Os dias seguintes na mansão de Gabriel passaram devagar, cada um mais tenso que o anterior. A rotina era estranha, quase como viver em um limbo. O silêncio da casa, quebrado apenas pelos passos firmes de Gabriel ou pelo choro de Arthur, se tornou uma espécie de fundo constante, tão ensurdecedor quanto o som de um alarme prestes a disparar. A cada momento, eu esperava o pior.
Eu estava parada na cozinha, esquentando o mingau de Arthur, quando a empregada entrou silenciosamente, como sempre fazia, deixando um leve aroma de café fresco pelo ar. Ela nunca falava muito, o que, sinceramente, eu apreciava. Quanto menos perguntas, melhor. Mas dessa vez, algo em sua expressão mudou. Ela olhou para mim com um olhar que eu não sabia interpretar.
"Ele está na biblioteca," disse ela, com a voz baixa. "Quer falar com você."
Ah, claro. Porque tudo o que eu precisava de manhã era mais uma conversa com o "mestre da mansão". Eu sorri sem entusiasmo e agradeci com um aceno, enquanto terminava de alimentar Arthur. Quando ele finalmente estava satisfeito e calmo, deixei-o no berço improvisado no quarto e fui em direção à biblioteca.
A porta da biblioteca estava entreaberta, e pude ver Gabriel de costas para mim, observando a janela com seu habitual ar contemplativo, como se o mundo fora daquelas paredes fosse apenas um detalhe insignificante. Ele parecia perfeitamente à vontade, o completo oposto de mim. Suas costas largas e ombros musculosos eram destacados pela luz suave da sala, e as tatuagens em seus braços e pescoço apareciam de forma sutil, quase escondidas sob a camisa. Quando bati levemente na porta, ele não se virou imediatamente, apenas falou com aquela voz firme e baixa com a qual eu já estava acostumada.
"Entre, Sofia."
Adentrei o espaço, sentindo o cheiro amadeirado dos livros antigos misturado com o aroma do café que ele provavelmente estava tomando. O perfume de Gabriel, inconfundível, já invadia o lugar — porque, claro, estava em todos os cômodos dessa mansão, como se ele tivesse marcado território. Honestamente, acho que até se eu abrisse a geladeira, sentiria o cheiro dele lá dentro.
"Você queria falar comigo?" perguntei, tentando parecer casual, mas sabendo que qualquer conversa com Gabriel nunca era só uma conversa.
Ele finalmente se virou, os olhos frios como sempre, mas havia algo mais em sua expressão. Algo que me deixou em alerta.
"Sente-se." Ele gesticulou para a poltrona à sua frente. Sentei, tentando não demonstrar que meu coração estava acelerado. Algo estava diferente naquela manhã, e eu não gostava disso.
"Descobri algumas coisas sobre Rafael," ele disse, direto ao ponto, como sempre. "Ele é mais perigoso do que você me contou."
Ah, claro, porque eu só queria esconder os detalhes mais suculentos da história. "Eu imaginei que você já soubesse disso," respondi, cruzando os braços. "Ele não é exatamente um homem comum."
"Não," Gabriel concordou, ainda me observando. "Ele está envolvido em negócios clandestinos, construindo sua fortuna em cima da desgraça dos outros. Tem processos de abusos e maltratos contra mulheres."
Meu estômago revirou. O que mais eu não sabia sobre o homem com quem vivi por tanto tempo? "E o que exatamente isso significa para mim?" perguntei, minha voz saindo mais desafiadora do que eu pretendia.
"Significa que você precisa ser mais cuidadosa." Gabriel se aproximou, sentando-se na cadeira oposta à minha. "Ele pagou gangues e sua foto está nas mãos deles, para que não escape. Os aeroportos, as rodovias... ele não vai desistir de encontrar vocês. "Eu fechei os olhos por um segundo, tentando digerir aquelas palavras. Como se eu já não tivesse problemas suficientes, agora estava no meio de uma rede de perigos que ia além do que eu poderia imaginar.
"Ah, ótimo. Então, além de ter que me preocupar com o meu ex, agora também tenho que me preocupar com as gangues que ele contratou, certo? Fantástico. E, se ele não me encontrar, quem sabe algum desses 'profissionais' pode me reconhecer e me entregar de bandeja pra ele. Que ironia, não? Uma órfã, com um passado tão glamouroso, valendo tanto assim."
Gabriel fez uma expressão estranha ao ouvir minha menção de ser órfã, mas não comentou. A conversa estava ficando intensa demais, e eu precisava manter a leveza, mesmo que por baixo da superfície, tudo estivesse desmoronando. Eu ri. Não de felicidade, claro, mas daquele tipo de riso nervoso que surge quando você percebe que sua vida virou uma novela mexicana de quinta categoria.
Eu conseguia fazer piada de uma situação tão desesperadora. Mas ele não me conhecia. Eu já tinha ultrapassado o ponto de pânico puro. Agora, tudo o que restava era sobreviver um dia de cada vez.
"Estou falando sério, Sofia," ele disse, com uma firmeza que me fez calar o riso. "Eu te ajudei até agora, mas você precisa pensar no seu próximo passo. Isso aqui não vai durar. Não posso te proteger para sempre."
Ah, claro, o discurso de sempre. "Não posso te proteger para sempre." Era engraçado como isso parecia uma ameaça velada. Como se ele estivesse dizendo: "Você está aqui porque eu permiti, mas isso pode mudar a qualquer momento."
Ele me encarou com um olhar frio, quase impiedoso, e o ar ficou mais denso. "O que você precisa entender, Sofia, é que eu não sou um herói. Não estou aqui para resolver sua vida, nem de ninguém. Rafael é um problema seu, e tudo que estou fazendo é te dar uma chance de desaparecer de vez."
Respirei fundo, tentando acalmar o caos que se agitava em mim. "Então o que você sugere, Gabriel? Que eu fuja de novo? Que continue me escondendo até ele me achar, porque, sinceramente, não parece que eu tenha muitas opções."
Ele deu um passo na minha direção, seus olhos cravados nos meus com uma intensidade que quase me fez desviar o olhar. Quase. "Eu sugiro que você comece a pensar seriamente em como se proteger sozinha. Porque eu não vou segurar sua mão para sempre, Sofia. E, talvez, você deva começar a confiar em mim enquanto ainda tenho paciência pra isso."
O tom dele me pegou desprevenida. Confiar nele? Eu mal sabia quem ele era além do homem que me ofereceu um abrigo temporário e que, de alguma forma, se envolveu nos meus problemas. Mas confiar? Isso era pedir demais.
"Você quer que eu confie em você?" Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia. "Mesmo sem a gente se conhecer direito?"
"Exatamente. Eu me meti nessa porque você me fez enxergar que a situação é bem mais complicada do que parece. Eu podia ter virado as costas. Mas te dei ajuda quando você mais precisava, e isso, no mínimo, merece um pouco de confiança."
Ele cruzou os braços, as tatuagens no pescoço e braços musculosos parcialmente escondidos pela camisa social, o que dava a ele uma aura de controle frio. "Sim, tenho influência e estou de olho em Rafael. Quando for seguro, você e Arthur vão embora. E isso é o máximo que posso te oferecer."
As palavras dele cortaram fundo. Havia uma distância clara entre nós. Ele não queria se envolver, e deixou isso claro como água. "Então é isso," murmurei. "Você vai me ajudar a sumir"
Ele confirmou com um breve aceno, a seriedade em sua voz inabalável. "Isso mesmo. Eu te ajudo a desaparecer. Depois disso, cada um segue seu caminho. Eu volto a ter minha paz, e você constrói uma nova vida longe daqui."
Olhei para ele, processando aquilo. Gabriel não ia além do limite que ele mesmo colocou..
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REFÚGIO PROIBIDO
Romance🚫MAIORES DE 18 ANOS Refúgio Proibido mergulha na tumultuada vida de Sofia, uma jovem mãe determinada a escapar de um relacionamento abusivo, levando seu pequeno filho, Arthur, em uma fuga desesperada. O destino a leva a uma mansão misteriosa, habi...