• Capítulo 3

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~ Meredith ~

Acordo com a foto da mulher que me deu à luz na mão. Lembro de ter chorado e depois adormecido. A única pessoa por quem já chorei e choro até hoje, é por ela. Eu a amo tanto, mesmo sem conhecê-la, temos uma conexão inexplicável. Ter a conhecido e tê-la comigo seria a melhor coisa da minha vida, mas como não existe essa possibilidade, apenas guardo a foto no mesmo lugar que sempre fica.
São 7:45 e eu só tenho quinze minutos para me arrumar e ir a escola. Como sempre, atrasada, essa é uma prova do quanto eu gosto de ir para aquele lugar infernal. Corro para o banheiro, tiro a roupa e deixo a água quente do chuveiro fluir, caindo e lavando o meu corpo, é assim que me preparo para os meus dias. Saio, escovo os dentes e visto um vestido preto dos muitos que tenho no guarda-roupas. Pego minha mochila e verifico se todos os meus livros didáticos estão lá. "Corre Meredith, a primeira aula é de Francês." Penso. Eu amo Francês, perder essa aula seria um desastre para a minha quinta-feira. Por um momento olho para a minha poltrona verde-água que fica no canto esquerdo da minha cama e tenho a sensação que alguém esteve ali. Era estranho, mas era um pensamento louco e logo tirei da minha cabeça.
Saio do quarto, encontro minha avó dormindo no sofá, ela sempre faz isso quando insiste em assistir TV até tarde.
— Vó, estou indo. – aviso, quase sussurrando próximo ao seu ouvido.
Ela acorda assustada.
— O quê? Ah... Irei preparar o café da manhã, espere só um minuto. – diz ela se levantando.
— Não vó, eu levo uma maçã. Estou super atrasada. – digo a despreocupando.
Ela olha pra mim. E eu sorrio carinhosamente. O rosto dela parecia estar aliviado, devia ter dormido muito tarde mesmo.
Pego a maçã e me dirijo á porta. Saio e logo estou na calçada onde passo todos os dias, quase sempre apressada. Minha casa era simples assim como todas as outras, era uma casa normal para um bairro e cidade normal.
Ando rapidamente, comendo a maçã. Ontem foi meu aniversário, porém eu matei aula. Minha vó nem imagina isso e espero que nunca descubra. Eu odeio ser o centro das atenções e é por isso que faltei aula ontem.
Paro de pensar nisso e foco nos passos. Quando me viro para a direita estou me aproximando da escola. CES (Centro Escolar de Serenidade) era um escola pública, do 1ª ano do fundamental até o último do ensino médio, com muitos alunos, praticamente todos os jovens de Serenidade. Eu estudo lá desde pequena e a adorava até tudo mudar, perder alguns amigos e ser a esquisita da turma. Eu estava acostumada e quer saber? Eu não dava a mínima.
Entro nas escola e seus corredores já estão vazios. A primeira aula já tinha começado. Encontrei o meu armário, abri a mochila e peguei meu livro de francês. Corri para a sala e antes de entrar, respirei fundo.
Quando eu entrei todos os olhares se voltaram para mim, a professora estava explicando algo. Olhei para a mulher loira e bem vestida na minha frente.
— Desculpa Srta. Chabane. Será que eu posso entrar? – perguntei, acanhada.
— Sim, Meredith. Só não chegue atrasada na minha aula, mais uma vez. – disse ela rápido em seu sotaque francês, logo depois me ignorou e voltou a explicação.
Andei, quase correndo para sentar na cadeira ao fundo. Abri meu livro na página que estava escrita no quadro e me concentrei apenas no Francês.
O intervalo chegou rapidamente, acho que porque eu dormi nas aulas de filosofia e história.
Ando até a mesa onde uma menina de cabelos azuis e olhos escuros me espera sorridente.
— PARABÉNS ESCROTA! – grita ela. Eu arregalo meus olhos e pulo para a frente, me sentando e colocando a mão na sua boca, fazendo-a calar-se.
— Jennifer, você pode ser um pouco discreta? – eu digo, sussurrando e olhando para os lados. As poucas pessoas que ouviram, apenas deram de ombros e voltaram a conversar normalmente.
— Você precisava ver sua cara. - ela diz rindo e me abraça. – Parabéns branquela, atrasado né? Resolveu se esconder no ninho ontem? – ela questiona.
— Não estava animada ontem, mas obrigada. – falo, com um sorriso fraco.
— Entendo também odeio fazer aniversário, mas enfim... Temos que comemorar!! – ela diz animada. — O que acha de uma "party" hoje?
— Ah, não mesmo. Tenho um montão de coisa para fazer. Estou super atrasada com as minhas leituras, preciso atuali... – ela me interrompe.
— Nananina-não. Qual é Didi? – ela me chama assim desde que me apresentei em seu primeiro dia de aula no ano passado. — Eu até entendo você não querer ser o centro das atenções, mas só eu e você vamos saber o que estamos comemorando, vamos lá! – ela implora, fazendo carinha de cachorro abandonado.
Olhei para aquela menina animada na minha frente, ela é minha verdadeira amiga e praticamente única aqui nessa escola desde os últimos dois anos e também a única que conseguia me animar com esse seu jeito louco. Concordei com a cabeça.
— Mas vamos voltar cedo ok? – proponho uma condição.
— Ok, ok. Chata. – diz me empurrando com os ombros.
O sinal bate e nos olhamos fazendo cara de tristeza. Me despeço dela e vou caminhando para a minha sala. Nós ficamos separadas esse ano, maldito colégio.
Agora me resta apenas assistir as duas últimas aulas.
                                  ****
Chego em casa jogando a mochila no sofá.
— Vó? – a procuro pela cozinha e ela não está.
Ouço tosses fortes. Fico assustada.Vou até o banheiro em passos lentos e dou de frente com ela na porta do banheiro, sorrindo.
— Meu Deus, que susto. – coloco a mão no coração. — Você está bem? - pergunto, preocupada.
— Claro que sim querida, apenas uma tosse seca, nada demais. Deve ser um resfriado, não se preocupe. - ela diz, passando as mãos delicadas nas minhas costas e indo para a sala.
Desconfiei, mas logo aceito e vou para a sala.
— Você deve estar com fome, sente-se, preparei nosso almoço. – fala, me convidando para sentar ao seu lado na mesa, sempre com seu sorriso carinhoso e olhar cuidador. Sento-me, agradecendo.
Terminamos de comer e logo eu começo:
— A Jennifer quer sair para comemorar meu aniversário hoje à noite, pois ontem como eu tinha aula de violino, não quis ir. Posso?
Ela me olhou alegre e bateu palminhas.
— É claro, deve! Tens que comemorar deus dezesseis anos minha criança.
Era constrangedor, minha própria responsável me empurrando para as noitadas à fora.
Apenas rio como resposta, dou um beijo na testa dela, me levanto e vou para o quarto. Começo a ler um capítulo de um livro qualquer e o sono me consome.
Acordo ao som de "Ho hey" toque do meu celular. Era a Jennifer. Atendo com um "oi" sussurrado.
— VOCÊ SABE QUE HORAS SÃO? – ela grita do outro lado da linha e tenho que afastar o telefone do ouvido. Olho para o relógio na tela do celular . 19:24. Eu dormi muito. Definitivamente posso concluir que eu tenho alguma doença ligada ao sono.
— Desculpa Jenn, estou indo. – digo, desligo e levanto da cama.
Resolvo colocar uma calça jeans preta rasgada, uma blusa azul com a frase "NO LIMITS" em preto, a minha jaqueta preta de couro e uma sapatilha confortável, também preta. Solto os meus cabelos negros que sempre costumo usar em rabo de cavalo. Eles batem um pouco abaixo dos meus ombros, cresceu bastante desde a última vez do meu corte improvisado que não deu muito certo.
Saio correndo do quarto e não procuro por minha vó, pois eu sei que não vou encontrá-la, ela deve estar na casa da vizinha conversando sobre algo, sempre é isso no mesmo horário.
Na frente da minha casa estava Jennifer, com os cabelos azuis presos em um coque alto, as unhas antes descascadas de esmalte preto, estavam agora completamente pintadas da mesma cor. Ela estava vestindo um camiseiro verde escuro e usava uma botinha preta com detalhes dourados. Jennifer era muito bonita, mas o excesso de maquiagem que insistia em usar, a deixava um pouco artificial.
Andei até ela que já estava impaciente.
— Vamos, se não quiser chegar tarde em casa. – disse ela me puxando.
O táxi não demorou nada para chegar no lugar. "A festa" era em um bar bem conhecido de Serenidade. O dono da festa, era um garoto que acabara de completar 18 anos e estava a comemorar. Não fomos convidadas, mas Jenn deu um jeito de entrarmos, ela me explicou tudo no caminho.
O bar era bem atraente. Tinha um lustre muito bonito bem no centro. Havia um balcão enorme e muitos garçons bem vestidos servindo. Não existiam mesas, apenas assentos para descanso. Acho que era para deixar o local mais aberto. A música estava bastante alta.
Eu e Jennifer nos dirigimos para o balcão.
— Eu quero duas taças de champanhe, na conta daquele ali, o aniversariante da noite –ela fala perto do ouvido do garçom bonitinho a sua frente, apontando para o garoto que dançava loucamente na pista de dança.
Ele nos analisa, mas Jenn e todo o seu jeito o convence e ele nos entrega as taças. Ela me puxa para a pista de dança.
— Você é maluca? Somos menores de idade! – falo com receio.
— Hoje é dia de comemoração Didi, aproveita! – diz ela - Um brinde aos seus dezesseis! - bate sua taça na minha e bebe um gole.
Eu olho para o líquido e arrisco provar. Quando coloco na boca sinto um gosto amargo e bolhinhas descem queimando.
Jenn ri da minha expressão de nojo. Eu bebo tudo de vez e sinto minha cabeça girar, com certeza não irei ultrapassar de uma taça.
Começa a tocar "Take me to church" o que parece ser uma versão remix. Eu e Jenn nos olhamos, pulamos e gritamos de alegria. Começamos a dançar e cantar seguindo o ritmo da música.
Fecho os olhos e danço, imagino que aquela seja a última noite da minha vida, naquele momento eu estava esquecendo de todos os meus problemas. A música me levava e eu apenas a seguia.
Quando abro os olhos para ver se Jenn estava fazendo o mesmo que eu, me deparo com ela e um menino desconhecido dançando juntos. Paro de dançar e me dirijo ao bar.
- Você me dá uma água, por favor? - peço ao mesmo garçom que nos atendeu antes. Ele me entrega a água e eu bebo. Deixo a água limpar a minha língua daquele gosto amargo do champanhe.
Meu telefone começa a tocar. Minha avó.
- Oi, vó? - digo procurando alguma porta de saída e saio do local barulhento.
- Meredith? Só queria saber se está tudo bem... - ela fala.
- Está tudo bem vó, daqui a pouco estou em casa. - afirmo a ela. Ela responde com um "Divirta-se" e desliga.
Estou nos fundos do bar. Deixo o vento bater no meu rosto. Ando um pouco e sento na calçada, respiro fundo para tentar que a tontura passe um pouco, sou muito fraca para bebida, que trágico.
Olho para os lados, o lugar era tão escuro e deserto. Avisto um homem mal encarado fumando, parado próximo a mim. Percebo que ele parecia estar vindo na minha direção e levanto discretamente sacudindo a sujeira da minha calça. Quando penso em entrar no bar novamente ele corre e fecha a minha passagem.
- Olá, moça bonita - ele fala muito próximo e eu posso sentir o cheiro do seu hálito de cigarro e whisky. Dou um passo para trás e ele me prende com as mãos entre a parede. - Que tal uma conversinha?
- Me deixa ir ou eu vou gritar. - ameaço.
- Gritar? - ele ri alto. - Com a música alta desse jeito quem você acha que irá te ouvir? - debocha.
- Socorro! - eu arrisco e grito.
Ele coloca sua mão na minha boca e começa a cheirar o meu pescoço. Eu me debato, tentando sair do seu aperto. Uso o meu joelho para acertar suas partes baixas com força e só assim ele me larga, se contorce de dor. Eu tento correr, mas ele se recupera rápido. Me pega pelos cabelos e me joga contra uma lata de lixo próxima. Sinto minha cabeça bater com força e perco as forças.
- Agora você é toda minha. - ouço ele dizer.
Quando ele está quase próximo a mim, é puxado para trás violentamente. Um outro homem o joga no chão, diz alguma coisa e ameaça bater em seu rosto com os punhos fechados, mas o deixa ir. O bêbado corre afugentado.
Deitada no chão frio quase de olhos fechados, sinto passos virem até mim. Ouço vagamente: "Agora você está bem, me desculpe Meredith."
A última coisa que eu lembro antes de apagar: olhos verdes preocupados...

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