Ela estava de volta à fazenda. Mas então percebeu que aquela não era a fazenda onde Coder matou seus amigos em 1997; era a fazenda alugada por Nicolas, o lugar onde eles passariam o fim de semana, um lugar que ela não conhecia, mas, de alguma maneira, sabia que era.

O lugar era cercado por uma densa floresta. Nely caminhava por uma aléia estreita, e já era quase a hora do crepúsculo. O sol já se escondia por trás das montanhas que rodeavam a fazenda, e produzia sombras estranhas. As árvores tinham um aspecto estranho, ligeiramente sinistro, pareciam vivas; era como se tivessem rostos sombrios, rostos que emitiam uma expressão de pânico, como de almas agonizantes. Enquanto caminhava, era como se ela pudesse ouvir o som daquela agonia. Não havia o som dos pássaros que deviam povoar a floresta, era um lugar morto; ali só havia o som das almas em eterna agonia, os mortos que agora estavam presos nos troncos deformados daquelas sinistras árvores.

Nely foi caminhando pela interminável estrada, e as árvores se fechavam sobre ela, formando um túnel.

Ela percebeu que estava usando uma camisola branca. Havia uma enorme mancha circular de sangue bem no abdome. Ela sentia o vento gélido que soprava vindo da sombria floresta penetrando por baixo da camisola e tocando seu corpo nu. Era como o toque gelado da morte.

Nely continuou caminhando e avistou um imenso portão velho. Heras cresciam em profusão pelas pilastras e pelo muro, entremeando-se pelas grades enferrujadas do portão.

Havia uma placa pendurada no portão. De onde estava, ela não conseguia vislumbrar o que estava escrito nela.

Uma mulher estava parada diante do portão, esperando por ela.

Primeiro, Nely pensou que fosse Érika. Sua querida amiga Érika não havia morrido e a esperava de braços abertos. Ela chegou a sorrir com a ideia.

— Oh, Érika! Que saudade!

Mas então ela se aproximou e viu que não era Érika. Era a cigana, a cigana que ela encontrara na lanchonete em Tremembé naquele dia em 97.

(Má sorte).

— Não entre aí, sua tola — a voz era amorfa, como se a mulher estivesse falando de dentro de um caixão.

Nely percebeu que, no lugar dos olhos, ela tinha órbitas escuras e vazias, com sangue escorrendo dali.

— Não entre aí, sua tola. A morte está aí!

A mulher apontou para o portão. Nely olhou para lá e viu a placa e o que estava escrito nela: uma caveira com dois ossos cruzados, como uma bandeira pirata.

Nely olhou para trás e não viu mais a cigana, nem a floresta, muito menos a estrada. Lá atrás, havia apenas a escuridão.

O céu agora estava escuro, relâmpagos e trovões o povoavam, e uma tempestade começou a cair.

Nely avançou pela estrada e, pouco tempo depois, avistou a casa. Mas não era uma casa qualquer, era uma casa assombrada, uma casa de pesadelos.

Era completamente negra, e imensa. Suas janelas (e havia muitas) estavam acesas e se pareciam com olhos, olhos que a perscrutavam. Nely sentia-se observada. Alguma coisa (Coder) a sondava oculta nas sombras.

Nely sentiu o terror aflorar-lhe à pele. Ela sentia a maldade vinda da casa, ouvia os gritos de pânico que emanavam de seu interior.

Ela não queria entrar, precisava fugir.

Olhou para trás e viu apenas a tenebrosa escuridão. Sua única opção era caminhar para a frente, ir em direção à casa, e foi o que ela fez.

A estrada ia dar num vasto pátio cimentado e seguia em frente, desaparecendo na escuridão convulsa da noite tempestuosa. Um lance de escadas levava até a porta da frente da casa à esquerda, à direita ficavam alguns bancos de cimento. Nely viu um imenso lago; à noite, a coloração da água parecia sangue.

Ela olhou para a casa.

As imensas portas envidraçadas se abriram. Os gritos vinham lá de dentro como um bafo fétido batendo em seu rosto.

Nely foi praticamente tragada para o interior obscuro da casa, e as portas se fecharam atrás dela.

*****

Lá dentro havia o terror.

Havia sangue por toda a parte, sangue misturado com pedaços de corpos humanos em decomposição. Larvas retorciam-se pelo chão. O cheiro era terrível e penetrava até sua alma.

O sangue vertia das paredes e formavam palavras obscuras,
( EU SEI ONDE VOCÊ ESTÁ )
pingava do teto, manchava as lâmpadas que estavam acesas e pendiam como pêndulos produzindo sombras que dançavam de maneira sinistra por corredores abarrotados de cadáveres.

Seus amigos estavam lá, todos os que morreram, e também aqueles que ainda estavam vivos, estavam mortos mas apesar disso ainda estavam vivos, uma forma terrível e amaldiçoada de vida.

Nely gritava em estado de total pânico enquanto caminhava pelos apinhados e fétidos corredores. Os cadáveres estendiam braços flácidos, a carne apodrecida pendendo dos ossos, e pediam por ajuda. Alguns queriam pegá-la, queriam devorá-la.

Os gritos de terror eram pavorosos e enchiam a esfera da casa, penetravam em sua mente e faziam sua cabeça latejar.

Nely jogou-se no chão, encolheu-se em uma posisão fetal e começou a gritar tentando tapar os ouvidos.

A casa girava diante de seus olhos. Um círculo de horrores pavoroso que dominava sua mente.

A coisa passou.
H no meu
Nely estava agora em um quarto. Havia uma música de ninar tocando de uma caixinha de música, uma pequena bailarina interpretava o lago dos cisnes com majestosa maestria.

Nely permaneceu ainda algum tempo encolhida no chão e então se levantou.

Havia uma cama, ela estava em um quarto parcamente iluminado. Havia um agridoce e ligeiramente enjoativo cheiro de tralco no ar.

Havia um homem deitado sobre uma cama. Uma garota estava sobre ele esfaquiando-o, o sangue emanava aos jorros enquanto o homem se estribuchava.

A garota olhou para Nely e esta viu que era Angélica, a pequena Angélica que conhecera em 1974 na escola. Ela sorriu. Era um sorriso diabólico, e psicótico. Ela havia feito maquiagem, mas uma maquiagem exagerada, seus olhos estavam pintados de vermelho como se ela fosse uma palhaça. Angélica de 10 anos estava usando um sutian branco e uma calcinha vermelha.

Nely percebeu a presença de mais duas pessoas no quarto. Eram dois garotos, estavam nús. De alguma maneira ela sabia que eram Codder e... Nicolas. Nicolas devia ter a mesma idade de Angélica. Os dois estavam pelados e Nicolas fazia sexo oral em Codder.

— Isso meus amores. - Disse Angélica, sua voz era sinistra. Não parecia a voz de uma criança de dez anos. — É assim que eu gosto meus amores.

Nely se levantou e ficou olhando aquela cena bizarra.

Foi quando sentiu uma presença atrás de si.

Sentiu-se gelar de alto abaixo, e bem lentamente olhou para trás.

Ela viu...

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Nely deu um salto na cama e simplesmente acordou. Ela estava suando, seu coração palpitava.

— Jesus Cristo!

Aquele tinha sido o sonho mais perturbador que já tinha tido, e  a parte final era a coisa que mais a assustava.

Olhou para o criado mudo ao lado e viu uma Bíblia. Pegou-a e a abraçou.

Nely sentia medo. Medo do sobrenatural.

Aquela coisa que vira no final do sonho. O que era aquela coisa?!

Era... era...

Ela não sabia. O sonho já começava a se dissipar na sua mente.

Eu ainda sei onde você está Onde histórias criam vida. Descubra agora