— Não acha que foi muito seca com o Gilbert? — Cole me pergunta.
Entramos na sala de Artes em menos de cinco minutos, andando de cabeça baixa até a bancada mais próxima, enquanto o olhar fulminante da professora nos acompanha. Para nossa sorte, o trabalho é em dupla, o que significa que nem todos os alunos notaram a nossa chegada, distraídos em suas conversas.
— Não.
Atrás da professora, está escrito no quadro negro: Luminária de parede, em letra cursiva e rabiscada, como toda boa professora de Artes deve ter.
— Ele pareceu sincero, na minha opinião.
— Eu também fui sincera.
— Dizer "Tá" depois de um pedido de desculpas não é bem uma frase.
— Eu tentei ser educada.
Cole apenas me observa, um sorriso brilhante e um tanto analisador se formando em seu rosto. Não sei se ele está tentando entender o que se passa comigo ou se realmente quer apenas encher a paciência.
— Às vezes sinto que nunca vou te entender, Anne — não completamente, pelo menos.
A professora, com seu jeito meio excêntrico, tira uma luminária de dentro do armário. Parece uma bola de vidro, delicada e simples, e eu me pergunto como diabos vamos transformar aquilo em algo útil.
— Não quero falar de Gilbert Blythe — vamos fazer essa luminária.
Ela começa a explicar o projeto, de forma entusiasmada, como se fosse algo extremamente importante. Teremos esta aula e a próxima para finalizar, já que um professor faltou e ela achou conveniente se apoderar do horário. Valerá dois pontos na média final e, o melhor de tudo, poderemos levar para casa.
Na mesma hora peso em Diana. Não sei se ela tem aula de Arte hoje, e não tenho ideia se isso ainda importa para ela, mas esses dois pontos poderiam fazer um estrago.
— Posso dar uma ideia? — pergunto para Cole assim que a professora termina a explicação.
— Vá em frente.
— Uma flor — podemos usar uma lâmpada amarela para parecer o estame.
— Onde podemos achar material para as pétalas?
— Podemos usar madeira.
— Talvez eles tenham algo nos projetos descartados de marcenaria — se quiser, enquanto você está procurando as pétalas, posso desenhar o projeto.
— Ótimo — mas onde fica a marcenaria?
— Bem, fica...
— Se quiser, posso mostrar. — diz uma voz atrás de mim, e eu me viro para ver quem estava falando. Era Billy, que estava na bancada ao lado e tinha ouvido a conversa.
— Não precisa, Billy. — Cole diz, com um tom claro de desagrado. Ele tenta esconder o incômodo, mas não consegue disfarçar a irritação em sua voz.
— Só ofereci porque também vou lá — não é Josie? — Billy pergunta, com um sorriso de lado que não me inspira confiança.
Ao lado dele, Josie, com um olhar cortante, estava inclinada sobre uma folha de papel, concentrada no que desenhava. Quando ouve seu nome, ela levanta um pouco o olhar, para me ver e franzir as sobrancelhas com raiva, antes de voltar à tarefa. Não consigo entender por que ela me odeia tanto, mas sei que a antipatia é mútua.
Cole apenas balança a cabeça, claramente desconfortável, e começa a pegar um pedaço de papel.
— Vamos? — Billy pergunta, parando ao meu lado.
Embora eu não queira, não vejo razão para recusar, já que estamos indo para o mesmo lugar. No fundo, eu preferiria ir sozinha, mas não quero criar mais conflito. Billy usa um casaco diferente dessa vez, fino e sem acessórios, exceto o brasão do colégio bordado no peito. Ele tem um estilo diferente, uma mistura entre conformismo e uma tentativa de se destacar de forma sutil. Ele parece o tipo de gente que não gosta de usar as próprias roupas para a escola, então criou seu próprio "uniforme", com peças vendidas pelo comitê de esportes da escola.
Enquanto caminhamos até a marcenaria, Billy se mantém ao meu lado, e o silêncio se alonga, pesado. Sinto a pressão do momento, a tensão crescente. Ele parece aproveitar a desconfortável convivência entre nós, como se estivesse tentando ler algo em mim, ou talvez buscando uma resposta que eu não estou disposta a dar.
Em determinado momento, Billy para de andar ao lado de uma porta azul e a abre, me dando espaço para entrar primeiro.
A sala está um pouco escura, com prateleiras altas e desordenadas, cheias de diversos cortes de madeira. A quantidade de prateleiras parece ajudar a surgir a sensação de claustrofobia. É um lugar enorme, aterrorizante pelo tamanho e semi-escuridão.
— Tem alguma ideia do tamanho que quer as madeiras? — Billy pergunta, fechando a porta atrás dele com um click.
— Pequenas, acho que cinco do tamanho de um palmo.
— Fica na penúltima prateleira da segunda estante— o que preciso fica mais perto da porta.
— Certo — obrigada pela ajuda.
— Por nada.
Vou até onde Billy me indicou e encontro o que preciso. A segunda prateleira acima da minha cabeça está cheia de peças de madeira desreguladas, e escolho as cinco melhores para o trabalho. Coloco as madeiras escolhidas em um espaço vazio da prateleira e tento organizar a bagunça, colocando a cesta de volta no lugar.
Enquanto tento encaixar tudo, minha cabeça é empurrada contra o móvel de metal. Eu congelo, sentindo o impacto e a dor, mas antes que eu tenha tempo de reagir, uma mão violenta dá um tapa forte nas minhas mãos, fazendo com que eu recuei instantaneamente.
— É o seguinte, sua porca idiota — não quero que você nem a puta da Diana se aproximem da Josie. Se eu ver vocês duas saretas perto dela, juro que vou fazer pior.
Ele empurra minha cabeça com mais força, fazendo o móvel bambear, mas não cair. Depois de um momento tenso, Billy se afasta, esfregando as mãos no casaco, como se quisesse limpar qualquer vestígio da violência que acabou de cometer.
Não olha para trás quando vai embora e fecha a porta, deixando-me ali, sozinha com o silêncio, o medo e o eco das palavras.
Sinto meu coração disparar, mas rapidamente volto para a realidade, escutando o eco da voz da Senhora Thomas dando ordens logo depois de me bater, me forçando a voltar para mim.
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Espresso Avonlea
FanfictionQuando Anne Shirley chega à pequena cidade de Avonlea, sua esperança de um novo começo é abalada por um engano administrativo que ameaça mandar sua vida de volta para o fundo do poço. Tudo isso com apenas meses antes de completar dezoito anos. Adota...