The Walk (Celltw).

Estranheza.

Rafael Lange

Tudo aconteceu de maneira repentina, mas já era de se esperar algo do tipo vindo de uma pessoa que quer intimidar, mas tem medo de mostrar as caras. Difícil será provar que foi ele quem fez isso, principalmente se alguém estiver ajudando por trás, o que é bem provável. Mikhael já provou ser medroso o suficiente para precisar mandar outras pessoas em seu lugar para colocar seus planos em ação, e até mesmo, assumir pelos diversos crimes que ele vem cometendo ao longo dos anos. Sua ficha criminal é limpa por manipulação. Sua solução sempre é o suborno. Mas, me pergunto: E quando o dinheiro não for mais suficiente? Ele estará em uma rua sem saída. Sei que preciso ser paciente e encarar a situação com consciência. Não posso dar um passo em falso, senão, poderia ser a oportunidade perfeita para tudo dar errado. Existe muita coisa em minha responsabilidade e isso é bem mais sobre o Tarik do que sobre mim. Se não fosse por ele, não estaria fazendo nada disso. Quero que ele tenha sua paz de volta. E se um problema o aflige, também se torna algo pessoal meu. É assim que amigos devem agir, além de tudo. Não tenho pressa com a nossa relação, principalmente por ter esperado tanto tempo. Quero que tudo seja natural o suficiente para Pacagnan se sentir confortável. Sei que foram dois anos difíceis, para nós dois, mas quero que o tempo seja recompensado.

Mais um dia finalizado no trabalho e estamos voltando para casa, enquanto a neve cai sobre nós. Não tentamos correr ou fugir dela. Faz muito tempo que não temos um momento descontraído e feliz, por isso, começamos a agir feito crianças pelas ruas, enquanto aproveitamos, mesmo estando muito frio. Após minutos significativos, entramos em uma loja, afim de comprarmos algo para o nosso jantar. De vez em quando, gostamos de preparar algo diferente. Sei que o meu salário não é um dos melhores. Mikhael pode o proporcionar muito, mas faltou o mais importante: Amor. Não me sinto inseguro por receber tão pouco comparado ao seu esposo. Muito pelo contrário, me sinto satisfeito em pensar que não vivo apenas por dinheiro e carreira, assim como Linnyker. No fim da noite, Tarik está comigo e assim irá continuar sendo até o fim de nossas vidas. Daqui para frente, vejo apenas coisas boas e positivas. Não tivemos os melhores dias nesses últimos meses, mas as coisas vem melhorando gradualmente. Não precisamos de muito para se sentirmos genuinamente felizes. Estamos colecionando momentos simples, mas que lembraremos por muitos anos. Foi questão de tempo para estarmos dentro de nossa casa, nos aquecendo na lareira.

— O que pretende fazer agora? — Tarik inicia uma conversa depois de um tempo sem conversarmos.

— Vou pro nosso quarto. Preciso tentar descobrir de onde é aquele acesso na sua conta. — Fico pensativo em relação a isso. Sabemos que é Mikhael ou alguém que o ajudou, mas preciso saber, pelo menos, a localização exata. Isso já pode ser útil em algo.

— Se descobrir... Qual vai ser seu próximo passo? — É incrível pensar quão bem Tarik pode me conhecer, apenas com suas perguntas. É como se ele estivesse lendo a minha mente.

— Vou usar pra manipular ele! Pra conseguir acabar com Mikhael, preciso descer até seu nível... — Envolver a polícia nisso tudo, é pedir para dar errado. Precisamos agir por conta própria e principalmente, pensar em como Linnyker faria. Dessa forma, vamos conseguir deixa-lo encurralado.

— Bem esperto! — Diz de maneira simples, antes de ir para a cozinha, preparar o jantar. Temos uma rotina que seguimos de forma rígida e hoje é seu dia de cozinhar.

Como estava sozinho na sala, resolvi ir para o nosso quarto, pegando o notebook de Tarik e começando a investigar o pouco de coisas que havia. Com o acesso em sua conta, um alerta foi notificado em seu e-mail. Apenas isso. Não costumo me subestimar e não farei isso hoje. Sou técnico de informática e já fiz muitas coisas praticamente impossíveis aos olhos de outras pessoas. Uso meus conhecimentos apenas para o bem. Já consegui descobrir muitas coisas e às vezes, sou contratado para ser um detetive particular e resolver coisas virtualmente. É algo que costuma me render um bom dinheiro no fim do mês. Agora tendo Tarik, as despesas ficaram mais fáceis, no entanto, ainda quero poder proporcionar uma vida melhor para ele. O mesmo merece tudo e é questão de tempo para conseguir um salário melhor. Pego o meu notebook e assim, vou usando alguns aplicativos e sites que tenho, no intuito de rastrear o IP que havia no acesso. De alguma forma, parece criptografado, como se a pessoa que fez isso, soubesse onde está se metendo. Foi um pouco difícil, mas não impossível. Sempre supero minhas expectativas de alguma forma. Enquanto estou nesse processo, vejo Pacagnan chegar com dois pratos em suas mãos.

— Quer jantar aqui? — Ele pergunta, já se sentando na cama e me entregando um dos pratos. Nem consegui respostar sim ou não. — Conseguiu algo?

— Tá rastreando o IP, demora um pouco. — Dou a primeira garfada na comida e como sempre, me impressiono como ele cozinha tão bem. — Tá tão bom! Ainda quero cozinhar como você!

— Eu que aprendi a cozinhar com você, seu bobo! — Sinto um tapa leve em minhas costas. Tarik nunca foi bom em muitas coisas, principalmente em cozinhar. Me lembro que antes desses dois anos separados, estava em processo de ensina-lo vários pratos. Fico feliz em saber que deu certo e que ele se lembra dos preparos. Sempre me virei muito bem sozinho e sinto que isso me preparou para diversas coisas que aconteceram e ainda vem acontecendo na minha vida adulta. De qualquer forma, me sinto bem em saber que Pacagnan provavelmente me vê como uma figura de inspiração e segurança. Sempre quero repassar isso.

— Acho que terminou. — Tarik me alerta. Estava tão focado na comida, que nem havia percebido que o carregamento havia finalizado. Passo para a próxima aba e assim, recebo todas as informações necessárias. Jogo as coordenadas no mapa e chegamos até a localização que o acesso foi feito. Nos entreolhamos com o mesmo semblante e retornamos os olhares para a tela do notebook.

— Na empresa? Quem tá ajudando esse cara? — Foi a única coisa que conseguiu sair de minha boca, enquanto ainda verifico outras coisas. Para Mikhael usar um dos computadores da empresa, principalmente para esse tipo de coisa, é porque precisou de alguém para fazer em seu lugar, ou usou de muita manipulação. Ele não é nada de lá e nem sequer deveria poder ter acesso a algo tão restrito, que nem nós, os funcionários, temos direito de usar. O difícil será descobrir em qual computador ele fez isso. Não posso simplesmente ir verificando em cada um, pode parecer suspeito e preciso parecer o mais normal possível, como se não soubesse de absolutamente nada. Tem muito pela frente, mas sei que sou capaz de ir até o fim.