Qherubian

• Capítulo 9

Eu e Marcus estamos conversando à mais de uma hora. A cada palavra dita por ele, eu fico ainda mais surpreso e com dúvidas, muitas por sinal.
- Eu vou repetir com mais clareza... Em todo feitiço lançado há uma saída, mesmo muito escondida, eu a encontrei. Posso ter demorado uns cem anos para perceber o que estava em minha frente, mas encontrei. Então, só com o que as bruxas mais temem que vamos conseguir acabar com isso. - Ele se levanta, vai para o balcão de bebidas e enche seu copo pela 2º vez. - Meredith precisa viver um amor verdadeiro. Em todas as suas encarnações ninguém nunca se apaixonara por ela. As bruxas nunca falham quando o aspecto é castigo ou maldição, acredite. Elas calculam tudo e podem estragar a vida de quem elas quiserem. - Ele pigarreia. - Mas... Acho que isso mudou. - Seus olhos estão em mim e suas sobrancelhas estão levantadas, como se algo estivesse óbvio. - Mikael, está claro que você está apaixonado por ela e é um bobo quem não enxerga isso. É ótimo que eu consiga enxergar, afinal é com você apaixonado que vamos nos livrar disso. - Ele diz.
Eu abaixo a cabeça.
- Se você quer que eu comece algum tipo de relacionamento com ela, pode desconsiderar. - eu tento falar firmemente.
- Eu não quero que você "comece um tipo de ralacionamento com ela" - Ele faz as aspas com os dedos debochando da minha frase. - Eu quero que a ame. É apenas isso. Se isso acontecer Mikael, tudo irá mudar e para melhor! Meredith irá viver, vocês dois irão ficar juntos e felizes para sempre.
- E a sua história com a mãe dela? E se isso se repetir? - Questiono. - As bruxas não ficarão satisfeitas e podem fazer algo contra Meredith. Mesmo que eu queira muito tudo isso que me propôs, não vou arriscar a vida dela por meros caprichos.
Marcus ajeita o cabelo grisalho com uma das mãos e me olha sem paciência.
- Meu querido Mikael. As bruxas nunca, eu não sei se você sabe o significado ou o valor da palavra 'nunca', mas, elas NUNCA falharam até agora! Sabe o que é isso? Um verdadeiro milagre... - Ele coloca o copo no balcão, vem em minha direção, para em minha frente e cruza os braços. - Não são meros caprichos. Você vai estar cumprindo com os seus ensinamentos, mesmo que falsos. Você irá salvar ela... - Faz uma pausa - E a mim. - Ele se vira de costas. - Seu povo me deu cem anos de vida como uma forma de pagamento. Esses cem anos passaram Mikael, eu estou envelhecendo e não quero morrer. Tenho muita coisa a fazer por antes de ir.
    Sua voz é triste e sinto que não está me contando algo.
- Você não respondeu as minhas perguntas. Eu não quero que uma história tão triste se repita. Se vamos fazer isto... Temos que pensar. - Falo.
A postura de Marcus parece cansada, mas consegue dizer:
- Eu descobri quem nos deu uma chance, ela é uma bruxa e está do nosso lado.

                                       *****

Saio da casa de Marcus com a promessa de explicações. A tal bruxa que vai nos ajudar irá chegar brevemente para uma conversa.
Tudo aquilo que ele me disse encheu os meus olhos, mas eu ainda acho que é arriscar demais. Ele disse também que os outros Qherubians não iriam descobrir nada por conta de um feitiço de camuflagem que a bruxa fez. Ninguém pode nos ver quando estivermos juntos. Por enquanto, isso era um alívio e menos um problema.
Faço a curva e estaciono em frente a casa de Meredith. Bato na porta e por alguns segundos acredito em não ter ninguém em casa, mas logo é aberta e eu sou recebido por Jennifer.
- Olá fugitivo! Poderia ter ao menos dado um tchau naquela noite. - Ela diz rindo, me convida para entrar e eu entro. - Eu já estou de saída, os dois pombinhos podem ficar à vontade. Tentem descansar as línguas de vez em quando. - Ri e fecha a porta.
- Jennifer! - Meredith exclama com uma mão no rosto. - Me desculpa por isso, ela é meio sem noção.
- Eu sei... - Eu rio, mas paro quando percebo que Meredith fica sem entender. - Quer dizer, pelas poucas horas que fiquei com ela, pude perceber.
- É todo mundo diz isso... Então, essa é a minha casa. - Ela diz com os braços abertos, mostrando o local - Seja bem-vindo.
- Obrigado. Sua avó está em casa? - Pergunto, receoso.
- Não. - ela fala baixo e séria.
- Aconteceu algo por causa de ontem? Eu acho que ela não teve uma boa impressão de mim... - Digo preocupado
- Não, não se preocupa. Acho que você não vai estar aqui quando ela chegar... Ela disse que iria demorar. - Meredith se vira e vai para a cozinha. Volta com uma pipoca de microondas sorrindo. - Vamos ao filme?
- Claro! - Me sento no sofá e fico de frente a TV. Observo Meredith fazer todo o processo para colocar o filme. Ela está com o cabelo preso desta vez, usa um short jeans preto, não muito curto e uma camisa do Ramones.
- Então, deixa eu explicar, afinal é o seu primeiro filme e eu tentei escolher um que fizesse você passar a gostar dessas coisas. - Ela se senta ao meu lado. Estamos próximos e posso reparar em tudo do seu rosto. Olhos, nariz e... Boca. - O nome é In Your Eyes, não tem tradução original, mas ficaria "Em seus olhos" ou algo do tipo...
Ela me explica sobre o filme e posso entender que a ficção é sobre uma mulher casada com um médico famoso e um ex-condenado buscando recomeçar a vida. Eles descobrem estar conectados. O casal pode ouvir e ver um ao outro. A partir desta ligação, os dois iniciarão um inexplicável romance metafísico.
Me pareceu um pouco louco, mas se ela gostava é porque tinha algo de bom.
Ela pressiona o play e o filme começa.
Não consigo prestar atenção na tela da TV nem sequer por um minuto, apenas observo as reações de Meredith que estava concentrada. Ela ria quando achava algo engraçado e em um momento pude ver que seus olhos encheram de lágrimas.
Os créditos finais do filme chegam e eu já estava torcendo para que ela não me perguntasse muita coisa, pois eu sinceramente não saberia responder.
- Então, o que achou? - Ela pergunta.
- Bom, eu não vou mentir. - Suspiro dramaticamente. - Eu não consegui assistir ao filme e você é a culpada. - Falo a verdade.
Ela olha para mim e inclina a cabeça levemente para o lado.
- Como assim? - Pergunta totalmente sem entender.
- Suas reações eram bem mais interessantes do que o próprio filme. - Me ajeito no sofá e fico de frente para ela.
Meredith sorri, finalmente entendendo.
- Dá próxima vez, vamos ficar um de costas para o outro. - Diz divertidamente.
- Assim perderia toda a graça... - Digo.
Ela finge estar tímida e me da um empurrãozinho no braço.
Uma mecha do seu cabelo salta para frente e eu instintivamente levo a minha mão até ela colocando-a atrás da sua orelha.
Ela segue o movimento da minha mão que para em seu rosto, acaricio sua bochecha com meus dedos e Meredith parece estar paralisada me olhando.
Chego mais perto lentamente e nossos narizes se encostam. Ela fecha os olhos. Posso posso sentir sua respiração se encontrar com a minha.
Toda a história que Marcus me contara mais cedo vem à tona em meus pensamentos.
Desvio rápido da sua boca e deixo um beijo em sua bochecha.
- Eu tenho que ir. - Digo em seu ouvido.
Sinto ela abraçar minha cintura e colocar o queixo em meu ombro.
- Tudo bem... - Sua voz sai baixa.
Eu a abraço de volta e ficamos assim por longos e demorados minutos.