Prólogo

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- Conseguiu achá-la? - disse o homem meio criatura no meio da floresta perto da muralha da Academia Mallmes.

- Não, perdi a garota de vista - respondeu o outro, de aparência semelhante.

Os dois certamente não pertenciam à Interior, não só porque a garota escondida entre as árvores - que segurava a respiração e tentava não se mover, para não correr o risco de ser encontrada - não os reconhecera. Além de sua aparência tenebrosa: chifres retorcidos, unhas afiadas, olhos completamente pretos e pele acinzentada, suas roupas também eram estrangeiras. Blusas pretas e rasgadas, acessórios feitos de correntes, botas de couro aparentemente quentes - o que não fazia jus à estação. O cabelo de ambos era preto; o do primeiro, mais comprido, pelo que se lembrava do breve momento em que o encarou antes de fugir.

- Seria mais fácil com o corpo transformado - ela não fazia ideia do que isso significava.

A garota tomou coragem e esticou a cabeça com delicadeza para o lado, a fim de vê-los. Percebeu então que seus rostos tinham duas características que não havia notado antes: orelhas afiadas e uma tatuagem. Ambos tinham as letras "PR" seguidas de alguns números aleatórios.

- Mestre disse que não poderíamos caso estivéssemos nessa situação, imbecil - a outra "coisa" respondeu enfurecida. - Estamos muito perto da muralha. Se esses estudantes aparecem aqui, estamos ferrados. Eles são os queridinhos com habilidades especiais e tudo mais. Não vai ter pra gente. - Ele se virou e continuou a procura.

- Não entendo a razão disso. O Líder quer que a entreguemos com vida. - A garota controlava sua respiração enquanto os passos se aproximavam. - Ela parecia tão... sei lá, comum demais. Não era o que eu esperava.

- Nosso trabalho não é questionar. É obedecer - os passos ecoaram por um instante enquanto ele se afastava, mas logo pararam. - Fomos feitos para isso, lembre-se de quem somos. - Novamente, continuaram a caminhada.

A garota já não sabia mais quanto tempo havia se passado ou o quanto havia corrido sem rumo. Estava com seu novo vestido branco, um presente de aniversário de seus pais que havia recebido há alguns dias. Agora, o branco dava espaço para o marrom da terra e rasgados, graças aos galhos e espinhos de arbustos que atravessou. A distância de sua casa até onde estava, se fosse realmente verdade, era absurda para uma corrida. Entretanto, o céu matutino - quando tudo começou - dava espaço para um quase fim de tarde. Em sua companhia, havia apenas o canto de poucos pássaros.

Seu corpo não doía; ainda estava agitado, mas precisava sair daquele lugar. Tinha medo de que a ouvissem, então esperou os passos se calarem para se movimentar. Dessa vez, foi com calma, tanto para analisar o local quanto para ouvir qualquer sinal de que precisaria correr novamente.

Alguns passos mais à frente confirmou o que não acreditava que fosse possível. Um paredão cinza com pequenas rachaduras a poucos metros de si. Do ângulo em que estava, não era possível ver o fim. Sabia que o que estava atrás daquela construção era algo que não fazia sentido para ela, mas que certamente invejava ter. Também poderia ser sua salvação. Entretanto, era preciso procurar uma entrada, mas estava ficando sem tempo. Andou um pouco mais, ainda cautelosa, na direção oposta aos seus perseguidores. Não havia entrada. Provavelmente estaria do outro lado ou a única entrada seria pelo mar, pensou.

- Aí está! - disse uma voz em meio às árvores. - Não tem muito para onde fugir agora, garotinha. - Aqueles dois seres saíram de trás de algumas árvores.

- Por favor... - a voz da garota saía trêmula. As lágrimas que já haviam se secado voltaram. Além da sensação de seu corpo agitado e leve, seu estômago parecia embrulhar ao mesmo tempo que sentia um frio na barriga. - Se for dinheiro, eu...

- Se quiséssemos ouro, já teríamos pegado - disse aquele que parecia o mais emburrado dos monstros. Enquanto se aproximavam, ela dava passos para trás.

- Líder nos deu uma ordem, queremos você.

A última coisa que se lembrava era do homem dando passos cada vez mais rápidos, prestes a dar um bote - como um animal caçando - e, por um breve segundo, recuando. Logo após isso, tudo se apagou.

A muralha havia caído.

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O Demônio Do Jardim SecretoOnde histórias criam vida. Descubra agora