8. Mitsue

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"Merda" era a única palavra que ressoava na mente de Mitsue. Ela encarava Amber quase vendo seu reflexo de anos atrás. Desamparada, assustada... em total desgraça. Os cabelos loiros platinados de Amber estavam bagunçados, graças às ataduras em sua cabeça que cobriam o ferimento de sua testa. Os seus olhos eram de um preto tão profundo que era possível perder-se ao encará-los; lacrimejavam sempre que abria a boca. A aparência de Amber era estranha, mas não de uma maneira ruim. Desejou em pensamento que a garota tivesse demorado mais para acordar, assim, não estaria encarando-a. Não viva, pelo menos. Mas, ela estava lá. Mitsue pareceu que voltou no passado, quando Emma a encontrou.

- Conte - disse Mitsue tentando não transparecer desconforto. - Espero que essa borboleta funcione. - A diretora virou-se para Hanael que assentiu da parede onde estava encostada.

- Já disse, não sei ao certo. - Amber respondeu com mais tranquilidade, mesmo tendo lágrimas em seu rosto. Parou um pouco para pensar e continuou: - Era começo da tarde já. Tinha saído de casa pela manhã. Minha família é... era - ela engoliu a seco suas palavras e encolheu seus ombros - produtora de trigo. Nos últimos anos, com minha mãe doente, fiquei encarregada das negociações em Alta Interior.

Mitsue segurava um bocejo. Era o que esperava da garota, sem graça, sem uma história interessante ou atrito. Mas, por algum motivo, ainda se via nela. E isso a incomoda de maneira extrema.

- Ao voltar de baixo de um sol quente - continuou Amber - percebi que a porta estava aberta. Estranhei, claro, mesmo assim, entrei. - Mitsue percebeu que seus olhos carregavam um vazio; não havia um brilho sequer. Entendeu aí suas semelhanças. - Eu vi aqueles dois. Só que, diferente de quando eles correram atrás de mim, sabe? - Mitsue sabia do que estava falando, mas a incentivou a continuar como se não. Amber apertou o seu colar com um pingente de triângulo com outros triângulos dentro e continuou: - Haviam chifres, asas estranhas e seus olhos... completamente pretos, pareciam até às criaturas ilustradas dos livros. Eles eram...

-... Demônios - completou Hanael do outro lado do quarto da enfermaria.

- E o que poderiam querer de você? - perguntou Mitsue. - São criaturas sem alma que foram dizimadas há dois séculos. O que poderiam querer com uma garota qualquer?

Mitsue a chamava de garota, mas, na realidade, Amber já era uma moça. Mesmo sendo mais esguia, era visível que tinha, ao menos, quinze anos ou dezesseis anos.

- E eu vou saber? - Amber encarava Mitsue com a mesma expressão: uma mistura de confusão e desafio. Amber não tinha medo dela, era visível isso. - Eu fugi deles sem rumo e, no fim, fui parar aqui, como vê. Se eu soubesse de algo, diria.

Hanael, ao fundo do quarto, guardava uma risada para si. Para Mitsue isso não era nada divertido. Ela olhou para a professora com um aviso em seus olhos que pareceu ser compreendido, visto que, tomou uma expressão séria novamente, ou o mais sério que conseguia.

- Parece muito engraçada, não é? - Mitsue voltou-se para Amber. - Conte, Amber, então por que a explosão de uma muralha foi a sua solução? E como conseguiu fazer tal, já que, não são concretos ordinários... - os olhos da garota começaram a se encher de um certo desespero, mas Mitsue os ignorou. - Não são mesmo. Mallmes recebeu cinco bênçãos da Rainha Angelical, uma delas, essas muralhas erguidas por seus anjos. Como pode explicar isso?

Amber não a encarava mais, mas sim a borboleta. Pavor tomou de novo seus olhos escuros. Se não fossem os poderes de Hanael, certamente teriam um grande problema, pensou Mitsue.

- Não sei como fiz - respondeu em voz baixa - nem sei como fiz aquilo aqui nessa sala, aquela coisa de ventos.

- Sua habilidade especial, ora! - respondeu Mitsue confusa. - É portadora de Ventos, assim como Hannah, a aluna do primeiro ano. Consegue criar correntes de ar, como fez aqui agora.

Mitsue a confrontava. Não era possível ser tão imbecil para não compreender aquilo. Mas, viu em seus olhos novamente um terror.

- Não tenho habilidades especiais - respondeu Amber - nunca as tive, não sei o que fiz aqui ou lá... - Havia uma certeza em sua voz que fez Mitsue abaixar um pouco sua katana. - Mas não tenho habilidades.

Poderia até questionar, ou então executá-la logo por tremenda mentira, mas Mitsue apenas olhou para Hanael. Seus olhos estavam concentrados na garota. Havia dúvida e desconfiança. Quando voltou seu olhar para Amber de novo, não via mentiras, apenas medo. Ela perdeu sua família, os viu mortos em sua frente. Por isso, Mitsue não conseguia matá-la.

A imagem de Emma tomava seus pensamentos quando saiu do quarto com passos pesados. Percebeu que Hanael a seguia depois de um tempo, mesmo no temporal que se formava.

- O que vai fazer? - perguntou Hanael quando pararam. Não estavam longe do quarto, apenas em uma varanda perto, mas longe o suficiente para Amber não ouvi-las. - Ela não parecia estar mentindo.

- Ela tem habilidades - respondeu Mitsue. - Eu vi o que ela fez naquele quarto. Algumas paredes chegaram a rachar de tão forte que era. - Havia certo terror em sua fala, por isso pigarreou e voltou ao seu tom normal. - Ela mente, Hanael.

- Não acho que seja mentira. - Mitsue encarou seus olhos de cor mística em busca de um sinal de loucura. - As habilidades especiais de uma pessoa são apresentadas até a primeira infância. Depois disso, nunca houve um registro sequer desde da época que Mallmes estava vivo. E mesmo se estivesse mentindo, Mitsue, uma pessoa aprende a controlar suas habilidades desde cedo. - Mitsue estava entendendo onde queria chegar, mas não conseguia aceitar de certa forma. - Pela maneira como ela se comportou, não poderia tê-las.

- Então o que ela tem?

- Não sei. - respondeu Hanel. - Mas temo que seja esse o motivo de estar sendo procurada. Não sei o que isso significa ou como seria possível os demônios terem voltado, mas sei que ela corre perigo, Mitsue.

Mitsue precisava pensar. Tudo isso estava confuso em sua mente e a dor de cabeça não a ajudava. Disse para Hanael para levar Amber em sua sala no prédio central antes de partir.

Em sua sala, abriu a primeira gaveta de sua mesa de madeira velha e, por fim, tomou sua droga com um copo d'água para ajudar a descer. Para a dor de cabeça, havia funcionado, mas, o sentimento de que algo terrível estava prestes a acontecer, não partiu.

━━ ━━━━━━━━🌸Fim: capítulo 8🌸━━━━━━━━ ━━

Capítulos 9 e 10 dia 13/10/24 às 13:00 hrs

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O Demônio Do Jardim SecretoOnde histórias criam vida. Descubra agora