Capítulo 13

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Esse primeiro mês foi um pouco intenso demais. Eu já esperava por isso, afinal de contas sai da cidade onde cresci e vim para um lugar totalmente diferente, e sozinha ainda por cima. Eu sabia que ia ser confuso, mas quis fazer mesmo assim. Sempre fui a princesinha do papai e o anjinho da mamãe, o que é totalmente um saco, se me permite dizer. Eu sinto que se não tivesse saído da minha cidade provavelmente teria enlouquecido, ou pior, teria virado minha mãe. Não que eu esteja dizendo que a minha mãe é uma pessoa terrível, é só que quando você passa muito tempo com ela parece que um dementador está sugando toda sua felicidade. Ela é um pouco exigente demais. Quando eu tinha sete anos ela fez o "quadro do sucesso" onde listava todos os grandes acontecimentos da minha vida em ordem cronológica, passado, presente e futuro, ao lado dos meus 27 anos tinha uma anotação "CASADA COM UM MÉDICO RICO". Ok mãe, que tal deixar que eu faça algumas escolhas para minha vida? Quando eu disse eu viria para a cidade ela quase pirou, quando eu disse que queria ser uma professora ela quase teve um ataque, e eu meio que gostei disso... viu só? Já estou me parecendo com ela!

Pais controladores, filha rebelde, acho que é meio esse o clichê que as pessoas esperam, mas eu nunca fui assim, eu nunca me rebelei, eu sempre fui ok sabe? Uma pessoa ok, com notas legais, amigos legais, um namoradinho legal, nada de extraordinário, nada COOL. Eu sinto que eu consigo ser alguém aqui, alguém mais do que ok, alguém especial, com uma história diferente, eu sou misteriosa, eu sou diferente, eu tenho uma história oculta, sou um enigma a ser desvendado. Eu sou a aluna que está totalmente atrasada para aula e precisa sair correndo de casa. Caramba por que eu fico devaneando desse jeito?

Desço as escadas loucamente, por que não valeria a pena esperar o elevador, e além do mais, três andares não vão me matar. Quando pulo o último degrau eu me pergunto por que estou sempre subestimando as chances de merdas acontecerem na minha vida. Assim que deixo o degrau de cima eu sei que não a chances de meu pé pousar em uma posição normal no chão do hall do prédio, ele se encontra em um ângulo estranho e meio torto e não consegue sustentar o meu peso, tenho a noção de colocar a mochila em frente ao rosto para não bater de cara no chão frio e quebrar três dentes. Assim que pouso sem nenhuma sutileza percebo que está tudo bem, mas quando tento me levantar um fisgão no pé me impede. E então vem a dor, a pior parte. Esse é o tipo de coisa que venho tentado evitar aqui, me machucar, se meus pais achassem que eu não posso estar segura vivendo sozinha eles totalmente viriam aqui me sequestrar de volta para o meio do nada. Entre a dor e esses pensamentos eu vejo a porta do elevador se abrir, e eu nunca me senti tão bem em ver aquele maldito professor!

Assim que me vê no chão Gustavo vem correndo em minha direção com uma cara preocupada.

- Guinevere, o que você está fazendo deitada aí?

- Nada, só estou esperando Jack para que ele me pinte como uma de suas garotas francesas.

Por um segundo ele parece confuso e olha, para os lados talvez procurando por Jack, o pintor do Titanic, quando percebe o sarcasmo, e provavelmente a minha careta de dor ele presume o que aconteceu.

- Você se machucou? Onde foi?

Aponto para o pé e ele vai dar uma olhada. É daí que percebo o quanto dói.

- Espera, deixa eu adivinhar, pela sua cara parece que terão que amputar. Ó não, eu realmente amo esse pé, ele esteve comigo por muito tempo!

Eu sei que eu não acredito nisso, mas de repente, como uma criança começo a chorar.

- Um mês vivendo sozinha e agora vão amputar a minha maldita perna!

Gustavo pega meu queixo na mão e me faz olhar em seus profundos olhos verdes.

- Escuta aqui, eu vou te levar a um hospital e juro que se alguém aparecer com uma serra eu vou quebrar a cara, ok?

Isso parece me acalmar, mas as coisas ficam estranhas quando Gustavo passa a mão pela minha cintura e me ergue do chão, meu pé balança e a dor que sinto é tanta que por impulso mordo o ombro dele. Agora é a vez dele de murmurar um resmungo de dor.

- Ai meu deus, me desculpe, eu não sei por que fiz isso.

Além das lagrimas agora meu rosto começa a corar, eu realmente devo estar em um péssimo estado. Enquanto Gustavo me leva até a entrada do prédio fico pensando sobre como deve ser inadequado que um professor tenha esse tipo de contato com uma aluna. Quando estamos dentro de um taxi que não sei nem de onde surgiu percebo que Gustavo pega o celular e faz uma ligação. Está avisando a faculdade que não poderá comparecer a aula. Mesmo com a dor me corroendo não posso deixar de perceber a maneira como ele domina a situação, e como seus ombros estão eretos no banco do taxi. Ele parece muito mais um professor assim, sem aquele maldito sorriso malicioso no canto da boca. Como se percebesse minha observação ele me olha. Pega no flagra.

- Você está com muita dor?

- Dói, não acho que tenha quebrado algo, já quebrei vários ossos e não é essa a dor comum.

Ele franze a testa para mim.

- Como assim você já quebrou vários ossos?

- Eu sempre fui uma garota do interior, subindo em arvores, correndo atrás de galinhas, você sabe, essas coisas que as crianças fazem quando são crianças e não tem televisão ou computador.

Um breve sorriso se pronuncia no seu rosto, mas logo é tomado pela cara de preocupação.

- Nós estamos chegando, e eu acho que eles não vão me deixar entrar com você, não somos parentes... você vai ficar bem?

Balanço a cabeça dizendo um sim, só que na verdade não me sinto confortável em ambientes de hospital, o que é ridículo se for pensar quantas vezes já me machuquei, mas eu sempre tinha alguém ao lado. Quando ele me leva para dentro do hospital e vamos a recepção e a moça que nos atende diz que terei que fazer um raio-x é que aquele medo me atinge. Quando ela pergunta qual o nosso grau de parentesco, me precipito e evito que ele responda.

- Ele é meu noivo.

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⏰ Última atualização: Jan 23, 2016 ⏰

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