Antes de ser levada ao destino final pela professora anjo, Amber recebeu algumas roupas de um velho estoque, mas hesitou em trocar o vestido - já não mais branco - que ganhara no aniversário, apenas três dias antes. No entanto, contra sua vontade, acabou se olhando no espelho do quarto que lhe fora emprestado.
Sempre fora muito pálida, mas agora parecia mais desbotada do que nunca. Os olhos já sem vida refletiam um vazio que só aumentava. Por último, notou a faixa de tecido manchada de sangue que cobria sua testa. Ao tirá-la, viu que uma cicatriz grande começava a se formar ali. Com um toque cauteloso, tornou a esconder a marca.
A caminhada foi longa e desconfortável. Amber sentia as pernas arderem a cada passo, sua postura vacilante pela dor constante. A chuva começava a cessar, mas já tinha deixado seus cabelos e roupas encharcados, um lembrete do clima e da tensão que a rodeavam. Quando finalmente alcançou o prédio principal, ela virou corredores estreitos e subiu uma escada íngreme, até chegar a uma sala cuja porta exibia, pela primeira vez, o nome da mulher que a aguardava.
Mitsue Mochizuki. Diretora da Academia Mallmes de Interior.
Depois de duas batidas na porta, um "Entre" abafado foi a resposta que ouviu.
A diretora estava sentada atrás de uma mesa de madeira antiga, esculpida em ricos detalhes florais de lameda, símbolo do Império de Lameda. Algumas cartas repousavam em sua mesa, aparentemente ignoradas. Amber percebeu que era a primeira vez que via Mitsue sem os óculos quadrados, o que realçava o brilho frio de seus olhos esmeralda. A diretora a observava com certa relutância, quase como se pesasse cada característica incomum.
- Você é diferente. - Amber já ouvira isso antes. Os olhos negros profundos e cabelos platinados sempre despertavam curiosidade. - Além da aparência incomum, essas habilidades que "não possui"...
Um lampejo de memórias surgiu na mente de Amber, lembrando-a do quão comum sua vida fora até pouco tempo atrás. Seu cotidiano girava em torno do negócio da família: negociando a exportação de trigo com mercadores locais. Essa situação, porém - o perigo, as perguntas e a tensão crescente - era um pesadelo inesperado. Não poderia negar, no entanto, que já desejara ter habilidades; por muito tempo esse fora seu maior sonho. Abandonara-o, porém, bem antes de estar ali, de frente àquela mulher.
- Então, o que está acontecendo comigo? - perguntou, ciente de que uma das respostas possíveis era a morte. Estranhamente, a ideia a atraiu por um instante, como uma saída conveniente de toda aquela situação.
- Vi algo em um deles. - Mitsue não respondeu diretamente, mas disse enquanto observava um envelope selado. Ela o levantou, fitando Amber. - Reconhece?
Os olhos de Amber se arregalaram, e ela assentiu lentamente.
- O que significa isso? - indagou, sem desviar o olhar do selo em letras maiúsculas.
- PR. - Mitsue repetiu as iniciais que martelavam a mente de Amber. - Na carta: Propriedade Real. Neste caso, a Propriedade Real refere-se a esta Academia. No rosto dos demônios...
- O que isso quer dizer então? - Amber desviou o olhar do envelope, finalmente encarando Mitsue. - A Imperatriz de Lameda está à minha procura.
- Quer você morta, para ser mais exata.
- Não seria precipitado concluir isso? - A professora anjo interveio.
- Talvez. - Mitsue cruzou as pernas, apoiando os cotovelos sobre a mesa. - Pode ser uma abreviação de algo trivial, como "perigo radical" ou "pênis rola", quem sabe. Mas acredito, pessoalmente, que se trata do primeiro, não?
Amber franziu o cenho.
- Mas o que o Império poderia querer comigo? - insistiu, a voz carregada de incredulidade. - Não acho que minha família tenha alguma dívida. E mesmo que tivesse, eliminá-los não resolveria nada!
- As Imperatrizes de Lameda são conhecidas por sua crueldade. - Mitsue levantou-se, afastando-se da mesa, e se recostou no sofá de couro desgastado atrás dela. - O motivo? Não posso afirmar. Uma dívida? Pouco provável. Eles estavam atrás de você, não estavam? - Amber assentiu de leve. - Não demorará até que a Capital descubra onde está.
Após uma breve pausa, Mitsue lançou um olhar de comando para a professora anjo, que prontamente deixou a sala, fechando a porta atrás de si. Mitsue se aproximou, sentou-se no sofá, apoiou os cotovelos sobre os joelhos e uniu as mãos sob o queixo, encarando Amber com uma intensidade incômoda.
- O que fazer com você? Essa é a pergunta do século.
- Você já mencionou a opção da morte. Talvez seja o que deve fazer. - A voz de Amber era fria, mas havia uma hesitação perceptível.
- É, de fato, a forma mais simples de resolver este problema - Mitsue admitiu, observando-a. - Mas não é isso que você deseja, certo? Talvez tenha desejado em algum momento, mas agora... algo mudou, não foi?
Amber refletiu em silêncio, mergulhando nos próprios pensamentos. A morte seria realmente a melhor solução? Não tinha mais ninguém que importasse em sua vida, ninguém a quem amasse. Apenas um futuro sombrio e uma ameaça iminente. Por um instante, considerou que, sim, a morte seria um fim aceitável. Mas... o que tinha mudado? Talvez fosse a lembrança de seus pais, ou apenas a última centelha de esperança de que a justiça ainda pudesse ser feita.
- Quero descobrir quem fez aquilo com meus pais... e matá-lo.
Mitsue a observou, os olhos verde-esmeralda fixos nela.
- Você já sabe quem foi. Os demônios que a perseguiam.
- Se a sua teoria estiver correta, eles são apenas marionetes, seguindo as ordens de alguém superior.
- A vingança é um caminho longo e não recompensador, garota. Não se iluda pensando que no fim dele encontrará uma utopia. Tem certeza de que quer trilhá-lo?
- Acho que não há mais nada a que eu possa me agarrar.
Mitsue suspirou, como se finalmente tivesse encontrado a resposta para uma pergunta que rondava sua mente há muito tempo.
- Entendo. Então faremos o seguinte: você ficará na Academia Mallmes, treinará comigo, e, ao final do ano, iremos à Capital de Lameda para a competição.
Amber ergueu o olhar, sentindo uma inesperada satisfação com a proposta, mas sua expressão logo ficou desconfiada.
- Por que me ajudaria a alcançar esse objetivo? Sinto que está sendo mais compreensiva do que o esperado.
- Tenho meus próprios motivos. Certamente, não são da sua conta, mas saiba que também carrego mágoas do passado. - Mitsue desviou o olhar por um instante, quase como se tivesse revelado mais do que pretendia.
Amber nada disse. Mitsue chamou a professora de volta à sala e lhe deu instruções para levar Amber até seu quarto, sugerindo que descansasse bem, pois no dia seguinte, cedo, começariam suas aulas.
- Bem-vinda à sua nova vida, Amber.
━━ ━━━━━━━━🌸Fim: capítulo 9🌸━━━━━━━━ ━━
Não esqueça de votar e comentar! Ajuda muito a autora aqui :)
Caso haja algum dúvida em relação aos capítulos ou curiosidades, podem me perguntar;
Tanto nos comentários do wattpad, quanto no box de perguntas anônimas
(é mais fácil acessar na bio do perfil os links abaixo):
Box perguntas anônimas: https://ngl.link/sooz40675
Links: https://linktr.ee/WashiWaSooz
Bsky: @washiwasooz.bsky.social
Twitter: @sooozinha
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Demônio Do Jardim Secreto
FantasyLaosi é um mundo marcado por séculos de conflitos entre reinos, terras independentes e seres de magia. Após a Guerra Angelical, que resultou no exílio dos anjos e na extinção dos demônios, surgiram pessoas com habilidades especiais, mudando o equilí...