• Capítulo 5

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~ Meredith ~
Abro os olhos e sinto uma dor aguda na minha nuca, logo levo a mão até o local dolorido e percebo que uma uma bolsa de gelo se encontra ali. Tudo rodava e era difícil saber onde eu estava sem que minha visão focasse. Pisco muitas vezes até melhorar. Eu estou no quarto da Jenn, deitada em sua cama.
Esse era o lugar onde passávamos a maioria das nossas tardes, estudando ou só de bobeira.
Jennifer entra no quarto com um copo d'água na mão e uma caixa de analgésicos na outra. Quando me vê, começa a jorrar palavras.
- Que bom que você acordou Didi, você não sabe o quão preocupada fiquei. E sua avó? Já ligou para cá umas mil vezes e eu não sei mais que desculpas inventar e... - ela para procurando por ar.
- Eu estou bem, mas o que aconteceu? - com a voz rouca, pergunto, aproveitando a sua pausa.
Jennifer faz uma cara de "Ãn?"
- Pera, pera, pera. Como assim você não lembra de nada? - ela questiona, frustrada.
- Eu lembro da gente ir para a festa, estávamos dançando e depois eu fui beber uma água, minha vó me ligou e... Ficou tudo preto. - falei a verdade. - Eu não lembro de como cheguei até aqui.
    O queixo de Jennifer cai. Pude perceber que estava sem maquiagem e seus olhos estavam fundos.
- Você não lembra do que aconte... - balança a cabeça negativamente - Do que podia ter acontecido? - corrigiu.
   Me ajeito na cama, fico sentada e sinto que a dor permanece contínua.
- Parece que você sabe mais que eu, desembucha Jenn! - exclamo curiosa. Minha cabeça não doía atoa e Jennifer não estava com uma expressão muito agradável.
    Ela pigarreia e começa a me contar tudo detalhadamente.
                                                                                  *****
- Então ele te trouxe nos braços e te colocou aí, onde você está - aponta para cama.
- Quando eu voltei aqui com minha mãe, ele não estava mais. Puf. Sumiu. - ela finaliza, suspirando.
    Estou em choque com tanta informação. Primeiro me revoltei com o bêbado querendo me atacar e o amaldiçoei mentalmente pela dor de cabeça que estava me matando. Não estava com medo e nem me surpreendi tanto, talvez porque não me lembrava de nada. Era melhor assim.
     Depois, o homem desconhecido que me "salvou" e me carregou nos braços até aqui. Esse sim me causou mais curiosidade...
- Você não me disse o nome dele. Disse? - indaguei.
     Jennifer franze o cenho e me questiona com o olhar.
- Eu te conto que foi quase violentada e você se interessa somente nessa parte? - Me acusa indignada.
- Você colocou muito bem. Quase. E esse "quase" foi por conta dele... Eu tenho o direito de saber quem me salvou, ora. - cruzo os braços.
- Vai ficar sem esse direito. Não tive tempo e nem pensei em perguntar o nome dele. Eu estava muito preocupada com você... - ela abaixa os olhos para o copo de vidro agora vazio.
    Percebi que estava sendo ingrata com a minha amiga e me preocupando somente com um desconhecido.
    Ela estava do meu lado em uma cadeira. Cheguei mais perto e a abracei.
- Obrigada, não sei o que faria sem você. - falo, dentro do abraço.
- Achei que nunca ia fazer isso. - ela ri e logo depois nos afastamos.
    Olho para a janela e posso perceber que está amanhecendo. Eu encontraria uma senhora muito desesperada quando chegasse em casa, mas Jenn afirmou que tinha lidado com ela e me tranquilizou.
    - Ele é um gato, se é isso que quer saber. - ela solta do nada, se levanta e sai do quarto.
      Não, não era isso que eu queria saber. Só queria um nome ou um número de telefone para agradecer, mas fico curiosa.
     Eu perdi um pouco o interesse em paquerar, ficar ou namorar, depois do que aconteceu. Porém, não é todo dia que tem um "gato" te salvando... Se ele fosse isso mesmo eu nunca saberia.
    Tirei isso do pensamento me deitei e com tempo adormeci.
                                                                                    ****
No chão quase desacordada. Passos vinham até mim e uma voz calma e doce soou em um pedido de desculpas... Seus olhos brilhavam, verdes. Um peso surgiu sobre os meus me impedindo de admirá-los só por mais um segundo...
    Acordo assustada, suando. Tudo que Jenn havia me contado, ou metade, pude ver como um filme enquanto dormia. E então eu lembrava de tudo, até das sensações.
   Senti raiva quando aquele homem bêbado e asqueroso me tocava. Senti dor quando bati minha cabeça na lixeira. Me senti vulnerável quando não pude me defender do agressor. E lembrava do homem que me salvara. Seus olhos eram lindos, disso eu tinha certeza...
   Ouço roncos vindos do chão e encontro Jenn, com seus cabelos azuis espalhados pelo o rosto, dormindo. Dou risada da sua posição destrambelhada e de como sua boca estava aberta.
   Levanto da cama com cuidado para não acorda-lá me direciono ao banheiro. Me assusto com a imagem no espelho. Meus olhos estão praticamente pretos de tantas olheiras e meu cabelo está embaraçado. Pego uma presilha e prendo-o em um coque.
   Me deparo com uma marca horrorosa na minha nuca. Um maldito inchaço roxo em minha pele pálida. Reviro os olhos. Se por algum acaso eu encontrasse o homem que fez aquilo, não sei o que eu faria.
  Volto para o quarto e olho para o relógio na penteadeira de Jenn. São 7:38 a.m. Não fico preocupada, pois hoje não haverá aula.
  É Feriado de São Jorge, santo guerreiro que Serenidade mais faz reverência. Uma grande festa vai acontecer, como todos os anos. Eu e Jenn sempre gostamos e o nosso principal interesse é a comida, claro. Eu sempre ajudo a minha vó a fazer alguns dos preparativos e por isso que deixo um recado na escrivaninha dela, saio da casa.
  Jenn é praticamente minha vizinha e como eu precisava de um pouco de ar, era uma boa fazer  uma caminhada.
  Abril é um mês frio em Serenidade, eu gosto e praticamente sou imune a ele.
   Caminho observando as árvores entre as diversas casas. Cresci aqui e nunca pensei em sair de toda essa simplicidade, não me sentia presa, pelo o contrário, me sentia bem livre.
  Resolvo desviar do caminho de casa. O parque de Serenidade é um lugar tranquilo para quem procura por paz e é por esse motivo que estou aqui.
    Logo na entrada tem um arco de flores que torna o local mais atrativo e bonito. Entro e sigo uma trilha de pedras até encontrar uma árvore bem grande, sento e fecho os olhos. Sinto o ar vir de encontro ao meu rosto e deixo- me levar para toda a calma.
   Fico minutos assim, até ouvir passos. Abro os olhos rapidamente, procurando o som de um lado à outro. Avisto uma figura grande vindo em minha direção. Levanto, defensiva. Não é possível que aquilo ia se repetir.
    O homem chega mais perto tornando a distância entre nós cada vez mais pequena, seus passos são receosos. Ele é alto, usa uma camisa de manga longa branca e calças pretas. Seu cabelo é longo, muito escorrido. E seus olhos... Espera, eu lembro desses olhos.
- Oi. - ele diz, quebrando o silêncio. Sua voz é rouca e doce.
    Não respondo. Eu não sabia o que falar. Minha garganta estava completamente fechada.
- Eu não quero te assustar, é que eu te vi aqui de olhos fechados e, bom, pensei em vir perguntar como está... - Ele olha para minha nuca inchada e eu levo a mão ao local, escondendo a roxidão.
- Foi você... - É apenas isso que consigo dizer.
     Ele passa a mão no cabelo como um gesto tímido.
- Sim, sou eu. À propósito, meu nome é Mikael.
     Eu reparo em sua boca enquanto se move e o seu sorriso quando me oferece a mão para um cumprimento. Jennifer não exagerou, o cara é um gato.
     Pego a sua mão e um choque parece passar pelo meu corpo.
- Meredith. - respondo com um sorriso de lado. - Obrigada, por... Você sabe.
- Não precisa agradecer... Eu fiz o que era para ser feito.
     Ele diz a última frase com a voz um pouco embargada, desvia o olhar para longe.
- Eu insisto. Não sei o que teria acontecido, se você não tivesse chegado e...
- Não aconteceu. Acho melhor não pensarmos mais nisso. Ok? - ele me interrompe.
     Faço que sim com a cabeça e abaixo o olhar. Um silêncio constrangedor surge e eu não faço nada para quebra-ló.
   Olho para ele e nossos olhos se encontram, meu coração da um pequeno pulo dentro do meu peito, nunca lidei com tanta beleza.
- Talvez você quisesse ir comigo, para a festa de feriado. - ele diz. Isso não foi uma pergunta, nem uma afirmação. Jennifer diria que é um bom modo de chamar uma garota para sair.
- Pode ser. Te encontro lá... - eu digo, provavelmente corada.
   Ele acena com a cabeça com os olhos nos meus, coloca as mãos no bolso, vira e sai andando.
   Fico parada por alguns segundos processando tudo que acabara de acontecer. Faço um tipo de dança desajeitada e comemoro antecipadamente o que seria a melhor noite da minha vida.

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