Qherubian

• Capítulo 6

~Meredith~
Chego em casa de fininho, minha vó está na cozinha, muito ocupada, e não me escuta chegar.
Encosto minha cabeça na parede e observo a senhora de costas, seus cabelos grisalhos ficam presos em um coque bem arrumado na maior parte do tempo. Suas mãos são ágeis e estão a preparar algo. Ela se vira e seu olhar encontra o meu. Seus olhos demonstram angústia e medo. Ela corre de encontro a mim e me abraça, forte.
- Nunca mais faça isso comigo. - ela fala em tom de repreensão, mas seu jeito cuidador continua em cada palavra.
Eu me afasto para olha-lá. A Jenn tinha me garantido que ela tinha caído na desculpa que ela inventou.
- Me desculpe vovó, foi um descuido meu. Nunca mais faço isso. - eu digo, sem ter certeza das minha palavras.
- Conversamos sobre a bebida depois. - Arregalo os olhos. BEBIDA? - Agora vá, tome um banho, preciso de sua ajuda aqui na cozinha. - Ela me dá um beijo na testa e volta ao trabalho na cozinha.
Vou para o meu quarto. Abro o guarda-roupas e fico olhando todas as peças de roupas que ali se encontravam. Eu, vergonhosamente, não tinha um traje adequado para ir à um encontro.
Então me lembro de um vestido que minha avó me deu para usar em uma "ocasião especial". Corro para as gavetas e começo a procurar. Sinto o seu tecido sobre os meus dedos e o puxo contra o meu rosto. Ele literalmente não é do estilo que eu costumo usar, mas servia. Deixo-o em cima da cama e corro para o banheiro.
Sinto as minhas bochechas doerem, meu sorriso insistia em ficar aberto.
****
~Mikael~
Caminho assobiando, sem rumo. Acabei de convidar Meredith para ir comigo à festa de São Jorge e eu estou feliz com o meu progresso de aproximação.
Avisto Marcus, sentado em um dos bancos de uma praça, ele está lendo um livro grande, maior que o normal. Me aproximo cada vez mais dele e quando estou prestes a passar direto, ouço sua voz grave.
- Ser visto pelas pessoas fez bem para você.
Viro o meu corpo em 360° e o encaro, estagnado.
- Olá Mikael. - ele sorri, ainda com os olhos no livro.
Posso observar que as palavras no livro, são de outra língua. São da minha língua. Tento chegar um pouco mais perto e então ele fecha o livro que em um estrondo, some.
- Talvez você já tenha ouvido que o "Livro Intocável" só pode ser lido pelos mestres. - Ele finalmente me olha. E eu não reconheço este homem como o tutor de música de Meredith.
- Quem é você? - eu consigo dizer.
Ele ri ironicamente.
- Achei que já me conhecia! - ele diz fingindo indignação. - Meu nome é Marcus, é um enorme prazer. - ele me oferece a mão e eu apenas a olho, com desdém.
- Como você sabe... Sobre mim? - cerro os olhos e pergunto, colocando as mão no bolso.
- Bom, digamos que eu sou um Qherubian, muito curioso... - ele se levanta de onde está sentado e me analisa com um sorriso.
- Eu nunca ouvi falar de você antes. - Cuspo as palavras para ele. Não gostei do clima tenso que pairou sobre o local que estávamos e a cada palavra, só piorava.
- É claro que não. Normalmente, os Qherubians expulsos não tem o direito de ter suas histórias contadas pelos anciões... - ele coça a cabeça e depois ajeita a postura, como se estivesse incomodado ao falar sobre o assunto.
Levanto as sobrancelhas. Amélia e nenhum outro ancião, nunca, em toda a minha vida, falaram sobre algum Qherubian que foi expulso. Minha dúvidas aumentam.
- Mas, como você pode ler "O livro Intocável."? - indago.
- Uma coisa de cada vez Mikael. Se divirta esta noite e amanhã eu te espero para um chá. - Ele diz e seu sorriso ressurge. - Acho que você sabe onde me encontrar.
                                        ****
Entro em uma loja de roupas, compro uma blusa um pouco mais arrumada do que as minhas e saio. Vou para o Hotel em que me hospedei logo depois de ter a conversa estranha com Marcus. Agora que eu estava "vivo" eu sentia necessidades assim como os humanos.
Deito na cama, esperando que a hora passe. Esperando o momento de encontrá-la. Resolvo esquecer desta manhã confusa, me concentro apenas no que acontecerá ao anoitecer e adormeço.
                                         *****
~ Meredith ~
Termino de ajudar minha avó com os bolos de cenoura. Ela fez a maioria do serviço, mas eu ajudei com a cobertura de chocolate, que vamos combinar... Ficou uma maravilha! Cortamos os pedaços em quadradinhos para serem distribuídos para as pessoas e logo depois ela me liberou.
Corri para o quarto e pude olhar no relógio que já eram 16:13. O tempo voou e eu nem percebi.
Pego o meu celular e procuro pelo contato da Jenn.
- Olá amiga que irá me deixar sozinha, pois vai sair com o boyrói gato hoje - Atende com voz de sono.
Desde que contei sobre o que aconteceu no parque mais cedo, ela não para de chamá-lo de "boyrói" (me explicou que era uma mistura de gato com herói. Ri disso por uns 10 minutos.)
- Não faz drama, Jenn. Eu juro que depois retiro um tempo exclusivo para você. - eu falo e ela responde com "hm" do outro lado da linha. Reviro os olhos. Jenn às vezes chegava a ser muito chata com ciúmes e ainda mais com sono. - Vista algo bonito! - digo e finalizo a chamada.
A festa começará às 17:30, porém começo a me arrumar cedo, talvez por um pouco de ansiedade.
Já estou vestida. Solto o cabelo e o bagunço um pouco para ficar com mais volume. Passo um rímel preto de leve sobre os meus cílios e somente isso de maquiagem. Calço meu all star preto, coloco o colar que minha vó me deu no dia do meu aniversário e estou pronta.
Procuro por minha avó, mas ela não se encontra mais, deve ter saído muito mais cedo para ajudar a arrumar o resto da festa e eu nem percebi. Essas coisas animavam ela.
Saio de casa e me deparo com uma linda vista. A maioria das pessoas estavam de vermelho ou branco. A imagem de São Jorge se encontrava no alto de um palco, onde a banda estava começando a tocar. Pude avistar que a floricultura estava aberta e bem decorada de acordo com a festa. Homens compravam rosas vermelhas e entregavam para as respectivas mulheres que os acompanhavam.
Viro para fechar a porta atrás de mim e quando me viro novamente, olhos me encaram.
Mikael segura uma rosa e seu sorriso é estonteante.