A Rainha dos Caídos

Agulha no palheiro

Duncan

HAVIA APENAS UM DOS GUARDAS DO REI na entrada do palácio. O guarda estava parado ereto ao grande portão de entrada do Palácio dos Anjos, ele observava tudo a sua volta, mas parecia muito cansado.

—Olha pra ele Duncan—dizia Hazael divertido com a situação. —Ele nem vai notar a gente entrando no palácio. Metatron é mesmo um babaca.

Olhei para Hazael com os olhos arregalados. Ele blasfemara contra o rei; como ele ousava?

—O que foi Duncan? Por que está me olhando assim?

Estávamos escondidos atrás de uma árvore com galhos secos, observando o guarda, a espera do momento exato para adentrarmos o palácio.

—Você blasfemou contra o rei. —respondi ainda espantado com tamanha coragem para tal feito. —Como pode estar tão calmo depois disso?

Hazael gargalhou. Por sorte o guarda estava cansado demais para perceber nossa presença atrás da árvore.

—Duncan pare de seguir ordens e viva um pouco!

Esperamos por uns vinte minutos até que o guarda estivesse distraído e então entramos no palácio.

O Palácio dos Anjos era como as igrejas góticas medievais. Era gigantesco por dentro, com vários cômodos por todo o recinto. Hazael e eu passamos os olhos pelo recinto, maravilhados. Não era permitido que jovens em Treinamento entrassem no palácio, apenas se o rei os permitisse.

—Você está vendo tudo o que eu estou vendo Duncan?!—perguntou Hazael com um sorriso maroto no rosto. Concordei balançando a cabeça, mas sem olhar para Hazael. Eu estava encantado demais com o palácio. —Metatron é mesmo um espertinho. Diga-me, por que só ele vive aqui? Por que nós, do Treinamento, não podemos viver como o rei?

—Porque o Palácio é só para a realeza. —respondi dessa vez o fitando. Ele blasfemara novamente o nome do seu líder. —Você não deveria falar dele com tanta intimidade Hazael, você nem mesmo o conhece direito.

—Duncan pare de ser tão careta. Às vezes você me irrita.

Eu sabia que Hazael estava brincando, mas fiquei um pouco chateado com suas palavras. O que eu estava fazendo de errado? Só obedeci às regras impostas pelo rei.

—Melhor começarmos logo nossa busca por algo que nos conte mais sobre Theliel e tudo o mais. —disse Hazael enfim depois do meu silêncio.

Era como procurar uma agulha no palheiro. Havia portas e mais portas nos outros andares do palácio e milhares de cômodos. Naquela manhã não havia muitos guardas rondando o palácio. Não era muito comum, mas provavelmente o rei dispensara a maioria, pois não era necessário visto que tudo na cidade estava calmo.

Hazael e eu subimos um par de escadas que pareciam ser de ouro. Havia mais recintos nesse andar. Ouvimos um barulho vindo do andar de baixo e nos escondemos, entrando na primeira porta a direita do extenso corredor.

Minha respiração ficou acelerada e senti que estava suando frio. O que você tinha na cabeça Duncan quando concordou com algo tão arriscado assim? Ouvimos os guardas se aproximando cada vez mais.

—Dois alunos do Treinamento não compareceram a aula hoje. —comentou um dos guardas, cada vez mais perto de onde eu e Hazael estávamos.

—E por causa disso o rei nos ordenou que procurássemos esses infratores. —diz o outro guarda secamente.

Hazael e eu ficamos em silêncio, quase sem respirar, mas os guardas passaram reto pela porta, sem desconfiar que estivéssemos escondidos ali.

—Essa foi por pouco. —comentou Hazael, soltando o ar dos pulmões.

—"Essa foi por pouco"?—repito, irado. —Quase fomos pegos! Isso se tornou arriscado demais Hazael, é hora de irmos embora.

Hazael fica em silêncio. Ele olha em volta, analisando a sala onde entramos para nos esconder dos guardas. Uma biblioteca. Era tão vasta que qualquer um poderia se perder em meio a tantos livros.

—Acho que você não vai querer desistir agora—indagou Hazael, dando aquele sorriso meio torto que qualquer garota se apaixonaria. —Duncan olhe quantos livros tem aqui! Com certeza em um deles está tudo sobre o Príncipe Anjo.

Ponderei, analisando o recinto. Era amplo e muito organizado. As estantes, enormes por si só, eram de madeira antiga. Hazael mais uma vez conseguiu me subornar. Como eu podia ser tão tolo assim? Era arriscado demais, eu sabia, mas fui tomado por uma curiosidade incontrolável.

—Tudo bem Hazael. Você ganhou mais uma vez.

Hazael sorriu contente.

—Vamos nos dividir, você procura daquele lado—ele gesticulou para o lado direito e depois para o esquerdo. —E eu procuro por aqui.

Meu subconsciente me dizia que eu estava fazendo algo muito errado e que seria punido. Afastei os pensamentos e me concentrei apenas em achar algum livro que falasse sobre o Príncipe Anjo.

As estantes eram tão altas que tive que usar minhas asas para conseguir alcançar os livros mais altos. Nenhum deles me revelava nada sobre Theliel. Hazael parecia incomodado por não achar nada.

—Não é possível que em nenhum desses livros velhos e mofados não tenha algo sobre Theliel!—exclamou Hazael furioso, do alto com um livro de capa cobre nas mãos. Suas asas um pouco menos douradas do que as minhas, abertas. —O que esse idiota fez de tão errado para não ter registro nenhum seu?

—Eu não faço a menor ideia. —foi tudo o que respondi a Hazael, pois não conseguia imaginar o que realmente seu amor por uma mundana havia causado ao povo da Cidade dos Anjos.

Hazael e eu já havíamos procurado por praticamente todos os livros da parte mais alta das estantes e continuávamos com o mesmo resultado: nada.

—Duncan eu acho melhor desistirmos.

Eu o olhei, franzindo o cenho. Hazael não era do tipo que desistia de algo. Muito menos quando se tratava de assuntos que o intrigam. Sua camiseta creme já estava toda suja de poeira.

Não aguentava procurar mais, até que vislumbrei uma capa diferente das outras. Andei até a prateleira mais baixa da estante e peguei o livro. Era de espessura não muito grossa e uma capa preta com um belo par de asas ilustrado na frente.

Comecei a folhear as páginas do livro e...

Theliel, o Príncipe Anjo, estava escrito no capítulo nove. Sinto uma sensação de dever cumprido me invadir. Ali estariam as respostas para todas as minhas perguntas.

—O que é isso?—pergunta Hazael, confuso enquanto se aproxima de mim.

—É o livro que estávamos procurando. —respondo com um sorriso enorme nos lábios. Hazael me olha como se eu estivesse falando em códigos. —Tudo que queremos saber sobre o Príncipe Anjo está aqui Hazael. Está aqui nesse livro!

—Ótimo. O que você está esperando para começar a lê-lo?

Folheio novamente o livro até chegar ao capítulo onde falava sobre Theliel. Quando ia começar a ler, os guardas do rei adentram o recinto. Tento esconder o livro, mas foi uma tentativa em vão.

—Aí estão os infratores. —diz um dos guardas com um sorriso tão grande que me causa medo. —O rei vai adorar punir vocês.

O outro guarda Anael, eu e Hazael conhecíamos bem, dá uma risada cética enquanto nos segura cada um por um braço.

—Seu pai vai ficar decepcionado com você Duncan. —falou Anael, o anjo líder do Treinamento, que segurava o meu braço. —Não esperávamos isso vindo de você.

Somos levados até a sala de reuniões do rei com os anjos de maior poder. Você está encrencado Duncan, muito, muito encrencado, dizia minha consciência.