Capítulo oito.

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Quando chego à mesa em que sempre almoçamos, Yoko e Ajax já estão lá. Mas ao ver que Wednsday está com eles,fico tentada a correr na direção contrária.

- Você pode se sentar com a gente, mas só se prometer não ficar encarando a novata- diz Ajax, rindo- Encarar os outros é falta de educação, sabia? Será que ninguém te ensinou isso?

Reviro os olhos e me sento ao lado dele no banco, determinada a provar que não estou nem aí para a presença de Wednsday.

- Fui criada por lobos, o que é que eu posso fazer?- Dou de ombros e trato de abrir o zíper da bolsa térmica em que trago meu almoço.
- Fui criado por uma drag queen e por uma escritora - Diz Ajax, surrupiando um confeito do cupcake pré Halloween de Yoko.

- Desculpe, mas esse não é você, querido- intervém Yoko rindo.- É o Chandler de Friends. Eu,por minha vez,fui criada por uma congregação de bruxas. Fui uma linda princesa vampira,amada,adorada e admirada por todos. Cresci num luxuoso castelo gótico, e nem sei como vim parar aqui, nesta horrenda mesa de fibra de vidro, junto com a ralé.- Ela acena para Wednsday.

- E você?

Ela dá um gole no que está bebendo,um líquido vermelho iridescente em uma garrafa de vidro, e então corre os olhos por nós três e diz:

- Itália, França, Inglaterra, Espanha, Bélgica, Nova York, Nova Orleans, Oregon, Índia, Novo México, Egito e mais alguns lugares por aí. - Ela sorri.

- Filho de militar, aposto- Yoko dá uma risada, retira um confeito do cupcake e o arremessa para Ajax.

- Everédooregon- ele não consegue falar direito enquanto captura o doce com a língua e o engole com seu isotônico.

- O quê?- Wednsday pergunta, confusa.

Ajax ri.
- Falei que a Enid, nossa amiga aqui, é de Oregon- diz provocando um olhar torto de Yoko,que, mesmo depois do mico que paguei ontem, ainda me vê como a maior pedra em seu caminho rumo ao amor absoluto e não gosta nem um pouco de me ver no centro das atenções, ainda que por um breve instante.

Wednsday sorri, olhando pra mim.

- Onde  de Oregon? Já morei em Portland.
- Eugene-respondo, focando meu sanduíche, não Wednsday, pois uma vez, exatamente como aconteceu na sala de aula, quando ela fala,sua voz é o único som que ouço.
E toda vez que nossos olhares se encontram, sinto meu corpo ficar quente.
E quando o pé de Wednsday roça o meu, tem do meu corpo começa a formigar.

E essa história está me deixando nervosa.

- Como você veio morar aqui?- Wednsday se inclina em minha direção, e Yoko logo dá um jeito de se aproximar dela, deslizando no banco.

Sem tirar os olhos da mesa, crispo os lábios como faço sempre que estou aflita. Não quero falar sobre meu passado. Não vejo motivo para revelar todos os detalhes sórdidos; para explicar como, por culpa exclusivamente minha,toda a minha família morreu, e eu, por algum motivo insondável, sobrevivi.
Portanto, simplesmente retiro a casca do pão e digo:

- É uma longa história.

Posso sentir o olhar de Wednsday sobre mim, um olhar intenso,quente e convidativo. Fico tão nervosa que minhas mãos começam a suar, e deixo escorregar a garrafinha de água mineral. Tudo acontece tão rápido que não tenho tempo de fazer nada, além de esperar pelo barulho provocado pela queda.

Mas antes que a garrafa chegue à mesa Wednsday a pega no ar e a devolve a mim. Fico ali, encarando minha água mineral e evitando o olhar dela,congitando se fui a única a perceber o borrão que se formou no lugar do braço dela, tamanha a rapidez do gesto.

Em seguida, Ajax pergunta sobre Nova York, e Yoko se aproxima ainda mais, quase se sentando no colo de Wednsday. Respiro fundo e termino meu almoço, preferindo achar que imaginei tudo aquilo.

Quando finalmente o sinal toca, recolhemos nossos pertences e caminhamos de volta para salada de aula. Assim Wednsday se afasta,viro para meus amigos e digo:

- Como é que ele foi parar em nossa mesa?- Sinto um arrepio só de perceber a estridência e o tom de acusação em minha voz.

- Ela queria se sentar na sombra, então convidamos a ficar  com a gente.- Ajax da de ombros, joga sua garrafa no cesto de lixo reciclável e nos conduz ao corredor do prédio.- Não precisa ficar nervosa, ninguém arquitetou um plano diabólico pra colocar você numa saia justa.

- É, mas você não tinha nada que tocar naquele assunto de novo, na história do estacionamento.- Sei que estou sendo ridícula e sensível demais. Mas não posso dizer  o que realmente estou pensando. Não quero magoar meus amigos com está pergunta cruel, porém absolutamente válida:  Por que uma pessoa como Wednsday irá querer andar com a gente?

Sério. Entre tantos alunos nesta escola, entre tantas tribos de garotas e garotos descolados, que motivos ela teria para querer ficar conosco, as três ovelhas mais desgarradas e esquisitonas do pedaço?

- Relaxa, ela achou engraçado - retrucar Ajax.- Além disso, vai passar na sua casa hoje a noite. Falei pra ela chegar lá às oito.
- Você o quê?- devolvi. De repente lembro que durante todo o almoço Yoko ficou pensando no quê vestir e Ajax estava imaginando se teria tempo para uma sessão de bronzeamento artificial. Só agora tudo se encaixa.

- Bem, Wednsday detesta futebol tanto quanto a gente,como descobrimos no interrogatório que Yoko estava fazendo pouco antes de você chegar.-
Yoko sorri e faz uma pequena reverência, flexionando os joelhos cobertos por uma meia arrastão.- E como ela acabou de chegar e ainda não conheceu ninguém, achamos por bem passar  o laço nela,antes que tenha tempo de fazer outros amigos.

- Mas...- Na verdade, nem sei o que dizer. Sei apenas que não quero Wednsday na minha casa, hoje e nem nunca.

- Vou chegar um pouquinho depois das oito.- diz Yoko.- Minha reunião termina às sete,e tenho que passar em casa pra trocar de roupa. Aliás, antes que eu me esqueça, sou eu quem vai ficar do lado dela na jacuzzi. Acabei de pegar a senha!

- Você não pode fazer isso!- contesta Ajax, ultrajado.- Não vou deixar!

Mas Yoko simplesmente se despede com um aceno e sai saltitando rumo a sua aula.

- Qual será a reunião do dia?-Pergunto a Ajax.

Ele abre a porta da sala e diz:

- Sexta é dia dos gulosos.





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By: Black

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