1. Hiro

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Hiro sabia que se acostumar ao clima de Interior seria uma questão de tempo. No entanto, ele ainda não havia se adaptado, suando tanto que parecia ter saído do banho - um desagradável e nojento. Seu uniforme não ajudava, sendo feito de um pano grosso preto com linhas vermelhas. Ao menos, o seu era mais aberto e despojado, quase como uma regata.

Se fosse um dia comum, estaria em uma sala repleta de cadeiras vazias e alguns poucos alunos; no caso, alunas. Era o único menino de sua turma, que contava com mais quatro outras para formar o primeiro ano da Academia Mallmes.

Feliz e infelizmente, era um dia atípico. Uma folga, por assim dizer. Os outros alunos passavam os dias em seus aposentos ou em áreas próximas aos alojamentos. Entretanto, sua turma decidira folgar de outra maneira. Naquele momento, Hiro e as outras garotas estavam do lado oposto de onde dormiam. Não era ilegal; ninguém seria preso por isso, mas uma bronca da Senhorita Mitsue definitivamente não era do agrado do garoto.

- Que cara é essa, Hiro? - perguntou Leka, que estava ao seu lado. - Está com dor de barriga ou o quê? Isso é falta de fibra, bem que minha mãe me avisou sobre sua alimentação problemática! - Toda informalidade se devia ao fato de se conhecerem bem. Sua prima não era exatamente uma pessoa educada e respeitosa.

- Não deveríamos estar aqui - respondeu Hiro, sua fala saindo seca, cheia de um medo que não gostaria de admitir, mas que era perceptível para qualquer um que o visse.

Seguiram adiante, mesmo contra sua vontade, pelas árvores da pequena floresta dentro das muralhas. Eram poucas árvores, não chegavam a ser volumosas, mas o local serviria de esconderijo, se precisassem. Como agora. O ponto de encontro seria um pouco mais à frente, em uma clareira que às vezes servia como campo de treinamento. Hiro chegou um pouco antes de Leka e percebeu que foi o último a chegar, reconhecendo as vozes à frente que, obviamente, estavam discutindo.

- Estão atrasados - disse Hannah, com seu tom julgador de sempre.

- São só cinco minutos, nada de mais - respondeu Brenda, tentando amenizar a situação.

- Tempo suficiente para uma morte lenta e dolorosa por veneno - completou Czae, a garota estranha.

De certa forma, entre todas as garotas, Hannah e Czae eram as mais peculiares, não por serem esquisitas, mas por serem estrangeiras. Brenda e Leka vieram da capital, assim como Hiro. Já Hannah viera de Kasta, o continente do verão eterno, a "terra dourada", cercado por areia, pouca vegetação e abundância de ouro. Seu visual não deixava esquecer isso, com a pele negra que brilhava sob o sol, cabelo preto como a noite, e acessórios banhados a ouro. Os olhos dourados eram, sem dúvida, algo que Hiro nunca vira em sua vida.

Czae, por outro lado, era o completo oposto; viera de Horma, o inverno eterno. Pela lógica de Hiro, alguém que vivenciou o frio congelante constantemente deveria agonizar-se no calor do verão, mas o uniforme de Czae dizia o contrário; ela vestia um casaco de mangas compridas e um capuz que cobria parte de seu rosto, com seu cabelo branco escondendo seus olhos graças à longa franja e calças também compridas. Ele se perguntava como isso era possível, tanto a resistência ao calor quanto a forma como conseguia enxergar através do penteado.

- Vocês pediram que trouxéssemos uma bola - disse o garoto antes que sua prima começasse a discutir com Hannah. - Tivemos que invadir o armazém da arena de duelos. - Nesse momento, ele já começava a se arrepender de suas ações.

- Isso mesmo! - concordou Leka, com exaltação. Leka não era o tipo de pessoa que conseguiria responder de maneira minimamente formal; provavelmente, se Hiro não a tivesse interrompido, ela teria partido para xingamentos e discussões. - Pensamos que seria mais rápido, mas tivemos problemas com o cadeado e Hiro recusou-se a correr, com medo de que a Senhorita Mitsue o visse, mesmo sabendo que nesse horário ela estaria dormindo.

Era um fato, todos sabiam que a Senhorita Mitsue tinha um esquema de horários rotineiros, passado de ano em ano pelas turmas da Academia. Entretanto, chegava a dar calafrios pensar em quem ela era. Uma Mochizuki. O clã com sentidos amplificados. Todos pareciam ter esquecido disso, mas Hiro tinha plena noção de que, até mesmo no sono, ela escutaria passos sorrateiros debaixo de sua janela.

Hannah se aproximou e pegou a bola de couro vermelha debaixo do braço de Hiro.

- Certo - disse ela, examinando a bola, quicando-a no chão e conferindo seu peso. - Agora só precisamos pensar em algum jogo no qual a garota ali - ela apontou para Leka - não roube. Esses portais são ridículos.

- Eu? - Leka se aproximou com raiva de Hannah. - Achei que fosse você quem arremessou a bola a uns cento e cinquenta quilômetros por hora na cara dos seus colegas.

- Tecnicamente - disse Brenda, aproximando-se para separar uma possível briga - as duas não seguem as regras. - Ao fundo, Czae assentiu, concordando com a afirmação. Entretanto, mesmo com a garota ao meio, elas continuavam a discutir, enquanto Brenda gastava todos os seus esforços para separá-las.

- Talvez - Czae se aproximou de Hiro. - Mesmo você sendo o amarelão que é - ele entendeu completamente a ofensa, mas não deixou se levar por isso, pois o que veio a seguir o agradou: - Talvez você esteja certo. Não deveríamos estar aqui.

Ao fundo, Leka e Hannah continuavam brigando. Algumas vezes, ele ouvia coisas como "aposto que você perderia para mim em menos de um minuto", enquanto a outra respondia que a primeira perderia em menos tempo ainda. No meio, Brenda resistia, concordando com a afirmação que Czae fizera.

Entretanto, as vozes ao fundo foram interrompidas por um estrondo vindo não muito longe de onde estavam. Ao olhar para o lado de onde o som viera, percebeu que o barulho era realmente de uma explosão. Uma parte da muralha havia caído, e uma grande cortina de fumaça se formava, enquanto alguns pedaços da grande parede ainda desmoronavam. Os pássaros, tanto do lado de dentro quanto do lado de fora, voaram para leste, o mais longe possível dali.

Por outro lado, o primeiro pensamento de Hiro foi o oposto. As outras garotas, mesmo em choque - como o garoto também estava, não poderia negar - tiveram a mesma ideia, mas Hiro era mais rápido. Ao invés de acompanhá-las com alguns portais que Leka abriria de cinco em cinco metros, correu alguns quilômetros em poucos segundos.

Foi o primeiro a chegar e o primeiro a ver que, sob os escombros, havia uma garota de cabelo loiro platinado e pequenos arranhões, mesmo com o impacto. Seus olhos estavam fechados e sangue escorria de sua testa. Não haveria como sobreviver.

━━ ━━━━━━━━🌸Fim: capítulo 1🌸━━━━━━━━ ━━

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O Demônio Do Jardim SecretoOnde histórias criam vida. Descubra agora