O Que Nunca Dizemos

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Karine acordou de madrugada, sentindo a presença de Isadora ao seu lado, seus pensamentos ainda embaralhados pela sensação de proximidade e um receio silencioso. Observou a jovem dormindo, a tranquilidade de seu rosto suavizando as linhas da inquietude que havia entre elas. Sentiu um desejo profundo de proteger e de estar presente para ela, mas também uma culpa.

Os primeiros raios de sol entraram pela janela, e Karine desviou o olhar para a cidade que começava a despertar. Tentou se convencer de que não havia nada de errado na cumplicidade que criaram, mas algo em seu peito lhe dizia que precisavam de uma conversa franca.

Quando Isadora acordou, o olhar ainda meio sonolento encontrou o de Teles, que a observava com um sorriso gentil e depositou um beijo delicado em sua testa.

Sem dizer nada, a jovem aproximou-se e, ainda envergonhada, sentou-se ao seu lado, desejando que aquela manhã trouxesse mais respostas.

A atriz não pôde deixar de notar a delicadeza de Isadora, que se esforçava para transmitir maturidade, mas cujo olhar ainda refletia a vulnerabilidade de uma jovem.

— Às vezes, Isa, eu me sinto como você, dividida entre o que a vida pede e o que eu realmente quero. – Karine falou, olhando pela janela como se visse muito além da paisagem.– A arte, as decisões difíceis, os compromissos... tudo isso vai se acumulando e, de repente, você percebe que não tem mais controle.

Isadora olhou para Karine, e nos olhos da atriz ela enxergou mais do que apenas alguém bem sucedida. Viu a solidão que ela carregava, a luta para encontrar um espaço próprio num mundo que exigia tanto dela.

— Eu entendo – disse em voz baixa.– Na minha idade, todo mundo espera que eu saiba exatamente quem sou e o que quero para o futuro, mas eu só quero viver, descobrir as coisas aos poucos. E é como se você... como se você fosse a única pessoa que entende isso.

Karine suspirou, sentindo-se mais exposta do que jamais estivera em qualquer palco. Essa jovem à sua frente lhe trazia um sentimento que era ao mesmo tempo familiar e novo. Era como se a adolescente mostrasse uma versão dela mesma que há muito havia deixado para trás, uma versão mais pura, que ainda acreditava em possibilidades.

A conversa seguiu por horas. Elas falaram sobre o passado, sobre os medos e os sonhos, sobre as frustrações e os traumas. Encontrou em Karine uma escuta compassiva; e Karine, por sua vez, pôde se abrir sobre o desgaste de viver sob expectativas, sobre as dificuldades financeiras que escondia por trás da fachada de sucesso, sobre o peso de manter o legado de sua família.

— Sabe, eu tento parecer forte, como se nada pudesse me abalar, mas, na verdade, eu também me sinto só muitas vezes.

Isadora segurou a mão dela, e naquele gesto havia mais do que um simples consolo. Era como se ela quisesse mostrar a Karine que, apesar de toda diferença de idade e experiências, ela também poderia ser seu porto seguro.

O tempo parecia ter parado, e ambas perceberam que, de alguma forma, seus encontros casuais haviam se transformado em uma necessidade mútua.

Quando o relógio indicava que já era hora de Isadora voltar para casa, uma sensação de perda invadiu o cômodo.

— Você precisa ir agora?
— Preciso, mas não quero.

Karine a acompanhou até a porta, prestes a sair, a atriz puxou para um abraço, dessa vez mais apertado, mais longo, como se quisesse transmitir tudo que ainda não havia dito.

— Promete que vai cuidar de você, pequena? – murmurou com a voz embargada. –

Isadora assentiu segurando as lágrimas.

— Você também, Karine... e não se esquece de que eu estou aqui. Para o que você precisar.

Depois que a mais nova partiu, Karine fechou a porta e se deixou deslizar até o chão, sentindo a intensidade de cada palavra e de cada momento que viveram naquela manhã, era como se algo dentro dela tivesse sido finalmente revelado, e ao mesmo tempo, uma parte sua fosse deixada com Isadora.

Nos dias que seguiram, tentavam retomar a rotina, mas aquela conversa as haviam mudado. Enquanto, Teles trabalhava em seu roteiro cada vez mais, percebia que sua arte agora trazia nuances de sentimentos novos, e Isadora, mesmo tentando focar nas aulas e nos livros, sentia um vazio, como se uma parte de si ainda estivesse na casa da mulher, naquele instante onde as palavras, o silêncio e os olhares haviam falado mais do que qualquer discurso.

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O Perigo e a Perdição - Karine TelesOnde histórias criam vida. Descubra agora