Sonhos que jamais serão realizados

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Spencer

É DIFÍCIL CONVIVER  COM AS REALIDADES DA VIDA. O meu pai e eu tínhamos sonhos. Sonhos que jamais serão realizados.

Nós estávamos indo ao supermercado, que fica há umas duas quadras da minha casa, e ao atravessarmos a rua um carro veio a toda velocidade e nos atropelou. Fiquei dias, semanas no hospital. Meu pai não sobreviveu. Fora como se ele tivesse transportado o resquício de vida que lhe restava para mim.


—Spencer!—ouço minha irmã, Kat, me chamar. Ser o único homem entre três garotas tem lá suas vantagens. Kat é a mais nova, com doze anos feitos há alguns dias. Ela me puxa pelo braço, quase esgaçando minha camiseta. —Spencer!

—O que foi Kat?—pergunto a ela, sabendo muito bem o que ela queria.

—Você vai me levar ao cinema, não vai?

Queria muito poder dizer a ela que sim, mas as coisas estavam muito difíceis ultimamente. Sem meu pai eu era o "homem da casa" e precisava trabalhar duro para que não faltasse nada para nenhuma das "mulheres da minha vida", como dizia meu pai.

Passo a mão pelos meus olhos. Trabalhei dobrado no dia anterior, tudo para conseguir o dinheiro do cinema para Kat, mas a conta de luz estava atrasada e tive que usar o dinheiro para pagar, ou então, ficaria sem luz. Kat iria me odiar pelo resto da vida, mas pelo menos não tomaria banho frio.

—Kat—iniciei com a voz embargada. Kat me olhava prestativa. —Sinto muito, mas não poderei levar você ao cinema. Não tenho como pagar.

Mya entrou na sala, ligando a TV no canal onde falava sobre os adolescentes famosos. Que tédio, pensei. Como ela pode gostar desse programa ridículo? Mya estava perto de completar quinze anos e como toda menina sonhava em ganhar uma festa e se vestir como uma princesa. Das três irmãs que tenho, Jen é a que menos fala comigo. Acho que por eu "bancar o papai" como ela diz, ela não me suporta.

—Mas você prometeu Spen. —replicou Kat com melancolia. —Você prometeu.

Kat saiu da sala triste e chateada. Senti-me muito culpado, mas o que eu poderia fazer? Eu trabalho como entregador de água mineral durante o dia e ainda faço alguns "bicos" a noite para pagar todas as contas e o aluguel da casa.

Olhei para o relógio pendurado na parede. Estava na hora de ir trabalhar. Subi rapidamente até o meu quarto e troquei de roupa.

—Tchau Mya. —disse ao passar pela sala. —Fale com a Kat por mim.

Mya assente e vou para o meu trabalho.

Estou cansado. Trabalhei o dia inteiro e ainda preciso fazer uma última entrega. A casa da senhora Daves. Ela era uma velhinha de uns cinquenta anos que morava com o marido perto da casa da filha. A senhora Daves sempre me dava boas gorjetas pelas minhas entregas. Eu a adorava. Ao passar por uma casa no inicio da rua da senhora Daves vejo uma garota passar de relance pela janela do quarto, provavelmente o seu.

Faço a última entrega e vou para minha casa, cansado e com o peso da culpa pelo ocorrido mais cedo com Kat. 

A Rainha dos CaídosOnde histórias criam vida. Descubra agora