Capítulo 51

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QUARTO MÊS

Ana Flávia

Àquela altura, eu estava completamente transformada, e me transformava continuamente, dia após dia. Não era apenas pela aparência que se podia dizer isso. Embora minha barriga simplesmente houvesse resolvido crescer de uma vez só, compensando os quase três meses de disfarce, era também no meu humor que a gravidez se manifestava.

Se no início as mudanças bruscas de comportamento deixavam tanto Gustavo quanto a mim mesma um pouco confusos, agora elas pareciam nos pegar completamente de surpresa. Cheguei a ter medo de estar desenvolvendo algum tipo de bipolaridade, já que, às vezes, era uma questão de segundos para que meu humor mudasse radicalmente, com direito à lágrimas e berros. Mas o dr. Becker nos certificou de que aquilo era normal.

Aparentemente, Gustavo estava começando a ter um pouco de medo de mim. Claro que grande parte das vezes, quando brigávamos (sempre por motivos idiotas, porque meu humor resolvia entrar em crise) ele não respondia o que responderia normalmente só porque tinha medo que, insistindo na discussão, meu nervosismo atingisse níveis perigosos para a gravidez. Mas em alguns momentos eu realmente o notava um pouco tenso, sendo excessivamente gentil e manso. E mesmo que isso só me enervasse mais, ele parecia decidido a bancar o tipo de namorado "tudo-que-você-quiser,amor".

Ameacei-o de morte algumas vezes, e talvez porque eu parecesse sincera, em determinado momento ele passou a me sufocar menos. Me senti vitoriosa apenas até o momento em que seu pequeno afastamento trouxe uma sensação completamente absurda de abandono. Depois de muito drama, nós dois conseguimos balancear as oscilações que meu humor sofria, e então ele sabia quando era a hora de se afastar e quando era a hora de grudar em mim.

– Amor? - Ele gritou assim que ouvi a porta da sala ser batida.

– Quarto! - Gritei de volta, ainda me encarando no espelho enorme do closet apenas de calcinha e sutiã, exatamente o que estivera fazendo durante os últimos dez minutos.

Gustavo entrou já com o paletó na mão, desfazendo o nó firme da gravata em seu pescoço e parecendo cansado. Não me mexi, ainda encarando o espelho. Esperei que ele se pronunciasse parado ali atrás de mim, também encarando o nosso reflexo.

– Tudo bem? - Ele perguntou, me olhando como quem olha uma granada prestes a explodir.

Assenti com a cabeça, lutando contra o biquinho pré-choro que começava a se formar no meu rosto. Ele obviamente percebeu que não estava tudo bem, e por isso se aproximou, beijando meu pescoço de leve enquanto jogava despreocupadamente seu paletó e sua gravata em algum canto, envolvendo seus braços em mim logo em seguida.

– Tem certeza? - Gustavo insistiu, brincando com a ponta do seu nariz carinhosamente no meu ombro, mas ainda me olhando pelo reflexo com o máximo de cautela.

O choro veio até minha garganta e voltou. Meu queixo tremeu e meu biquinho se transformou em uma careta.

– Estou... horrível. - Consegui falar, tentando não tremer a voz.

Ele suspirou contra meu pescoço.

– Me diga exatamente qual parte em você está horrível. Porque eu não consigo ver...

– Eu toda.

A lágrima que brincava em um dos meus olhos caiu.

– Amor... - Ele começou, com sua voz suave e calma, que demonstrava toda a paciência de um monge budista - Você não consegue ficar feia.

– Eu estou gorda... E deformada...

– Você não está deformada. Mas se a nossa filha está aí dentro, sua pele e seus músculos precisam se esticar.

De repente...Amor / MiotelaOnde histórias criam vida. Descubra agora