Finalmente essa aula acabou, não sei se aguentaria mais um segundo naquela sala depois da vergonha que passei.
A garota azul está vindo na minha direção, eu sinceramente espero que ela também não decida tirar uma onda comigo.
- E ai garota, está bem?
- Claro, não poderia estar melhor, não vê como estou corada?
Ela começou a rir, enquanto alisa as madeixas coloridas
- Então parece que chegou a pouco na cidade não é?
- Sim cheguei ontem, minhas coisas só vão chegar hoje e tenho mil caixas pra desempacotar depois da aula...
- Você quer ajuda?
Eu tinha acabado de conhecer essa menina, e ela já queria visitar minha casa. Ela poderia ser uma assassina, uma terrorista. Ó meu deus, ela poderia até mesmo ser uma bruxa, com aqueles cabelos azuis, mas não consegui dizer não para aquele sorriso amigo. E está aí uma coisa que não posso recusar, amizade.
Não demorou muito para a aula acabar, tivemos mais duas matérias com professores diferentes, ambos bizarros obviamente. A professora de Gramática só queria saber de falar de seus filhos, os filhos que somente depois de meia hora de conversa descobrimos que eram dois cães malteses. Já o professor de linguística entrou na sala escreveu seu nome no quadro, sentou-se na mesa, pôs os óculos escuros e dormiu. Dessa vez não fui a única a ficar surpresa, aleluia, nem aqui isso é normal.
Findado o período de aula a garota azul foi comigo para meu apartamento, como havia prometido anteriormente. Eu estava um pouco apreensiva já que não sou dessas que consegue puxar papo com facilidade.
- Então da onde você veio?
Parece que ela já tinha um questionário pronto.
- De uma cidade daqui do sul, quase ninguém conhece para falar a verdade. Você nunca ouviu falar, aposto.
- Você está subestimando minha sabedoria geológica.
- Espera, não seria sabedoria geográfica?
Ela começou a rir.
A verdade é que eu não queria contar de onde eu era. Não queria que minha vida passada tivesse vínculo algum com a futura, então eu menti.
- Eu sou de Conde Novo.
Foi a primeira coisa que me veio à cabeça, talvez por que essa semana tenha assistido ao Conde de Monte Cristo na tv.
-Parece que eu nunca ouvi falar da sua cidade, talvez eu tenha que apurar meus instintos de geologia.
- Geografia.
- Parece que temos uma garota muito inteligente aqui, vou lembrar-me de sentar ao seu lado no dia das provas.
Joana é uma garota muito engraçada e está conseguindo me deixar confortável, e isso é bem anormal. Ela prefere ser chamada de Blue, por que será que eu ainda não havia desconfiado disso?
Estamos quase chegando ao portão do prédio, e eu já consigo ver o caminhão parado ali na frente descarregando as minhas coisas. Nem acredito que finalmente vou ter um apartamento só meu, sem ninguém para me mandar dormir, ou lavar louça, ou arrumar a cama. Eu sei, falando desse jeito eu devo estar parecendo uma porca, sei, esporadicamente terei que fazer essas atividades domésticas se não quiser viver em um chiqueiro.
Enquanto eu pensava nessas coisas a Blue já estava ali conversando com o rapaz da mudança. Acho que eu devo pelo menos cumprimenta-lo.
- Oi, e ai, tudo certo com as minhas coisas?
- É claro, já estou terminando de subir as caixas.
- Você deve estar com sede né? Quer tomar um copo d'agua, hoje está tão calor.
Disse a garota azul lançando seu sorriso incrivelmente branco e brilhante para o rapaz que já tinha em suas mãos a última caixa da mudança.
Foi nesse momento em que vi que Blue era aquele tipo de garota, é, aquele, aquele que não tem vergonha de dar em cima de um cara quando está afim.
Subimos as escadas, nós três, a sereia azul cantando seu charme para o pobre marinheiro carregador de caixas, ok, ele não é marinheiro, e ela não é sereia, mas as coisas parecem mais engraçadas assim na minha cabeça.
Olhando meu apartamento agora nem parece aquele que eu deixei durante a manhã, me sinto em um jogo do Bomberman, acho que nunca vi tanta caixa na minha vida.
Blue já está servindo água para o rapaz da mudança que está se dizendo muito atrasado para o seu próximo serviço, prontamente ela pega um papel e anota seu telefone, dá um beijo na bochecha do rapaz e fácil assim, ele sai.
-Você precisa me ensinar a fazer isso.
- Isso o que?
- A ser mais descolada.
- Querida, você já é cool demais.
Não sei se isso foi um elogio, mas tomarei como um.
***
Faz algumas horas que a Blue foi embora, passamos a tarde inteira desempacotando as minhas coisas e só agora consegui deitar e assistir televisão, é uma pena que não tenha nada bom passando. Ainda não consegui conectar a internet aqui, então essa será uma noite bem entediante.
Parece que eu terei que fazer minha janta no micro-ondas por que a preguiça impediu que eu desencaixotasse o fogãozinho que veio junto com minhas coisas. Eu juro que nem sabia que minha mãe havia comprado um, e mais, duvido que eu saiba usá-lo.
E do nada tudo ficou escuro. A droga, como eu odeio o escuro, e eu não tenho uma vela aqui, vou pegar meu celular e ver se consigo alguma com algum vizinho.
Sou sempre muito ágil quando o assunto é escuro, odeio ficar sozinha no breu, é um dos medos de criança que eu nunca consegui me livrar, sempre pensei que a qualquer momento um vampiro ia pular em mim e atacar minha jugular, eu era uma criança estranha, de tanta pressa nem notei que já estou aqui batendo na porta em frente à minha.
- Quem é?
A voz parece meio sonolenta através da porta.
- A, é a vizinha da frente, acabei de me mudar, e hã, você sabe o que houve com a luz? Você tem alguma vela, lanterna ou sabre de luz para me emprestar?
Ele está rindo, obviamente, e abriu a porta agora, aproximo meu celular na cara dele, e eu juro, não acredito que isso está acontecendo de novo.
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Descolada
RomanceA vida de Guinevere virou de cabeça para baixo quando ela decidiu que era hora de dar adeus a pequena cidade de interior em que vivia para estudar na cidade mais movimentada do estado. Já sabia que as coisas seriam diferentes no começo, mas não imag...