Distância

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Distância

Curitiba, Fevereiro de 2024.

POV MARAÍSA

Deixei a câmera de lado e tomei um gole de água. Quando pensei que Marília iria se afastar, ela puxou outro assunto. Não que eu não quisesse conversar com ela, no fundo, eu queria, mesmo sabendo que não devia. Mas se ela se mantivesse longe por vontade própria, me ajudaria muito.

-A Mila tá fazendo um sucesso na agência, ein! -exclamou.

-É, e isso me preocupa.

-Por que?

-Você sabe, esse meio é cruel. A Mila é só uma menininha, não quero que ela se machuque.

-Com uma mãe tão dedicada como você, tenho certeza de que nada de mau acontecerá.

Não sou a melhor mãe do mundo, não tanto quanto gostaria de ser, não tanto quanto a Mila merece.

Ao ouvir suas palavras, sem graça, desviei o olhar e fixei um ponto vazio no chão. Eu não merecia nenhum elogio referente a maternidade porque já havia tirado demais da Mila, já havia sido egoísta demais com ela. Todas as questões que aquele assunto levantava, pelo menos diante da Marília, me fizeram murchar. E pra piorar as coisas, ela continuou ali, tocando naquele ponto.

-É uma pena que a vida não tenha nos dado essa chance. Pelo menos não pra mim. -murmurou com fragilidade, uma fragilidade que me fez ter vontade de abraçá-la.

Marília não podia engravidar e isso sempre foi algo que a afetou imensamente.

-Você vai ter outras oportunidades.

-Não, não vou. Nunca mais vou encontrar alguém como você.

Apertei os olhos e abaixei a cabeça, a ponto de comer a chorar. Era tudo culpa minha e era uma culpa que dilacerava.

-Não ter dado certo foi o melhor que podia nos acontecer. Eu não sou uma boa mãe, não tanto quanto você pensa.

Aos poucos, senti Marília aproximar sua cadeira da minha, pronta para me passar conforto. Não recuei, não recuei porque eu precisava disso, e ela também.

-Por que está falando assim?

-Porque cometi muitos erros.

-Todos cometem erros, ninguém é perfeito. Mas eu sei que fez o melhor que pôde, sempre pensando nela.

-Não, não fiz.

Egoísta, é isso que eu sou.

Desconfortável, desviei o olhar, abaixei a cabeça e deixei as palavras morrerem nos meus lábios. Num gesto inesperado, seus dedos levantaram o meu queixo e, tempo depois e com muito custo, consegui olhá-la. Enquanto observava minuciosamente o seu rosto, desde os seus olhos até a sua boca, senti vontade de beijá-la. Como era possível que, depois de tantos anos, eu ainda sentia vontade de ter a sua boca na minha?

-Você é ótima. -murmurou. -Sempre foi. E como mãe, deve ser melhor ainda. Não se cobre tanto, tá? Seja mais delicada consigo mesma, mais gentil e mais amorosa, é o que você merece e o que sempre mereceu.

Suas palavras, somadas ao seu toque e a nossa proximidade, não me ajudaram em absolutamente nada. Marília me olhava de um jeito intenso, como sempre havia feito, e parecia sentir o mesmo que eu.

Aos poucos, enquanto processava suas palavras, senti que ela estava pronta para fazer o que o meu ser por inteiro ansiava. Num primeiro momento, fechei os olhos e esperei, quase sendo capaz de sentir o seu gosto. Porém, logo, um lampejo de consciência me atingiu e fez meu corpo recuar.

Entre o Presente e o Passado - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora