1 - As apresentações nunca foram o meu forte

38 9 2
                                    

"Sou casado com a privacidade e sou amante da discrição".

E, por mais surpreendente que pareça, não sei como é que eu hei de começar. Devo dizer que não sou um grande fã de apresentações... Acho que, a não ser em 10% dos casos, o que acontece é que as pessoas vão começar a julgar-nos e, basicamente, só estaríamos a atrasar o inevitável. Vou assim limitar detalhes, só contando o revelante.

Mas, de qualquer maneira, o meu nome é Samuel Santareno. Eu sei; dito desta maneira parece inventado mas não é. Apesar de ser estranho, gosto dele. Acho que a combinação nome - apelido é engraçada. E já estou a começar a divagar.... Como estava a dizer, o meu nome é Samuel Santareno. Trabalho como assistente para uma empresa que faz um jornal de menor importância: "O Diário de São Cosme". O meu chefe, que iria acabar por morrer, chamava-se Pedro Alves. Ele estava no seu lugar preferido quando morreu: umas piscinas públicas que, àquela hora, estavam todos dias reservadas para ele mas eu, sem querer, deixei a porta aberta.

Eu até dava mais detalhes, mas acho que devo começar pelo início.

Acordei com o meu despertador a tocar. Passavam das 7:00. Não era preciso acordar tão cedo para ir para o trabalho, mas o meu filho tinha aulas. A minha função era acordá-lo todas as manhãs, para ele se poder preparar para a escola. Enquanto isso, eu vestia-me com a típica roupa: calças pretas e uma camisola de manga comprida lisa, com uma camisola feita de lã cinzenta por cima. A minha mãe tinha feito dezenas e eu ainda as adoro. Dei um beijo na bochecha da minha mulher para a acordar.

Desci para o piso de baixo para começar a preparar o meu pequeno-almoço clássico: uma torrada com manteiga, um copo de sumo de laranja, uma chávena de café e uma maçã.

Comi-o com calma e demorei 10 minutos. Afinal, ainda teria que esperar pelo meu filho, que ainda se teria que preparar. Subi para lavar os dentes (nunca se deve ir para o trabalho com dentes sujos, certo?) e voltei a descer para ver o meu computador.

Todas as manhãs costumo ir lá para ver a agenda do dia do meu chefe e tentar decorá-la.

Naquele dia, ao contrário de grande parte dos dias, não havia muita coisa para decorar. Tinha que o levar às piscinas de São Cosme às 8:45 (só agora é que penso... só era pago para ser assistente, mas também era motorista) e ficava lá até às 10:00. Depois levava-o para o escritório onde ele tinha uma reunião com o representante da empresa que nos fornecia papel. Às 13:30 ele tinha um almoço de aniversário que ele tinha com o filho (e, adivinhem! eu tinha que lhe dar boleia) e teria que depois, muito provavelmente, trazê-lo de volta para o escritório às 14:45. Às 16:00 trazia-lhe uma cópia do exemplar que iria sair no próximo dia e teria que lhe levar o lanche passados 30 minutos. Ele depois ia para casa sozinho e eu também....

Eu nem sei muito bem se isto é ou não o que o típico assistente faz, mas é a minha vida. Ou pelo menos era... Tudo mudou...

Entrei no carro com o meu filho e levei-o à escola. Demorámos 7 minutos. Não era muito longe. A seguir segui, calmamente, para casa do meu chefe para depois o levar.

O meu chefe era um homem de 52 anos. Tinha cabelo grisalho e um bigode pequenino muito discreto. Os seus olhos verdes faziam a cara parecer mais calma, ao dar um contraste.

Ele era uma pessoa rude, mas engraçada. Não costumava ser generoso nem paciente, mas também devo dizer que não esperava isso dele. Afinal, sempre era o meu chefe!

Parei ao lado da casa dele e esperei. Eu sou uma pessoa calma e paciente e não estou a brincar. Não me importo de esperar porque tenho um pouco de tempo para mim. Como naquele minuto. Por muito pequeno que fosse, costumava gerir a minha própria vida pessoal.

O meu pensamento tinha sido interrompido pela porta do carro. O meu chefe tinha chegado, e não parecia muito amigável. Também não costumava estar.

- Bom dia. - cumprimentei eu, sem tirar os olhos da estrada.

- Bom dia. - murmurou ele sem abrir a boca.

Ele parecia chateado com algo, mas eu não lhe perguntei nada.

O meu chefe era uma pessoa muito reservada e não costumava dizer muito sobre si nem sobre os outros. Não gostava de boatos e pensava que só se deve partilhar quando obrigatório, o que não era muito lógico. Uma pequena demonstração foi a entrevista de emprego. Respondia sempre muito baixo e não dava uma resposta concreta. Sempre que eu tentava perguntar-lhe algo ele respondia com uma pergunta! Enfim...

Quando chegámos lá ele abriu a porta do carro e saiu. Foi uma pena eu não ter percebido que algo muito mau iria acontecer.

Água fria ou quente?Onde histórias criam vida. Descubra agora