Capítulo 35 - O pesadelo começa - Renata Lopes

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O som dos pássaros ecoava na minha mente enquanto eu me despertava lentamente. A pele ardia levemente com o toque da luz do sol, e eu precisei piscar várias vezes até me acostumar com a claridade. O cenário ao redor se revelava como uma pintura, com o lago à frente reluzindo sob os primeiros raios de sol. A água brilhava com a luz dourada, e as árvores, com folhas alaranjadas e avermelhadas, formavam uma moldura perfeita para o lugar. A brisa era suave, mas trazia consigo o frescor do outono, tornando o momento quase mágico.

Senti dedos leves e carinhosos deslizando pelos meus cabelos. Quando virei o rosto para ver quem era, os lábios de Oliver se encontraram com os meus, de um jeito doce e inesperado, mas cheio de intensidade. Não sei exatamente em que momento me deixei cair nesse sentimento por ele. Tudo o que eu sabia era que queria manter o que sentia como uma simples paixonite, sem me envolver demais, pois o medo de me machucar novamente sempre estava ali, à espreita.

— Bom dia... — ele murmurou, a voz rouca e carregada de um tom que me fazia estremecer.

Abri os olhos devagar, sentindo meu coração bater um pouco mais rápido enquanto ele me olhava daquele jeito, como se cada segundo com ele fosse um momento suspenso no tempo.

— Você estava me observando dormir? — perguntei, tentando disfarçar a surpresa no tom.

Oliver riu, e o sorriso sarcástico dele iluminou ainda mais seu rosto.

— Eu te observei de tantas maneiras... que você nem pode imaginar — ele respondeu, e a mão que estava em meus cabelos deslizou até minha cintura, apertando-a de leve antes de subir de volta ao meu rosto.

A carícia dele era quase hipnótica, e fechei os olhos por um instante, deixando-me perder nesse toque que sabia ser perigoso, mas irresistível.

Ao abrir os olhos, notei que ele já estava mais à frente, de pé sobre as folhas secas que estalavam sob seus pés. O cabelo loiro dele, um pouco bagunçado pelo vento, caía sobre os olhos cheios de segredos. Algo nele sempre me atraía, algo profundo, misterioso, como se houvesse muito mais por trás daquele jeito seguro e autoconfiante.

A imagem dele ali, com o olhar sereno e ao mesmo tempo cheio de intensidade, me fazia lembrar da noite anterior. Não era apenas o calor, a tensão entre nós dois, mas o jeito como ele me fazia sentir, como se estivéssemos completamente entrelaçados, física e emocionalmente, mesmo que eu tentasse resistir. Eu sabia que daria tudo para ter aquela sensação outra vez, mas algo dentro de mim também lutava para manter o controle, para não me entregar demais.

— Então, vamos? Eu te deixo em casa — ele perguntou, com um tom de leveza que contrastava com o turbilhão de pensamentos que ele despertava em mim.


❦ ❦ ❦


Ao abrir a porta do apartamento, entrei retirando os saltos e dando um leve chute na porta para fechá-la. Soltei o acessório da fantasia de Halloween, que estava emaranhado nos meus cabelos, e o deixei sobre a mesa de centro da sala de estar.

Caminhei devagar até a cozinha, onde abri a geladeira e peguei uma garrafa de vinho. Me aproximei da bancada, pegando uma taça, e servi um pouco de vinho. Encostada na bancada, levei o vidro aos lábios, tentando me distrair, mas as imagens de Oliver me consumiam, intensas e insistentes. Ele entre minhas pernas, o calor de seu corpo, o jeito como ele se movia contra o meu... Cada memória parecia latejar com a presença dele, mas então uma certeza me fechou num arrepio súbito.

Eu não tinha deixado a porta aberta.

O susto me tirou o fôlego, e a taça deslizou dos meus dedos, estilhaçando-se no chão. O som do vidro quebrando pareceu se mesclar ao clique da luz que de repente se acendeu na cozinha. Meus olhos focaram a figura à minha frente, como se eu precisasse de um momento para entender o que estava vendo. Ao tentar recuar, senti seu aperto firme, segurando meu pulso e me prendendo contra a ilha da cozinha.

— Eu esperei por esse momento... e você vai me escutar — a voz dele soou fria e cortante, cada palavra perfurando meu peito.

Minha respiração vacilou.

— Christian...— murmurei, e o nome soou fraco, seco na minha garganta.

Ele ergueu o olhar com um sorriso calculado, deixando que eu notasse os traços de maquiagem que cobriam seu rosto, um desenho de caveira macabro que contrastava com o brilho perigoso em seus olhos.

— O que você quer? — perguntei, tentando conter o tremor na voz enquanto levava as mãos ao peito dele, em um gesto desesperado de me afastar, mas era impossível. Com a ilha atrás de mim e Christian me pressionando, eu estava encurralada.

— Creio que você precisa entender mais disso do que eu, branquinha — ele respondeu, usando aquele apelido antigo que sempre soará doce e íntimo, mas que agora me causava náusea.

Ele ergueu uma pasta amarela na altura dos meus olhos e a deixou cair sobre a ilha com um ruído seco. Algumas folhas escorregaram da pasta e se espalharam sobre a superfície fria. Christian deu um passo para trás, e meu corpo relaxou o suficiente para que eu me virasse para examinar as páginas. Mas o que encontrei na primeira delas me fez gelar.

Oliver Thauvin, li, e meu coração disparou. As palavras dançavam na minha frente. Tremendo, folheei algumas páginas com rapidez, esperando, desejando que fosse alguma armadilha, algum jogo doentio de Christian. Mas não era. Os nomes saltavam aos meus olhos, desenhando um quebra-cabeça assustador.

— Clara e Rodrigo Lopes... — sussurrei, o peso daquelas palavras me atingindo como uma pedra.

As páginas traziam detalhes que eu achava enterrados há tempos. A saliva desceu cortando minha garganta enquanto eu folheava mais rapidamente. A dor começou a latejar em minhas têmporas enquanto uma compreensão terrível me invadia. Christian permanecia em silêncio, observando-me em cada segundo da minha aflição, como se saboreasse minha reação.

A última folha se destacou das demais.

Apenas... uma sobrevivente... a filha do casal Lopes. Minhas mãos tremiam tanto que quase deixei a folha cair. Mas as informações continuavam, cada palavra se aprofundando como uma faca. A última anotação foi a que me dilacerou de vez.

A família Thauvin pode ser a principal suspeita. Anotado em negrito bem no centro do documento.

Levantei o olhar para Christian, e sua expressão era séria, sem qualquer traço de simpatia. Meus olhos lacrimejavam, uma lágrima quente escapou pelo meu rosto e senti o peso de todo aquele conhecimento desmoronando sobre mim.

— O que...? — as palavras mal saíram, abafadas pelo nó na minha garganta.

Sem esperar por uma resposta, voltei-me para as folhas, examinando-as rapidamente, buscando algo, qualquer detalhe que pudesse me dizer que aquilo era uma farsa, que nada daquilo era real. Mas era real demais. Em uma das páginas, vi o inquérito policial original, e os olhos me traíram, focando em uma imagem... uma imagem do acidente. Meus pais. Aquelas fotos da cena do crime, as manchas de sangue, o olhar vazio da minha mãe e meu pai naquele dia.

Meu corpo cedeu, e antes que pudesse perceber, senti o chão frio contra meus joelhos. O peso do passado e de toda a revelação foi demais para me manter em pé. Uma onda de desespero e dor me envolveu, e tudo o que consegui fazer foi liberar um grito primal, algo que carregava anos de dor, senti os braços de Christian ao redor de mim, sustentando-me de um jeito estranho, quase protetor. Ele me envolveu em um abraço firme, pressionando meu corpo contra o dele. Ali, naquele momento, a dor se transformou em um grito, um lamento por tudo que me fora tirado. Aquele grito carregava a perda de meus pais, os anos de incerteza e, agora, a devastadora descoberta sobre Oliver.

Oliver...esse era o nome do meu real...pesadelo.

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⏰ Última atualização: 3 days ago ⏰

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