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— Isso parece sinistro. Ameaçador — diz ela, seus olhos verdes
fixos na carta como se uma maldição estivesse escrita no papel.
Concordo com a cabeça distraidamente, afastando a carta e
vasculhando as fotos novamente. Procurando pistas sobre quem esse
homem pode ser.
Mas não há nenhuma.
— Ele parece tão familiar — murmuro, estudando outra foto. Eles
parecem estar em alguma festa. É uma imagem em preto e branco, então
não sei dizer a cor do vestido, apenas que é um tom escuro. Joias
decoram as pontas de suas mangas e a gola do vestido. E, claro, não
preciso que a foto seja colorida para saber que ela está com o seu batom
vermelho.
O homem está com a mão apoiada no alto da coxa dela. Do jeito
que ele a está agarrando, ele parece um pouco possessivo. Dominante.
Nunca conheci esse homem na minha vida e ainda assim, sei que ele é
um maldito cretino, e posso apostar dinheiro nisso.
E pelo sorriso tenso no rosto de Gigi, e o aperto ao redor de seus
olhos, minha bisavó claramente pensava assim também.
— Espere, deixe-me tirar fotos e enviar para o meu computador.
Posso fazer uma pesquisa reversa de imagens.
Eu a vejo fazer suas coisas, sua testa franzida com concentração.
Em poucos minutos, ela está virando o laptop para mim, olhando para
mim com cuidado.
— O pai de Mark. É ele quem está em todas essas fotos.
Meus olhos se viram para os dela, enquanto minha frequência
cardíaca acelera.
— Está pensando o mesmo que eu? — pergunto.
— Que o melhor amigo do seu bisavô poderia ter se apaixonado
por Gigi e a matado quando descobriu que ela estava tendo um caso com
um homem que não era ele? — Ela resume, tirando os pensamentos
exatos da minha cabeça.
Ela suspira e olha para as fotos.

— Não sei. É uma grande conclusão baseada apenas em algumas
fotos assustadoras e uma carta. Embora a carta tenha um tom
ameaçador, certamente não é suficiente para condená-lo por assassinato.
Eu concordo, tendo pensado a mesma coisa. Algo sobre essas fotos
me deixa no limite e me dá um arrepio na espinha. Por mais que tenha
me revoltado com o diário de Gigi e como ela bajulou seu stalker, nunca
tive um mau pressentimento como com a carta e as fotos. Ainda assim,
não posso resolver um caso de assassinato puramente baseada em
sentimentos. Preciso de provas.
— Lógico, ainda é mais provável ter sido o stalker da Gigi, mas
isso não significa que o pai de Mark ser o assassino esteja fora de
questão — ela continua, pegando distraidamente uma das fotos e
observando.
— Eu vejo motivo nessa carta. Então, mesmo que a chance seja
pequena, acho que ainda devemos investigar isso.
— Você encontrou mais alguma informação sobre Ronaldo?
Ela suspira.
— Sim. Ele morreu em 1947 de um choque cardiogênico. —
Minhas sobrancelhas franzem.
— Um ataque cardíaco?
Ela nega.
— Um coração partido. Ele morreu de síndrome do coração
partido. — Minha boca seca. — Encontrei um pouco da história familiar
dele, mas não muito mais. Sua vida foi mantida em sigilo, e presumo
que seu chefe tenha algo a ver com isso.
— Então, um beco sem saída — concluo, balançando a cabeça.
Mordo meu lábio, rolando-o entre os dentes enquanto penso no meu
próximo movimento. — Acho que preciso subir no sótão — digo com
resignação. Posso amar fantasmas, mas porra, isso não significa que eu
tenha o desejo de ser possuída por um demônio, ou o que quer que esteja
lá em cima.
Os olhos sábios de Daya se encontram com os meus. Contei a ela
sobre a última carta que encontrei e como senti haver algo muito ruim lá em cima.
— Você é uma masoquista. Vai ser possuída se for lá em cima.
Eu bufo.
— Acho que o espírito já teria feito isso se realmente quisesse.
Pode ter mais cartas lá em cima.
Daya suspira.
— Vou morrer hoje — murmura ela.
— Você não vai morrer, talvez só fique um pouco possuída. — Eu
rio enquanto dou a volta no balcão e caminho em direção à escada.
— Sim, e adivinha quem eu vou aterrorizar primeiro?
***
Aquela opressão fria e pesada cai instantaneamente sobre meus
ombros no segundo em que entro no sótão. É como naqueles desenhos
animados quando um piano cai do céu em cima de uma pessoa
desavisada.
— Muito bem, apresse-se, eu não gosto daqui — diz Daya, sua voz
tensa de medo. O terror está rastejando pelos meus ossos também,
fazendo meu coração disparar. No entanto, o calor desliza pelos meus
músculos, se instalando na boca do meu estômago.
Uso a lanterna do celular para procurar pelas paredes. Começo por
onde encontrei a última carta, mas tudo o que resta são teias e aranhas.
Traço meu caminho por cada parede, pressionando as tábuas de
madeira na esperança de encontrar uma delas solta. Encontro uma
quando chego perto do espelho. A madeira chacoalha sob minhas mãos,
e com a sensação pesada nos cercando, não perco tempo e a arranco da
parede.
Mexo o feixe de luz em várias direções diferentes, não
encontrando nada além de mais insetos e teias. Quase desisto, até ver um
lampejo de algo brilhante.
— Acho que encontrei alguma coisa — eu anuncio animada.
— Graças a Deus — Daya murmura atrás de mim. Mal ouço as
palavras. Enfiando meu braço no buraco antes que eu possa pensar nos insetos, agarro a peça, minha mão fechando em torno de algo plástico.
Tento puxar para fora, mas minha mão encontra o que parece papel,
então eu agarro isso também.
Bato no meu braço, encolhendo-me com a sensação de teias de
aranha grudadas em mim. Nem sequer olho, apenas continuo limpando
enquanto me aproximo dos degraus.
— Vamos. — Respiro fundo, logo antes de quase ser empurrada
por Daya passando por mim e descendo as escadas correndo.
O que quer que esteja na minha mão, é algo importante. Tenho
tanta certeza disso quanto dos olhos nas minhas costas que me observam
sair.
Batendo a porta do sótão atrás de mim, eu me inclino contra ela e
me endireito, sacudindo o frio de gelar os ossos que parece grudar em
mim como cola.
— Nunca mais vou subir lá — diz Daya, ofegante.
— Acho que também não quero — digo. Finalmente, olho para
minha mão e vejo uma bolsa Ziploc com um Rolex de ouro incrustado
de sangue manchado o plástico. E a carta na minha mão é um rabisco
rápido que diz: Esconda isso, ninguém pode saber que eu fiz isso.
Lembre-se disso.
— Puta merda — suspiro.
— Deixe-me ver. Não podemos tocar nisso ou vamos deixar
impressões digitais, mas a Rolex tem números de série. Provavelmente
consigo rastrear o dono.
Corremos para a cozinha, esquecendo o demônio que reside no
meu sótão. Encontro um par de luvas de borracha que Daya e eu usamos
quando estávamos limpando a casa. Ela coloca as luvas e tira o relógio
ensanguentado com cuidado.
— Não quero que o sangue saia, mas preciso remover a pulseira
para ver o número de série — ela murmura, manuseando o relógio com
cuidado. — Você tem uma tachinha?
Eu me viro e abro a gaveta de tralhas de cozinha, confiante de que
tenho uma em algum lugar. Após vasculhar por um minuto, solto um ahrá comemorativo e entrego a Daya uma tachinha azul.
Leva um minuto, mas ela finalmente solta a pulseira entre as alças
do relógio.
— Filho da puta — ela xinga.
— O quê?
— Alguém riscou o número de série. Está quase ilegível.
Daya olha para mim, decepção irradiando de seus olhos verdes. Eu
desabo, uma carranca puxando meus lábios para baixo em derrota.
— Não vou desistir. Vamos fazer um exame de DNA e vou
descobrir algo com esse relógio. Deixa-me cuidar disso?
Eu aceno, confiando em Daya para descobrir. Ela é incrivelmente
inteligente e seus recursos para descobrir informações são astronômicos.
Então uma lâmpada se acende na minha cabeça.
— Naquelas fotos com Gigi, Frank estava usando aquele relógio.
Remexo todos os papéis espalhados pelo balcão até encontrar a
pequena pilha de fotos.
— Mesmo relógio — repito, entregando as fotos. Daya olha para
as fotos, um sorriso se forma em seus lábios.
— Agora só temos que provar isso.
8 de maio de 1946
Vou morrer. Ele está vindo atrás de mim, posso sentir isso em meus
ossos.
E só consigo pensar em Sera. Minha doce, doce Sera. Ela acabou de
completar dezesseis anos, e ela é tão alegre. Tão cheia de vida. Como
digo a ela que posso não estar aqui por muito mais tempo. E a culpa é
toda minha. Cometi tantos erros nos últimos dois anos.
Devia ter feito as coisas de forma diferente.
Mas é tarde demais.
E minha filha será a que mais sofrerá.
Ah, Sera. O que fazer quando estou enfrentando um homem que sente
que foi desprezado?
Estou tão cansada. Acho que vou me deitar para dormir um pouco.

Assombrando Adeline Onde histórias criam vida. Descubra agora