As Sombras de Julia

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Carolina estava sentada no sofá de couro preto de seu apartamento, a luz suave da tarde entrando pelas cortinas semi-abertas. Um silêncio inquietante preenchia o espaço ao seu redor enquanto ela segurava um copo de vinho tinto, o líquido refletindo levemente a luz do pôr do sol. Seu olhar estava fixo no horizonte de Paris, mas sua mente estava a quilômetros de distância, presa nas teias da verdade que lentamente começava a se desenrolar.

Os últimos meses haviam sido intensos. Ela perseguira Rafael e Julia pelo Leste Europeu, usando Ivan como informante, e havia finalmente conseguido recapturar Alexandre no Brasil. Tudo parecia estar sob controle, mas, agora, sozinha, com os pensamentos fervilhando em sua mente, Carolina começou a entender algo que até então havia ignorado: Julia.

Julia, que sempre estivera ao seu lado. Julia, sua amiga íntima, que havia entrado em sua vida num momento de total fragilidade. Uma amiga que, de alguma forma, sempre parecia estar no lugar certo na hora certa. Carolina tomou um gole do vinho, sentindo o amargor descer pela garganta, mas o sabor do vinho não era o suficiente para afastar o sabor amargo da revelação que estava por vir.

Ela se levantou lentamente, andando até a janela, observando o fluxo constante de carros abaixo. Por meses, Carolina havia se focado na manipulação de Alexandre e Rafael, acreditando que ambos eram os únicos vilões na trama de sua vida. Mas agora, uma suspeita sombria começava a brotar em sua mente. E quanto a Julia? Qual era o papel dela nisso tudo?

Carolina se lembrou do primeiro momento em que conheceu Rafael. Ele havia sido apresentado a ela por Julia, em um evento de arte para o qual Julia a convidara. Naquela época, Carolina estava destruída, emocionalmente vulnerável e perdida. Alexandre havia acabado de traí-la pela segunda vez, e Carolina estava desmoronando. Foi Julia quem a ajudou a se reerguer, quem ofereceu seu ombro, sua amizade... e Rafael.

"Ele vai ser bom para você, Carolina. Confie em mim", Julia havia dito com aquele sorriso doce, o mesmo sorriso que agora parecia carregado de segundas intenções.

Carolina fechou os olhos, tentando lembrar os detalhes daquele encontro. Rafael tinha sido atencioso, compreensivo e parecia exatamente o que ela precisava naquele momento. Ele a levou a jantares caros, a presenteou com obras de arte que diziam tanto sobre a sensibilidade dele. Mas, olhando para trás, Carolina percebeu algo que havia ignorado por muito tempo. Rafael sempre esteve muito perto, rápido demais para ser confiável, como se já conhecesse cada uma de suas fraquezas, cada uma de suas vulnerabilidades. Como ele sabia tanto sobre ela? E como Julia poderia ter certeza de que ele seria bom para ela?

"Eu estava cega", sussurrou Carolina para si mesma, a realização caindo sobre ela como uma onda esmagadora.

Ela caminhou de volta até o sofá, sentando-se com mais força desta vez. Julia, sua amiga mais próxima, sempre estivera presente em cada um dos momentos cruciais de sua vida. Carolina morou com Julia no apartamento da amiga enquanto se divorciava de Alexandre. Julia oferecera ajuda sem pedir nada em troca, ou assim parecia. Agora Carolina percebia que talvez Julia não estivesse lá para ajudar. Talvez Julia estivesse lá para manipular. O sorriso, os gestos, as palavras de consolo... tudo aquilo agora parecia uma máscara.

E, então, houve Paris. Carolina lembrou-se claramente do dia em que Julia havia aparecido de surpresa em Paris, alegando que precisava ver Alexandre. Na época, Carolina estava perplexa, magoada, com o coração partido. Alexandre estava ali, em Paris, buscando reconquistar seu amor, mas o que Carolina não havia percebido era que Julia também queria algo – algo que talvez ela quisesse há muito tempo.

Julia sempre foi evasiva sobre sua vida pessoal, sua família, seu passado. Sempre que Carolina perguntava sobre esses assuntos, Julia desviava, mudando de assunto com uma habilidade quase sobrenatural.

— Ah, querida, meu passado é entediante, vamos falar de outra coisa — dizia ela, sorrindo com aquele mesmo ar despreocupado.

Agora Carolina entendia o motivo. Julia não queria que ninguém soubesse quem ela realmente era. Não queria que Carolina soubesse a verdade. E foi assim que Julia conseguiu manipular todos ao seu redor, mantendo seus segredos bem escondidos, enquanto lentamente jogava cada peça do tabuleiro, colocando todos onde ela queria.

Carolina se levantou de repente, sentindo a raiva borbulhar dentro dela. Como ela havia sido tão cega? Como não tinha visto isso antes? Cada vez que Julia oferecia conselhos, cada vez que ela ajudava Carolina a "superar" Alexandre, ela estava, na verdade, preparando o terreno para sua própria traição. Tudo tinha sido um grande teatro.

Rafael, que havia sido um porto seguro para Carolina em seu momento mais sombrio, agora parecia uma peça no jogo de Julia. Quando Carolina caiu na pior fase da separação de Alexandre, Julia não só apresentou Rafael, como também ofereceu seu apartamento para que elas morassem juntas. Agora, olhando para trás, tudo isso parecia parte de um plano maior.

Julia mantinha Carolina sob seu controle, assegurando-se de que ela nunca se afastaria demais, sempre oferecendo suporte na hora certa. Ela sempre parecia estar no lugar certo, com as palavras certas.

Mas por quê?

A resposta era tão óbvia agora. Tudo era para manter Carolina frágil, emocionalmente instável, enquanto Julia tentava reconquistar Alexandre. Cada peça do quebra-cabeça começou a se encaixar na mente de Carolina. Julia contratou Rafael, um assassino de aluguel, para manipular Carolina, para afastá-la de Alexandre e, no final, garantir que Alexandre voltasse para ela.

Carolina quase riu de sua própria ingenuidade. Como ela havia deixado isso acontecer? Como ela havia permitido que Julia manipulasse sua vida de tal maneira? A traição ardia como fogo em seu peito.

Ela andou pelo apartamento, a mente girando com novas revelações. Julia sempre havia sido a sombra por trás de tudo. E agora, Carolina sabia que não poderia mais ser apenas a vítima. Ela tinha que virar o jogo.

O telefone de Carolina tocou, interrompendo seus pensamentos. Era Ivan, seu informante no Leste Europeu. Ele havia estado vigiando Rafael e Julia, e, agora, Carolina sabia que tinha que agir. Mas, antes de fazer qualquer movimento, ela precisava se certificar de que Julia pagaria pelo que havia feito.

— Diga — Carolina atendeu, sua voz fria.

— Eu tenho novidades. Eles estão se movendo. Parece que Julia está ficando paranoica. Ela está ficando nervosa. Rafael está mantendo distância dela agora — disse Ivan.

Carolina sorriu. Julia estava começando a perder o controle, exatamente como ela havia planejado.

— Continue vigiando. Não faça nada até eu ordenar — respondeu ela.

Carolina desligou o telefone e caminhou até a janela, olhando para as luzes da cidade. Agora, tudo fazia sentido. Julia havia traído a confiança dela, usou-a como uma marionete, e ainda por cima tentou matá-la.

Carolina se lembrou da noite em que escapou da tentativa de assassinato, a adrenalina correndo por suas veias enquanto ela corria pelas ruas escuras, Rafael logo atrás, pronto para terminar o serviço. Ela conseguiu escapar, mas foi naquela noite que começou a ver as verdadeiras intenções de Rafael... e, eventualmente, de Julia.

Agora, com Alexandre de volta à prisão e Rafael e Julia à solta, Carolina sabia que precisava agir com precisão. Tudo o que Julia havia construído estava prestes a desmoronar. Cada mentira, cada manipulação, seria desvendada e exposta. Carolina estava pronta para destruir Julia, peça por peça, começando com o relacionamento de confiança que Julia tanto prezava com Rafael.

Ela voltaria para Alexandre, não como uma vítima, mas como uma mulher no controle. Desta vez, seria diferente. Carolina sabia que Julia havia contratado Rafael, sabia de cada detalhe do plano, mas agora ela usaria essa informação contra ela.

— Você sempre quis Alexandre de volta, Julia. E eu sempre fui seu obstáculo, não é? — Carolina murmurou para si mesma, com um sorriso frio no rosto.

Mas desta vez, Julia havia subestimado sua oponente. Carolina não seria mais uma peça no jogo. Ela seria a rainha, movendo todas as peças para garantir que Julia perdesse tudo o que havia lutado para conquistar.

Carolina voltou a se sentar no sofá, terminando o vinho em um único gole. Seus olhos estavam brilhando com a determinação de uma mulher que havia despertado de uma longa ilusão. Agora, com todos os segredos revelados, ela estava pronta para a próxima fase.

A vingança estava apenas começando.

Sombra de VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora