Capítulo 19 - A madrugada dos mortos

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Caminhando sob as sombras pesadas das árvores que emolduravam a rua, Will Martell mergulhava nas lembranças de sua vida. O sussurrar das folhas, levado pelo vento, parecia um convite para revisitar o passado e refletir sobre os desafios que moldaram seu presente.

Nascido em Drancy, na França, Will enfrentou desde cedo as cicatrizes de uma nação em ruínas após a Segunda Guerra Mundial. A crise que assolava o país trouxe greves e revoltas, e foi em uma dessas manifestações que ele perdeu a mãe, uma ativista que lutava pelos direitos estudantis. O pai, afundado no alcoolismo, nunca foi um apoio, e assim Will se viu órfão, sobrevivendo nas ruas hostis da França. Ainda jovem, aceitou trabalhar para uma família rica, mas foi abandonado ao completar quatorze anos. Em meio à onda migratória da época, encontrou refúgio em um navio pirata, que o levou até Nova York. Lá, no coração de uma América imersa em ideologias fascistas, ele enfrentou a marginalização social e a xenofobia, afundando cada vez mais nas garras da pobreza.

Foi nesse cenário que conheceu Lindy, uma canadense de espírito vibrante, que o tirou daquele abismo. Em Vancouver, ele começou a trabalhar na oficina do pai de Lindy, e após a morte do sogro, assumiu o negócio. A vida parecia tomar rumo; casou-se com Lindy, completou seus estudos e se formou em teologia. Juntos, mudaram-se para San Francisco, onde nasceram seus dois filhos, Ann e Alex. Contudo, a tragédia o golpeou mais uma vez com a morte de Lindy após o nascimento de Alex. Despedaçado, Will foi tragado pela depressão, mas se manteve de pé, apoiado pelos amigos e pelo amor incondicional de seus filhos. Antes de morrer, Lindy lhe arrancara uma promessa: jamais deixar que seus filhos enfrentassem os mesmos horrores que ele viveu. E Will, ainda que ferido, lutou com todas as forças para cumprir essa promessa.

Mesmo após sobreviver a tantas provações, naquela noite, Will sentiu um medo que jamais havia experimentado. Perdido dos filhos em meio à escuridão, o pavor o consumia. Embora já os tivesse reencontrado, ansiava por chegar em casa, preparar tacos de peixe – o prato favorito de Ann e Alex – e sentar-se à mesa em um momento de reconforto familiar. Já era madrugada, mas ele sabia que os filhos ainda estariam acordados, esperando-o com fome e preocupação.

A casa estava próxima, mas cada passo parecia eternizar o trajeto. Talvez fosse sua mente, atormentada pela exaustão. De repente, mãos firmes agarraram sua jaqueta e o puxaram com violência, jogando-o contra as raízes expostas de uma árvore. Atordoado, Will tentou identificar seu agressor, mas a escuridão engolia os detalhes. O que sentiu, no entanto, foi o frio das unhas rasgando sua pele e o peso de um corpo o pressionando contra o chão. Não sabia se era homem ou mulher, apenas que o perigo, agora, o consumia por completo.


🎃🎃🎃


Suzanne e Bruce caminhavam pela rua escura e deserta, a única luz vinha da lua cheia, que iluminava a noite silenciosa. As árvores ao redor pareciam sombras gigantescas, e o som dos seus passos ecoava na quietude. Suzanne olhou para Bruce, intrigada com a decisão dele de ajudar os Thomsons mais cedo, especialmente considerando o histórico entre ele e John.

— Sinceramente, Bruce, nunca pensei que você fosse ajudar os Thomsons. Achei que você os odiava.

Bruce soltou uma risada amarga, girando a lança, que assobiou no ar.

— Eu não odeio eles. Quer dizer, não odeio todo mundo. Só o John... sempre tive uma implicância com ele. Mas, pra ser justo, ele também nunca deixou barato.

Suzanne franziu a testa, surpresa com a franqueza dele.

— E agora você resolve aparecer como o bom samaritano?

Bruce suspirou, girando a lança outra vez.

— Não é tão simples assim — Ele hesitou, mas sabia que precisaria ser honesto, pelo menos dessa vez. — Meu irmão, Nick... ele sempre foi quem segurou as pontas pra mim. Mesmo quando ele tava na pior, lidando com os problemas dele, ainda tinha paciência comigo — Bruce deu de ombros, a voz mais baixa. — Ele teve momentos bem difíceis. Fez muita merda, sabe? Mas, mesmo quando tava lá no fundo do poço, ele ainda era o cara que me puxava de volta. Eu devo muito a ele.

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