Capítulo 24

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Ana Flávia

O relógio do criado mudo marcava agora 21:30h, e me espantei por não ter visto as horas passarem. Reunindo toda a força de vontade e coragem que me restavam, levantei da cama e rumei para seu quarto.

Todas as luzes da casa pareciam estar apagadas. Talvez ele já estivesse dormindo. Caminhei devagar pelo corredor, testando meu controle a cada passo. Fui silenciosa, porque não queria que ele pensasse que eu estava perambulando pela casa que não era minha. Cheguei em seu quarto e empurrei lentamente a porta encostada.

Gustavo estava outra vez de pé, em frente à grande parede de vidro, encarando os carros que passavam muito abaixo de nós. Ele trajava um pijama branco, e parecia pensativo. Ao constatar que eu estava agora dentro do seu quarto, ele virou-se para mim, me encarando com uma expressão satisfeita, e não acusatória por estar invadindo seu espaço como pensei que seria.

– Está com fome?

– Não. - Respondi depois de testar minha respiração algumas vezes.

– Você precisa comer alguma coisa.

– Não preciso de nada.

Ele continuou me encarando, pronunciando cada palavra em um tom de voz tão calmo que chegava a ser invejável.

– Eu posso preparar alguma coisa pra você.

– Por que está me tratando como a sua boneca?

Ele me encarou surpreso.

– Eu não estou...

– Por que me trouxe pra cá?

– Não é óbvio?

– Não, não é.

Eu fazia força para que os tremores no meu corpo não afetassem minha voz, já que eu queria passar um mínimo de segurança.

– Eu quero que você fique aqui.

– Por quê? Pra tornar a brincadeira de me ignorar mais divertida?

– Não.

– Então por quê?

– Porque você tem que ficar aqui.

– Por que você não me dá motivos?

Ele suspirou.

– Eu preciso falar com você.

– Sobre o quê?

– Sobre mim.

Não, eu não fazia idéia do que ele tinha para dizer, mas o que quer que fosse, devia ser algo importante. Só pelo fato de Gustavo se prestar a manter uma conversa comigo, coisa que ele parecia tentar evitar a qualquer custo nas últimas horas, eu poderia dizer que suas palavras deviam ser dignas de atenção.

– Troque de roupa. Jeans não são confortáveis para dormir.

– Eu não estou com sono. Você me deixou dormir demais.

Outra vez, ele suspirou.

- Por favor?

Continuei encarando-o por algum tempo, mas finalmente tomei a iniciativa de atender ao seu pedido. Virei-me pronta para ir até meu quarto e pegar alguma peça de roupa, mas ele interrompeu meus movimentos quando se dirigiu novamente a mim.

– Não, não quero que você use aquelas roupas.

Encarei-o outra vez.

– Então o que quer que eu use?

Como resposta, ele tirou a parte de cima do seu conjunto e me estendeu o casaco, tão grande quanto o que eu havia vestido na noite anterior. O perfume era o mesmo, o que fez com que meu coração desse um discreto pulo fora de compasso.

De repente...Amor / MiotelaOnde histórias criam vida. Descubra agora