosos que poderiam reconhecê-las. Em meio a uma conversa repleta de saudades, de ambos os lados, as duas colocavam os assuntos em dia enquanto seguiam até o carro de Gabriela. A jogadora guardou a mala e a mochila da ginasta no porta-malas e adentrou o veículo, onde Rebeca já estava acomodada no banco do passageiro.

— E as meninas? – perguntou a ginasta, lançando um olhar curioso para a mais alta.

— Tão ansiosas pra amanhã. Já te falei aonde vamos, né?

— Eu talvez tenha esquecido... – respondeu Rebeca, sem jeito, enquanto Gabriela colocava a mão no peito, se fingindo de ofendida. — Ai, para! É muita coisa na minha cabeça – justificou a ginasta com um sorriso culpado.

A jogadora deu partida no carro e engatou a ré, mantendo a expressão teatral.

— Tô de coração partido – disse, num tom dramático, piscando para Rebeca, que revirou os olhos com um sorriso de canto. — É um barzinho, acho que rolê assim é a sua cara.

— Eu tenho cara de quem gosta de rolê em barzinho? – questionou a ginasta, arqueando uma sobrancelha, com os olhos agora na mais alta.

Por um breve instante, Rebeca dedicou um tempo observando Gabriela. A jogadora dirigia com tranquilidade, uma mão no volante e a outra apoiada de forma casual no descanso de braço entre os bancos. Mesmo em um momento mais descontraído ela parecia bem concentrada em sua tarefa de dirigir.

— Tem cara de muitas coisas... E uma delas é que ama um barzinho – respondeu a mais alta, sem tirar os olhos da estrada.

— Ah é? E tenho cara de mais o quê? – insistiu Rebeca, agora mais curiosa.

— Segredo – respondeu Gabriela, fazendo o sinal de zíper sobre a boca e lançando um olhar brincalhão. A ginasta bufou, mas não pôde evitar o sorriso. — Tô com uma fome... – reclamou a jogadora, passando a mão em um movimento circular sobre a barriga.

— Ai, nem me fala – murmurou Rebeca, observando o trânsito pela janela. — Olha, se você tem amor à vida, acho bom que esteja me levando pra comer, viu?

— Claro, né? Ainda tenho pesadelos com a sua versão faminta. – a ginasta fez uma expressão feroz, imitando uma garra com os dedos e soltando um rosnado dramático. Gabriela riu ainda mais, balançando a cabeça enquanto seguia dirigindo.

la vie en rose - rebiOnde histórias criam vida. Descubra agora