Capítulo 35: A dona de seu destino

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LIA 

Na tentativa de desanuviar minha mente sobre a saúde de dona Beatriz, pedi que o motorista me trouxesse ao sítio no interior da cidade onde está minha tia.

Ao adentrar o sítio, sou imersa em um espetáculo visual encantador. Os campos se estendem suavemente, preenchidos por uma diversidade de cultivos que dançam sob a brisa suave. Os tons verdes são dominantes, pintando um quadro de serenidade e abundância.

Galinhas correm em grupos, ciscando a terra em busca de pequenos grãos. Patos passeiam despretensiosamente, aproveitando a liberdade proporcionada pelo amplo espaço.

A casa, nada modesta em sua arquitetura, ergue-se como uma testemunha silenciosa do tempo e do bom gosto. As janelas, adornadas por cortinas que balançam suavemente, sugerem uma história de anos vividos, de histórias compartilhadas ao redor de uma mesa rústica e de noites iluminadas por estrelas.

O aroma da terra molhada após a chuva recente impregna o ar, despertando uma sensação de renovação. As plantações, meticulosamente organizadas, sussurram segredos de paciência e trabalho árduo.

Ao longe, as montanhas se erguem majestosamente, suas silhuetas recortadas contra o céu que passa por uma metamorfose de cores conforme o sol se prepara para se despedir, lembrando-me que não posso demorar a voltar para casa.

Logo, vejo minha tia brincando com sua netinha.

— Lia, que visita boa!

— Precisava de te ver, como estão?

— Ótimos! Quero te agradecer, o emprego que seu marido nos deu vai ajudar demais.

— Emprego? Não estou sabendo. — Confesso, e minha tia sorri.

— Ele nos disse que o último caseiro desse sítio faleceu recentemente, nos ofereceu para cuidarmos daqui, vai empregar todos nós, eu, minha filha e meu marido, e de quebra podemos morar aqui, não é incrível?

— Claro. — Falo, ainda muito surpresa.

— Vou deixar fechado o meu barraco, afinal, aqui tem tudo do bom e do melhor.

— Fico muito feliz, tia.

Nos abraçamos, e a gratidão que sinto por Oliver não tem tamanho. Ele realmente vai ajudá-los muito, lhes proporcionar um emprego digno, um teto seguro e essa paz. É tudo que minha tia precisa para sua vida, tudo que sonhei poder lhe dar algum dia.

— Não posso demorar porque a viagem é longa. — Confesso, já sentindo falta do meu marido.

— Certo, venha apenas conhecer o lugar rapidamente.

Fazemos um rápido tour, e eu reparo que o local não recebe visitas há muito tempo, afinal, está empoeirado. Tenho certeza de que, em alguns dias, estará impecável, visto que minha tia é como eu, apaixonada por limpeza.

Ao deixar este cenário, levo comigo não apenas a imagem visual, mas também a sensação de ter experimentado um refúgio longe da agitação urbana, um lugar onde o tempo parece desacelerar para permitir a contemplação da beleza simples da vida.

Quando me despeço de tia Gleici, tenho um sentimento ruim, afinal vou ter uma conversa com Oliver nada leve e preciso me preparar para esse momento.

***

Ao adentrar a imponente mansão, deparo-me com Oliver, um retrato de serenidade em meio à grandiosidade da casa. Seus olhos encontram os meus, e sem palavras, meu corpo encontra o conforto que só os braços dele podem oferecer.

Corro até ele, uma corrida desesperada por um refúgio, por algo tangível para aliviar o peso da notícia que carrego.

Abraço-o como se a solidez dos seus braços pudesse conter a agonia que ruge dentro de mim. As lágrimas, companheiras silenciosas durante o dia, agora encontram liberdade para escorrer.

Num pranto dolorido, deixo escapar as angústias que guardei enquanto tentava ser forte diante do médico, mas agora, nos braços de Oliver, a fragilidade se revela.

— O médico... o diagnóstico para dona Beatriz é... é avassalador. — As palavras saem entrecortadas, afogadas entre soluços. — Ele sugere que a deixe em casa, livre para a morte. Não sei o que fazer.

Oliver, com a serenidade que lhe é peculiar, acolhe minhas palavras com paciência. Seus lábios tocam o topo da minha cabeça, um beijo que carrega consigo a promessa de conforto.

— Se acalme, querida. — Sua voz é um bálsamo, e seu abraço, uma âncora. — O médico está sugerindo o que ela quer. Precisamos respeitar os desejos dela. Agora, mais do que nunca, devemos ser fortes. Oferecer a ela momentos incríveis dentro das limitações que a vida impôs.

— Eu não consigo aceitar, Oliver, todo mundo que me apego me deixa. — Fungo, segurando-o com força, como se pudesse evitar que ele também se desvanecesse.

Ele responde com uma segurança que transcende as palavras:

— Eu não pretendo deixá-la nunca.

O calor reconfortante de suas palavras me faz encará-lo. A lembrança do nosso acordo prévio surge, mas Oliver, com uma firmeza que desconcerta, corta-me antes que eu possa mencioná-lo:

— Eu não me importo com o combinado, Lia. Você tinha razão. Eu gosto que seja a minha esposa, e realmente gosto de ser seu marido. Gosto da nossa relação, e estou muito disposto a tornar tudo real, se você também quiser.

Nossos olhares se entrelaçam, e um sorriso, mesmo entre lágrimas, surge nos meus lábios.

— É tudo o que eu mais quero, Oliver. — Sorrimos nos entreolhando.

— Sobre a minha avó, não se culpe, ela é teimosa e só faz o que quer...

Antes que ele possa defender seu ponto, um grito agudo ecoa do quarto de dona Beatriz, a voz estridente da sua cuidadora.

O ar que me falta pela corrida é imediatamente substituído por uma onda de desespero quando entro no quarto. A cuidadora está aqui, fazendo massagem no peito imóvel de dona Beatriz, que repousa serenamente na cama.

— O que houve? — Minha voz sai ofegante, um eco do meu coração acelerado.

Ela responde com um tom grave:

— Ela não está respirando.

O movimento rítmico das mãos sobre o peito dela parece uma dança desesperada para trazer de volta algo que se foi.

Sento-me ao lado de dona Beatriz, lágrimas já turvando minha visão.

— Não me deixe, volte pra mim. — Imploro, enquanto sinto as mãos de Oliver em meus ombros, uma presença de conforto em meio ao caos. A cuidadora parece exausta, e minhas lágrimas caem sem controle.

— Dona Beatriz! — Grito, como se a força do meu chamado pudesse trazê-la de volta, mas é em vão. — Não desista! — Falo com a cuidadora. — Quer que eu fique no seu lugar? Liga para os bombeiros.

Oliver se agacha, fecha os olhos da avó com uma ternura inimaginável. Retira com suavidade as mãos da cuidadora e, olhando para a mulher que cuidou de cada detalhe da minha vida, diz:

— Descanse em paz, vó. Seja feliz com o seu marido, que tanto queria reencontrar. Obrigado por cuidar de todos os detalhes. Fique tranquila; nós nos cuidaremos a partir daqui.

E neste momento, eu sei que nada será como antes.

O vazio no quarto é palpável, como se uma peçavital tivesse sido removida, deixando para trás uma paisagem emocionaldesoladora. 

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Oh gente, eu não tô chorando não, é você que tá...

Comenta aqui o que mais amou na senhorinha astuta?

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