No compasso da desilusão.

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A calmaria reinava dentro daquele quarto na manhã cinza e turbulenta de quarta-feira. Exatamente uma semana depois da nossa chegada, com ventos muito semelhantes aos do dia que pousamos, e a mesmíssima sensação de o que é que eu tô fazendo aqui?!

Sozinha e largada lá dentro, fui deixada à esmo com a arma mais fatal inventada pela humanidade: meus pensamentos. Cruéis, brutos, ferozes e bárbaros. Muito bárbaros.

Fui atacada por mim mesma de novo e novo, condenando cada ato da noite passada como uma juíza injusta de sentenças fatais. Minhas vozes rapidamente acabaram se misturando com as de Vinícius, que mesmo de longe deixava sua presença forte e pesada por entre as quatro paredes do cômodo, e a coisa saiu do controle. Eu ainda sentia sua raiva, seu desgosto, todo o seu rancor e ódio muito bem direcionado a mim, e as palavras também acompanhavam os sentimentos.

A minha caminhada da vergonha de volta pro quarto pela manhã foi... um fiasco. Pra dizer o mínimo, o mínimo mesmo.

Em dado momento temi que algum funcionário se esgueirasse pela porta pra dar fim na origem dos gritos em plena sete horas da manhã, mas por sorte me livrei desse karma ruim.

Eu deixei que o Vinícius extravasasse tudo, tudinho, porque eu realmente merecia ouvir tudo aquilo. Saindo daquele motel, fui apossada por uma onda de desorientação guiada pela plena culpa que fez o meu trenzinho desandar. Eu precisei mascarar parte daquilo pra que o meu marido não formalizasse um pedido de divórcio logo que cheguei na nossa suíte, claro, mas foi difícil manter o ato.

Eu me agarrei a minha única saída, a Maristela, e joguei toda aquela bagunça nela: a ninfa profana, cínica, mal-intencionada e manipuladora que encontrou uma presa fácil para conduzir aos maus caminhos da vida.

E até que... funcionou. Pelo menos um pouco. Eu ainda ouvi, ouvi muito, e pro Vinícius era inadmissível uma mãe de família fazer o que eu fiz. Nem precisou de muito pra entrar na minha cabeça e me envenenar com aquela... coisa horrorosa que era o sentimento da deslealdade. Enfim.

Minutos extensos de discussão e inúmeras peças de roupa lavadas depois, meu esposo se viu cansado de mim e da minha cara de tonta, como ele mesmo diz. Saiu de casa ainda cedo, e por um milagre divino levou as meninas também.

Sendo forçada a encarar as consequências dos meus próprios atos, depois de tanta agonia eu decidi abrir espaço na agenda do sofrimento pra um pouco de ajuda. Era mais um pedido de clemência ou de misericórdia à alguém que, não importa o quando ou o onde, estaria ali pra limpar minha barra. Mesmo que por telefone.

Depois de cinco longas e esperançosas batidas, o que pareceu uma eternidade de sofrimento e angústia, um confuso Alô? ecoou do telefone quando a Alessandra atendeu a chamada.

Em tese eu deveria ter me tranquilizado ao notar que ela estava disponível e presente, pronta pra me ajudar mesmo que de forma remota, mas a teoria sempre difere muito da prática.

Se estendeu um silêncio sepulcral por pelo menos três minutos, e eu não tinha pressa de quebrá-lo, mas a impaciência da minha amiga me empurrou da beira. Falei sob pressão.

— A gente transou.

Silêncio de novo. Trilha sonora de plateia: grilos grilando, suspiros e arfares, piscadelas e tudo. Me embrulhou o estômago.

— Você me ligou pra dizer que deu pro seu próprio marido, Giovanna? — por um instante esqueci que minha melhor amiga não podia ler minha mente, por mais que chegasse muito perto.

Solstício de Dezembro. Onde histórias criam vida. Descubra agora