As luzes ascenderam como um clarão, as pálpebras se abriram e fecharam involuntariamente, tentando se proteger da luz intensa, um branco cortante que atravessava a escuridão, queimando como lâminas finas sobre os olhos. O brilho impiedoso fazia do próprio ar um véu ofuscante. O calor da luz parecia invadir cada centímetro do corpo, como se fosse um aviso - algo perigoso estava prestes a acontecer.
O som vinha em ondas, vozes ásperas, ressoando em um murmúrio indecifrável. Graves, dominantes, se misturavam em frases cortadas, pedaços de palavras que não se encaixavam por completo. Eram próximas, mas intocáveis, vibrando no ar como ecos de algo que existia além do que os sentidos podiam alcançar.
O chão não tinha textura, não havia calor nem frio para ancorar a consciência. Apenas o pulsar insistente da luz e o murmúrio masculino preenchendo os espaços vazios do lado de fora, tornando o tempo, aquele conceito que antes parecia fixo e confiável, agora se estendia e se torcia, uma linha tênue entre o despertar e o abismo do desconhecido, onde a realidade parecia se desintegrar aos poucos.
Não havia mais escapatória. Era tarde demais!
A dor se espalhava em ondas pulsantes, como um aviso insuportável que reverberava por cada fibra do meu ser. Cada batida era um lembrete cruel de que algo em mim havia sido alterado, arrancado de dentro, e agora não havia mais retorno. Meu corpo já não me pertencia. Sentia a invasão lenta e implacável, a febre rastejando pelas articulações, cada célula queimando sob a pele, como se uma brasa vivesse dentro de mim, consumindo tudo.
As vozes lá fora continuavam, palavras distorcidas pelo torpor que se espalhava pela minha mente. Eu queria me mover, fugir, lutar... mas cada músculo parecia pesado, cada tentativa de reação afundava em uma paralisia sufocante. O mundo parecia escorregar para fora de meu alcance, enquanto a dor se intensificava.
O suor frio escorria pela testa, gelado como uma lâmina, misturando-se com a umidade da minha pele, enquanto a respiração saía em ofegos curtos e irregulares. O ar parecia hostil, denso, recusando-se a entrar nos pulmões, como se o próprio ambiente estivesse conspirando contra minha sobrevivência. Meus pensamentos se emaranhavam, uma névoa densa que distorcia o passado e o presente, a memória das luzes implacáveis se misturando com a crescente certeza de que, desta vez, não haveria fuga!
O chão se dissolvia sob meus pés, como se a terra, o concreto, tudo aquilo que costumava me ancorar, estivesse se desfazendo. A gravidade se tornou um peso insuportável, puxando-me com uma força invisível, ameaçando me arrastar para um abismo profundo, onde eu não poderia mais voltar.
Eu não estava consciente, era como se meu corpo estivesse preso em um estado de sonambulismo, movendo-se mecanicamente, incapaz de reagir, como se a própria essência da realidade tivesse se distorcido ao meu redor.
Cada passo até o banheiro era automático, os pés descalços tocando o chão frio sem que eu sentisse completamente. Minhas mãos, trêmulas e instáveis, giraram a torneira com um esforço que parecia exigir toda a minha concentração, e o som da água jorrando, incessante e constante, preencheu o espaço, se misturando ao zumbido abafado que pulsava dentro da minha cabeça.
A água era fria, e enchia a banheira lentamente, mas eu não esperei. Entrei na água sem hesitar, o líquido frio envolvendo minha pele febril, colando as roupas encharcadas ao corpo.
Meu coração batia forte. E então, eu afundei!
A água engoliu meu rosto, abafou os sons do mundo, transformando tudo em um vazio sufocante. Meus pulmões protestaram. O instinto gritava, mas minha mente estava quieta. O corpo flutuava, os cabelos dançando na água como sombras vivas. Era como se algo me segurasse no fundo da banheira.
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Apocalipse
Science FictionA chuva fina caía incessantemente sobre as ruas desertas, o som das gotas sendo abafado pelos ecos distantes de sirenes e gritos. O mundo, que outrora vibrava com o pulsar da vida, agora estava submerso em uma quietude mortal. O ar estava denso com...