Capítulo 2: Ecos do Passado

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Cristopher acordou na pequena casa dos funcionários do sanatório. A manhã mal começava, e o cinza pálido da luz que filtrava pelas cortinas deixava tudo com um tom de irrealidade. Ele havia passado a noite revisando as notas sobre seu primeiro dia com Seungmin, mas nada parecia encaixar direito. Havia uma lacuna evidente entre o prontuário oficial e o homem que ele encontrou na tarde anterior. Seungmin não parecia apenas doente. Ele parecia assombrado.

Cristopher vestiu-se rapidamente e saiu para o sanatório, passando pelos jardins mal cuidados e por pacientes que vagavam pelo pátio, supervisionados por enfermeiras severas. O peso do lugar já estava começando a se infiltrar em sua alma, como se o sanatório sugasse qualquer traço de otimismo que ele trouxera consigo. Ele pensou novamente em Seungmin— nos olhos dele, carregados de tristeza, mas também de resistência.

Ao chegar em seu escritório, Cristopher encontrou sobre sua mesa um arquivo antigo que pedira na noite anterior, contendo o histórico completo de Kim Seungmin. Decidiu que, antes de encontrar o homem pela segunda vez, precisava compreender o que havia acontecido de fato. Talvez, se conseguisse conectar os pontos de seu passado, pudesse entender o que estava destruindo o homem por dentro.

O terapeuta começou a folhear os papéis. As primeiras páginas eram burocráticas: nome, idade, detalhes da internação. Mas, à medida que avançava, as páginas seguintes contavam uma história muito mais sombria do que ele imaginara. Aos 18 anos, Seungmin foi internado pela primeira vez em uma clínica de reabilitação psiquiátrica em Londres. O relatório mencionava "colapso nervoso" após um escândalo em seu internato, mas os detalhes eram vagos. Havia uma nota intrigante: "Paciente demonstra sinais de trauma profundo não verbalizado. Tende a isolar-se. Reage violentamente a questionamentos sobre sua sexualidade e relacionamentos pessoais. Iniciado tratamento com terapia de choque."

Cristopher franziu a testa. Algo naquele breve relato soava mais cruel do que qualquer abordagem médica. Tratamento de choque para um jovem em colapso? A menção à repressão de suas emoções parecia o cerne de tudo. Mas não havia explicações sobre o que de fato aconteceu no internato, apenas um vago indicativo de um evento traumático.

Ele fechou o arquivo com um suspiro, as páginas ainda abertas em sua mente. Seungmin havia sido mais uma vítima de uma era que preferia enterrar os traumas do que tratá-los. Ele se levantou da mesa, decidido a enfrentar seu segundo encontro com o paciente de maneira mais direta. Precisava saber o que estava escondido por trás daqueles olhos.

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Quando Cristopher entrou na sala de terapia novamente, encontrou Seungmin exatamente como da última vez — sentado à janela, os ombros tensos e a cabeça ligeiramente inclinada para baixo, como se algo lá fora o mantivesse hipnotizado. O silêncio entre eles não era apenas desconfortável; era pesado, como se houvesse uma barreira invisível que o terapeuta precisava quebrar.

— Bom dia, Seungmin — disse o terapeuta, tentando um tom mais casual do que na primeira vez.

Seungmin não respondeu imediatamente, mas depois de alguns segundos, sua voz soou baixa, como um eco de algo distante.

— Você está procurando por respostas... mas só vai encontrar perguntas.

Cristopher sentiu um arrepio correr pela espinha. Havia algo perturbadoramente perspicaz em Seungmin. Ele parecia saber o que o terapeuta queria antes mesmo que ele formulasse suas perguntas. Ainda assim, Cris decidiu seguir em frente.

— Eu li sobre sua primeira internação — disse sentando-se à mesa, cruzando as mãos. — Sei que houve um... incidente. Algo no internato.
Por um momento, o rosto de Seungmin ficou tenso, suas mãos, antes imóveis sobre os joelhos, começaram a tremer ligeiramente.

Seus olhos, que até então estavam fixos na janela, finalmente se voltaram para Cristopher. Havia um brilho intenso neles, uma mistura de dor e raiva que quase saltava das profundezas de sua alma.

— Você não sabe de nada — sussurrou, sua voz tão baixa que Cris teve que se inclinar para ouvir. — Você acha que pode me salvar? Não há salvação aqui. Só eles... esperando...

— Eles? — perguntou intrigado. — Quem são "eles"?

O homem fechou os olhos por um longo momento, como se lutasse contra alguma memória que ameaçava emergir. Quando os abriu novamente, seu tom estava mais controlado, mas ainda carregado de uma tristeza palpável.

— As pessoas que me quebraram. Aquelas que deviam me proteger... mas me jogaram no escuro.

Cristopher percebeu que tinha alcançado um ponto sensível. Havia algo mais profundo naquele passado, algo que seu paciente carregava como uma cicatriz invisível, e qualquer tentativa de empurrá-lo além disso naquele momento poderia resultar em retração total.

— Eu não estou aqui para julgar. — Disse suavemente. — Estou aqui para entender. Para ouvir o que você tem a dizer, no seu tempo.
Por um instante, os ombros de Seung relaxaram um pouco, e Cris soube que estava ganhando a confiança do paciente — mesmo que apenas uma fração. O silêncio se instalou novamente, mas desta vez não parecia tão sufocante. Havia uma trégua implícita entre os dois homens, um reconhecimento mútuo de que a jornada que compartilhariam seria longa e cheia de sombras.

Enquanto Cristopher se preparava para encerrar a sessão, Seungmin falou mais uma vez, sua voz um sussurro quase imperceptível:
— Eu disse que eles falharam em me salvar, doutor... mas a verdade é que ninguém me salvou.

Cris se levantou devagar, sem saber como responder. Ele apenas assentiu, respeitando o momento, antes de sair da sala, deixando Seung sozinho com suas sombras e memórias. Mas o terapeuta sabia que a porta estava agora entreaberta. O passado dele começava a emergir, e ele sentia que, a cada passo dado, ele próprio se envolvia mais nesse mistério.

Entre as sombras e o silêncio | chanminOnde histórias criam vida. Descubra agora