• Capítulo 4.

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- Você não pode estar apaixonado por ela. - disse a voz pela milésima vez.
- Eu já cansei de repetir: Eu não estou apaixonado por ela. - eu digo sem a menor disposição e posso ouvir uma voz lá no fundo dizer involuntariamente: não minta pra si mesmo. Balanço a cabeça retirando isso da mente e continuo: - Quero apenas aparecer para ela. Será que é muito difícil conseguir isso?
     A voz era apenas A voz. Eu não conseguia ver ou sentir, só ouvir. Parecia estar conversando com o meu próprio subconsciente, mas não. Era apenas e somente um dos meus superiores que me orientava.
    Eu tinha que pedir permissão para poder aparecer e era isso que eu estava fazendo naquele momento.
- Eu fiquei muito surpreso e, na verdade, contente quando me disse que achava melhor ficar "invisível" para cuidar dela de longe. Por que quer mudar agora? - ele pergunta. Apesar de não vê-lo, pela sua entonação de voz dava para perceber que estava sério e talvez um pouco preocupado.
- Eu cumpri com meu dever até agora. Em todos os seus dezesseis anos nunca houve nada que a machucou... - fiz uma pausa me lembrando do que acontecera no ano retrasado e tudo que eu não pude evitar. - Fisicamente. - completei - Está segura, isso eu posso afirmar. Porém, sinto que está infeliz com a vida. - falei com a voz fraca. Estávamos conversando a mais de meia hora, em frente a escola onde Meredith estuda. Se eu não estivesse invisível, provavelmente, as pessoas que passam por ali de vez em quando, me achariam um tanto quanto maluco.
     A voz procede:
- Bom, Mikael, é um direito seu querer aparecer. Só estou te alertando que as coisas podem mudar. Se você se aproximar dela como um...
- Amigo. Eu quero só ser um amigo. - eu o interrompo. - Ela só tem a Donna, Jennifer e Marcus. Eu só quero acrescentar algo novo a vida dela. Talvez ajude...
    Ouço a voz suspirar. - Tudo bem Mikael. Você é um dos melhores escolhidos que já tivemos até agora. Só peço que não nos decepcione, por favor. Até porque se decepcionar, consequências irão surgir. - finaliza e me deixa um pouco assustado com a última frase.
     Um suspiro aliviado sai de mim.
- Obrigado, não irei decepcionar. - sorrio para o nada, pensando no que aconteceria dali para frente. Logo me lembro de outra coisa. - Sabe, durante todos esses dezesseis anos, eu nunca tive curiosidade de saber o seu nome.
- Steven. - ele diz rápido com receio de algo.
- É um prazer, de novo, Steven.
                                                                              *****
Eu me sentia totalmente novo. Já havia escurecido. O processo para voltar a ser visto era mais complexo do que eu imaginava e bem cansativo, eu confesso. Na forma totalmente humana agora, eu perdi alguns dos meus "poderes" como por exemplo: ir de um lugar  a outro só em pensar no local. E é por esse motivo que eu estava a caminho da casa de Meredith. Eu não queria assustar nem nada, mas era o único lugar que eu tinha para ir.
     Eu não tinha parado para pensar em muita coisa depois que o Steven aceitou minha proposta. Não sabia como ia falar com ela e isso estava me incomodando em todo o percurso até a sua casa. Eu não podia apenas bater em sua porta e dizer "Oi eu sou o Mikael e você já me conhecia, apenas não me via, tudo bem? Como vai a vida? Ah não precisa responder, sei mais da sua vida do que você mesma, pois os últimos dezesseis anos da minha vida foram dedicados única e exclusivamente para a sua." É, resolvi excluir essa possibilidade da cabeça. Tinha que ser naturalmente, só não sabia como fazer isso!
      Quando eu já estava em frente à casa dela, parei bruscamente e voltei dois passos me encaminhando para atrás de um arbusto. Donna estava conversando com uma moça bem arrumada, alta. E o que me chamou mais atenção foram os seus cabelos de um tom de vermelho-sangue e a maleta que segurava em sua mão.
- Pode ficar despreocupada. Seu segredo está guardado comigo. - a mulher desconhecida disse. Deu um abraço caloroso em Donna e se virou para entrar no carro parado atrás, onde alguém a esperava.
      Donna ficou observando o carro dar partida e seguir adiante. Pude observar o seu olhar de preocupação, algo estava a incomodando e a mim também, aquilo me pareceu muito estranho.
       A idosa pareceu se lembrar de algo e pegou o seu telefone do bolso. Sem muita dificuldade, discou um número e levou o aparelho ao ouvido.
- Meredith? Só queria saber se está tudo bem... - disse ela, esperou a resposta e ouviu com atenção. - Ok, divirta-se. - finalizou sorrindo e virando-se para entrar em casa.
Meredith não estava em casa, me preocupei momentaneamente, mas aquela parecia ser a ocasião perfeita para conhecer alguém.
Corri. Eu ainda tinha aquela ligação com ela e sabia onde encontrá-la, era apenas seguir os meus instintos.
                                                                                ****
Chegando no local. Percebi que era um bar bem movimentado. Entrei e pessoas esbarravam em mim procurando por passagem. De certo modo isso era bom, me sentir vivo era bom.
Pude perceber muitas mulheres, de todos os tipos, passando e olhando para mim de cima a baixo, mas meus olhos procuravam apenas por uma garota específica.
Avistei Jennifer com uma taça na mão dançando com um rapaz. E nada de Meredith.
Até quando senti algo no peito, era o mesmo puxão que sentia quando algo estava prestes a acontecer com ela. Corri me esquivando das pessoas. Segui a sensação até chegar nos fundos do bar e encontrar Meredith no chão quase desacordada e um homem indo em sua direção.
Uma fúria subiu em mim e antes que ele pudesse toca-lá, o puxei tão forte que voou direto para o chão.
- Se você tiver amor pela própria vida, sugiro que saia daqui - apertei ainda mais os punhos já fechados. - Agora.
O homem me encarou por alguns segundos e de um jeito amedrontado, levantou e correu.
Procurei coragem para olhar para trás e vê-la no chão, machucada. Minha raiva aumentou. Eu não estava aqui na hora que ela precisou, me puni mentalmente.
Quando peguei a no colo, antes de levantar ousei dizer: - Agora você está bem, me desculpe Meredith.
Ela piscou e depois apagou totalmente.
Eu estava com ela no colo, prestes a levá-la para um hospital, quando encontro Jennifer com a expressão incrédula, me observando. Logo depois de ver quem eu carregava nos braços começou a gritar, escandalosamente.
- SOCORRO, TEM UM HOMEM QUERENDO LEVAR A MINHA AMIGA!
- Não, não é isso, calma. - falei alto, porém com cuidado.
- E o que você quer que eu pense? Solta ela agora! - ela diz, se aproximando alguns passos e olha para Meredith com preocupação.
- Não tem como eu fazer isso, evidentemente ela bateu a cabeça e desmaiou, precisamos levá-la para um hospital. - tentei argumentar.
Ela me olha desconfiada.
- A avó dela a mataria e ela... - aponta para Meredith - Me mataria. Vamos para a minha casa. - diz ela e eu continuo no mesmo lugar, sem entender muito bem como isso ajudaria. - Minha mãe é médica e guardaria esse segredo. - por fim fala, me entendendo.
Damos a volta no bar e estamos na frente, esperando por um táxi. Em alguns momentos Jennifer acaricia a cabeça de Meredith, sua expressão é uma mistura de medo e curiosidade. Se eu a conheço bem. Ela com certeza iria me encher de questionamentos e eu estava preparado para isso.
Quando o táxi chega, entramos. Jennifer senta-se na frente e com cuidado sento no banco de trás com Meredith no colo. Antes mesmo do motorista dar a partida Jennifer se vira para trás e me olha, esperando algo.
- Então, você pode começar a explicar como isso aconteceu - levanta uma sobrancelha e espera.
Então começo a relatar de como salvei Meredith de um estupro...
                                                                          *****
Chegando na casa de Jennifer, ela abre a porta e me guia para o seu quarto. Meredith era tão leve que esse tempo a carregando não fizera diferença alguma. Eu a coloco na cama onde Jennifer dorme e me sento em uma cadeira de computador, ao lado.
- Vou ver se minha mãe está acordada, espere um minuto... - ela diz se retirando do quarto.
Meredith parecia estar tão bem, dormia profundamente. Seus olhos fechados revelavam cílios grandes, sem ajuda de nenhuma maquiagem. Sua expressão estava tranquila, mas talvez quando acordasse não estivesse tudo tão bem assim.
Não queria que ela me conhecesse assim, eram condições trágicas. Então foi com isso em mente que resolvi ir embora. Jennifer e sua mãe saberiam cuidar dela daqui.
Depositei um beijo demorado em sua testa, esse era o nosso primeiro contato e ela ao menos podia sentir.

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