Começou a chover por volta das nove e meia, e isso desanimou ainda mais Nely. A ideia de passar uma semana isolada em uma fazenda no meio do mato já a desagradava profundamente, ainda mais com chuva. Seria tediante, insuportável. Tudo o que ela não queria. Aquilo podia trazer à tona as lembranças do passado, que ela fazia força para que ficassem enterradas no profundo de sua mente. Tinha sido numa fazenda, a fazenda de Valdir, o irmão do noivo de Érika, que tudo acontecera há dois anos.

Nely já começava a se arrepender de ter vindo naquela viagem, mas agora já era tarde demais. Eles já estavam na estrada.

Tudo o que ela podia fazer era se conformar e tentar fazer o tempo passar da melhor maneira possível. Afinal, era apenas uma semana, e, se aquela chuva persistisse por mais de dois dias, ela poderia encorajar o pessoal a desistir da coisa e cair fora.

Nicolas dirigiu pela cidade por alguns minutos e pegou a rodovia. Logo a cidade foi ficando para trás e, com ela, a segurança que a casa lhe proporcionava. Agora Nely sentia-se vulnerável, como se estivesse, de alguma forma, abaixando a guarda, saindo daquela redoma de segurança que ela criara ao redor de si.

Mas, afinal, o objetivo de tudo aquilo não era exatamente isso? Não era de fato sair da redoma para que ela pudesse viver sua vida longe das lembranças do passado?

Ela precisava viver, e aquelas pessoas estavam ali para que ela pudesse começar a fazer isso, então era melhor dar uma chance. Nely relaxou e olhou para Nicolas.

— E essa chuva agora?

— É só para esfriar. Acho que vai parar logo, e se não parar, temos bastante coisas para fazer lá. A casa tem TV e vídeo, tem uma biblioteca. Você adora ler, não é?

— Sim.

— Vai dar tudo certo. — Nicolas sorriu.

Nely pedia a Deus que desse realmente tudo certo, afinal não havia motivos para isso não acontecer.

Nicolas passou por um posto de combustíveis, mas seguiu viagem.

— Não vai abastecer, Nicolas? — perguntou William.

— O tanque tá cheio, cara. Pode relaxar.

— É muito longe a tal fazenda? — inquiriu Nicole.

— A gente chega lá daqui a pouco. Não é tão longe assim.

Sandra colocou fones de ouvido e ligou o walkman. Nely olhou para ela e sorriu. Ela ergueu o vidro e tentou relaxar.

Nicolas ligou o rádio e colocou um CD. A música encheu o ambiente da van e ajudou a aliviar a tensão que parecia ter se formado por causa da chuva. Uma boa música era algo que animava, de certa forma.

Seguiram em silêncio pelo resto da rodovia. Na serra, a chuva parecia cair com ainda mais intensidade. Nicolas diminuiu a velocidade.

No quilômetro 83 da rodovia, eles passaram por um posto do corpo de bombeiros da polícia militar. Ali havia radares. Nicolas diminuiu ainda mais a velocidade.

Havia um bombeiro perto da estrada trocando o pneu dianteiro de uma velha Toyota Bandeirante.

Nicolas buzinou e seguiu viagem.

O posto dos bombeiros ficou para trás. Eles seguiram por pelo menos mais uns vinte quilômetros. Nicolas pisou no freio e deu seta para virar à esquerda. Eles entraram por uma estrada não pavimentada e os sacolejos começaram, acordando quem estava dormindo ou cochilando, como Nely, que olhou para fora e viu que continuava chovendo e que agora eles estavam cercados pela mata nativa e fechada.

Nicolas olhou para ela e sorriu.

— Agora falta pouco. Só temos que vencer essa estradinha aqui.

— Esse carro não vai ficar atolado nessa estrada? — perguntou Sandra, preocupada.

— Eu espero que não. Mas, se ficar, o máximo que teremos que fazer é empurrar. Mas acho que vai dar tudo certo.

— É muito longe daqui até a fazenda, Nicolas? — inquiriu Márcio.

— Uns quinze quilômetros.

— Esse lugar é distante de tudo — observou Darlene. — Parece um buraco.

— Relaxa, gente. Vocês vão gostar do lugar. Tem um lago enorme lá que dá para pescar.

— Tem lago? — indagou William. — E você não me avisou? Eu teria trazido umas varas.

— Acho que deve ter lá. E, se não tiver, tem alguns bambuzeiros. Podemos fazer varas de bambu, e eu estou trazendo linha e anzóis.

— Você pensa em tudo, hein, cara.

— Pode crer, meu chapa.

Nely olhou mais uma vez para fora e viu apenas a densa floresta que ladeava a estrada. A impressão que teve era de que a floresta queria desabar sobre eles. Ela sentiu-se sufocada; um princípio de pânico quis dominá-la. Ela fechou os olhos, sua mente viajou para o passado e ela ouviu gritos, os gritos pavorosos de seus amigos que Coder tinha matado na fazenda em Sapucaí Mirim. Um banho de sangue terrível que a apavorava e visitava seus sonhos durante a noite.

Ela voltou a abrir os olhos, pensando que a visão da floresta era uma coisa bem melhor de se ver.

Nicolas diminuiu a marcha e avançou impassível pela intrincada estrada que ela achava que ia dar no fim do mundo.

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