HELENA
Quando a porta da loja fechou e o som dos passos do Portuga sumiu, finalmente consegui respirar. Ou pelo menos tentei. Meu coração ainda batia rápido, e minha cabeça era um turbilhão de pensamentos. Ele tinha esse poder de bagunçar tudo, mesmo quando dizia estar "cuidando de mim".
Encostei no balcão, tentando me recompor. A loja estava quieta, mas o silêncio só fazia o peso da situação ficar maior.
O Fogueira. Não era a primeira vez que eu ouvia esse nome nos últimos meses, mas parecia que agora ele tinha decidido colocar o alvo diretamente em mim. Desde que meu pai se foi, as coisas nunca mais foram as mesmas. A loja virou minha única distração, meu refúgio, mas até isso parecia ameaçado agora.
Peguei o celular no bolso, hesitante. Olhei para a mensagem que o Gabriel tinha mandado mais cedo:
"Cuidado com quem tá rondando. O Fogueira tá mexendo onde não deve."
Gabriel sempre foi assim. Ele se importava comigo, mas nunca conseguia me dizer as coisas diretamente. Só mandava recados, jogava indiretas e me deixava tentando adivinhar o que ele realmente queria dizer.
Mas o Portuga? Ele era direto. Sempre foi. Aparecia sem ser chamado, falava o que queria, e saía como se nada tivesse acontecido. Só que hoje, o jeito que ele falou... Não era só preocupação. Era pessoal.
"Esse mundo te quer, mesmo que tu fuja."
Essas palavras ainda ecoavam na minha cabeça. Eu odiava o quanto ele tinha razão. Por mais que eu quisesse me afastar do Vidigal e de tudo o que vinha com ele, parecia que esse lugar tinha raízes profundas demais em mim.
Fechei os olhos por um momento, sentindo a pressão das lágrimas que eu me recusava a deixar cair. Não era o momento para isso.
Peguei o celular e liguei para a Giovana.
Helena: – Gio, onde você tá?
Giovana: – No morro, por quê? Tá tudo bem?
A voz dela sempre tinha um tom de calma, como se nada pudesse abalar ela. Às vezes, eu invejava isso.
Helena: – Acho que não. O Portuga veio aqui... e o Gabriel mandou mensagem mais cedo. Eles tão falando do Fogueira.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, e eu soube que ela sabia mais do que estava dizendo.
Giovana: – Tá, Lelena. Fica calma. Vou descer pra te ver.
Antes que eu pudesse responder, ela já tinha desligado.
Olhei em volta, tentando focar em algo, qualquer coisa. Fui até as prateleiras e comecei a ajeitar os produtos, mas minha mente estava longe.
Por que o Fogueira estava tão interessado em mim agora? Será que era só pelo meu pai? Ou tinha algo mais?
O som de uma moto passando devagar pela frente da loja me fez congelar. Não olhei, mas sabia que eram eles. De novo. Respirando fundo, peguei o celular e mandei uma mensagem para o Gabriel:
"Acho que você e o Portuga estão certos. Eles estão aqui de novo."
Não demorou muito para ele responder:
Gabriel: "Não faz nada. Tô indo aí."
E foi aí que percebi: eu não tinha escolha. Podia continuar fingindo que estava no controle, que minha vida era só a loja e nada mais, mas o mundo que meu pai deixou para trás estava me puxando de volta.
Pelo menos dessa vez, eu tinha a Giovana. Ela sempre foi mais do que uma amiga; era quase uma irmã. Mas, ultimamente, eu tinha percebido que ela andava diferente. E isso tinha muito a ver com o Gabriel.
Quando ela chegou, não demorou para notar meu estado.
Giovana: – Lelena, você tá péssima.
Dei um sorriso fraco.
Helena: – Obrigada. Era exatamente isso que eu precisava ouvir.
Ela riu e se jogou em uma das cadeiras, sempre tão despreocupada.
Giovana: – Olha, o Fogueira é problema, sim. Mas você sabe que, com o Gabriel e o Portuga de olho, ninguém vai encostar em você.
Eu me sentei ao lado dela, olhando para a porta da loja.
Helena: – E quem vai proteger eles, Gio?
Ela não respondeu de imediato. Por um instante, vi algo diferente nos olhos dela. Preocupação? Talvez. Mas também algo mais profundo, como se ela estivesse se culpando por algo.
Giovana: – O Gabriel sabe se cuidar. Ele sempre soube.
Quis acreditar nela, mas o Gabriel não era invencível. E o Portuga? Por mais que ele se achasse capaz de resolver tudo, ele também estava mexendo com fogo.
Antes que a conversa pudesse continuar, o sininho da porta tocou. Era o Gabriel. Ele entrou, com aquele olhar sério que sempre usava quando queria parecer mais no controle do que realmente estava.
Gabriel: – A gente precisa conversar.
Ele olhou para a Giovana por um momento, e o jeito que os olhos deles se encontraram me confirmou o que eu já sabia: havia algo entre eles novamente.
Eu suspirei.
Helena: – Tá. Fala logo. O que tá acontecendo?
Ele olhou para mim, depois para Giovana, e então voltou para mim.
Gabriel: – O Fogueira não tá blefando, Helena. Ele tá querendo mandar no território, e isso inclui você.
Eu cruzei os braços, tentando manter a calma.
Helena: – E o que você vai fazer?
Ele hesitou.
Gabriel: – O que for preciso.
Giovana o encarou, os braços cruzados.
Giovana: – Só não faz besteira, GB.
Ele não respondeu, mas o olhar que deu para ela dizia tudo. Algo estava prestes a acontecer, e eu não tinha como escapar disso.
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Sentimento Vagabundo
Teen FictionHistória da Helena e Portuga. Em meios do caos da vida,o sentimento vagabundo nasceu onde os dois achava que o amor não existia e que a vida era apenas de curtição. Ele entrou pro crime desde cedo e ela decidiu seguir a vida e estudar mesmo tendo po...